Devassa na Intensicare chega ao Tocantins
Ministério Público de Contas estadual enviou pedidos à Secretaria de Saúde local para ter mais detalhes sobre a atuação da empresa, envolvida em escândalo de propinas que derrubou o comando da CLDF. Levantamento mostra que há pelo menos três servidores no quadro societário da terceirizada
atualizado
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A Intensicare, uma das empresas mais encrencadas no escândalo que ficou conhecido como “bonde da propina”, também está sendo questionada pelo Ministério Público de Contas do Tocantins (MPC-TO) pela sua atuação no estado. O grupo tem ao menos três contratos com o governo local e, na última quinta-feira (25/8), o MPC-TO enviou ofício à secretaria da Saúde pedindo mais informações sobre o negócio. Esse questionamento é fruto dos desdobramentos da operação Drácon, conduzida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que apura pagamento de propina para a liberação de verbas a empresas que atuam na área da saúde.
Outro ponto que levantou suspeitas tanto no MPC quanto no Tribunal de Contas do estado foi o fato de três servidores públicos constarem no contrato social de uma das empresas vinculadas à Intensicare e que presta serviço ao governo. A empresa chama-se Instituto de Terapia Intensiva de Palmas – UTI e constam como sócios Rejane Costa de Sousa, Vanessa Cristina dos Santos e Ricardo Condi Castelão – todos eles servidores do estado, segundo levantamento realizado pelos órgãos de controle. A própria Intensicare consta no quadro societário.Essa composição acionária reforça a tese que já foi aventada sobre a atuação da Intensicare em Brasília, de que ela seria uma empresa de fachada que se vale de alguma operação local para conseguir operar no governo a serviço de agentes políticos. Essa situação também é vedada pela Lei n° 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. De acordo com o advogado e membro da Comissão de Combate à Corrupção da Ordem dos Advogados do DF (OAB-DF), Antônio Rodrigo Machado, trata-se de um flagrante conflito de interesses.
“Tanto a legislação sobre licitações públicas quanto o próprio estatuto do servidor e a Constituição— quando estabelece o principio da moralidade como um dos baluartes do serviço público — veda que um servidor tenha empresa que preste serviços ao estado e, especialmente, à Fazenda Pública que o remunera”, explicou. “Além do mais, essa empresa teria vantagens na competição pelo contrato, porque poderia obter informações privilegiadas”, prosseguiu.
A Intensicare foi uma das principais beneficiárias da emenda feita às pressas pela Mesa Diretora da Câmara Legislativa (CLDF) no fim de 2015. O texto destinou R$ 30 milhões (dos R$ 31 disponíveis) de verbas de sobras orçamentárias para pagamento do serviço de UTIs. Gravações feitas pela deputada Liliane Roriz (PTB) sugerem que a emenda teria como contrapartida o pagamento de propinas a agentes políticos.
No Tocantins, a Intensicare administra ao menos duas UTIs, uma delas no Instituto Ortopédico de Palmas. A outra é a UTI pediátrica do Hospital Oswaldo Cruz.
Goiânia
Nesta quinta-feira (25/8), o MPDFT cumpriu mandado de busca e apreensão na sede da Intensicare, em Goiânia. A ação foi feita em parceria com o Ministério Público de Goiás, que acompanhou os promotores na empresa.
De acordo com o MPDFT, foi expedido apenas um mandado, mas não foram informados detalhes da ação. “O MPDFT não pode, neste momento, prestar informações sobre o material recolhido nem comentar o conteúdo de decisões judiciais, que permanecem sob sigilo. Os próximos dias serão dedicados à análise dos materiais recolhidos e à continuidade das investigações, que estão totalmente centralizadas no Ministério Público”, diz o órgão, por nota.
Instalações precárias
A reportagem do Metrópoles foi até Goiânia no início do mês para conhecer a sede da Intensicare, no Setor Marista. A fachada do prédio onde funciona a empresa que gerencia a UTI do Hospital Regional de Santa Maria é modesta, principalmente para um grupo empresarial que faturou R$ 23 milhões somente nos primeiros seis meses deste ano e mais de R$ 200 milhões nos últimos cinco anos, apenas em Brasília.
Na ocasião, questionada sobre o trabalho que a empresa oferece, uma funcionária destacou, em um pedaço de papel escrito à mão, serviços da companhia, como a gestão de leitos de UTI. Em diversos momentos, a funcionária ressaltava que a empresa seria a “dona” do Santa Maria, um hospital público.
Denúncia
A emenda aditiva que garantiu crédito suplementar para as UTIs foi revelada a partir de gravações feitas pela deputada Liliane Roriz, então vice-presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Nos áudios, a presidente-afastada da CLDF, Celina Leão (PPS), diz que há um “projeto” com as empresas de UTI e sugere haver um esquema de pagamentos de propina para distritais em troca da liberação de recursos para empresas com contrato com a saúde.
Os valores repassados pela Câmara Legislativa à gestão das UTIs seguem um rito particular, por se tratarem de sobras orçamentárias. Nesse caso específico, apenas a Mesa Diretora da Casa pode elaborar o texto que pede a transferência de recursos. E são justamente os integrantes da Mesa — incluindo Liliane — que estariam envolvidos no escândalo, segundo os grampos da própria distrital.
Além da Intensicare, outras cinco empresas que prestam serviço de UTI para a rede pública de saúde do DF são alvo de investigação: Fundação Universitária de Cardiologia, Hospital Santa Marta, Oxtal, Hospital São Francisco e a Home Hospital Ortopédico.
Governo Arruda
A Intensicare chegou a Brasília em 2009, quando assumiu a administração da UTI durante a gestão da Real Sociedade Espanhola no Santa Maria, ainda durante a administração José Roberto Arruda. A Real operava como organização social (OS) na saúde, modelo que o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) quer ativar novamente. Uma vez desfeito o contrato com a Real em 2010, devido a uma série de irregularidades na prestação de contas, a Intensicare permaneceu no comando do setor.
A estratégia utilizada pela empresa para se manter operando a UTI sem licitação já foi alvo de ao menos três representações do Ministério Público de Contas-DF (MPC-DF), entre 2012 e 2014. A empresa, segundo consta nos documentos, simula situações de emergência após interromper a prestação de serviços na UTI. Dessa forma, segundo o MPC, uma emergência é forjada e ela pode ser contratada sem processo licitatório.