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Descaso. No maior hospital público do DF, falta até papel higiênico

Relatos de parentes e pessoas internadas reforçam percepção dos servidores, que denunciam situação precária no Hospital de Base do DF

atualizado

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Ricardo Botelho/Especial para o Metrópoles
Hospital de Base
1 de 1 Hospital de Base - Foto: Ricardo Botelho/Especial para o Metrópoles

Depois de servidores da saúde questionarem a medida do GDF que suspendeu o estado de emergência na rede pública da capital e denunciarem falhas no abastecimento de diversos setores do Hospital de Base (HBDF), pacientes e parentes de pessoas internadas engrossaram o coro das críticas. Ninguém entende os critérios usados pelo governo para dizer que a saúde pública da capital saiu da UTI. Segundo as reclamações, falta até papel higiênico.

Médicos, enfermeiros e técnicos reclamam da falta de insumos básicos, materiais para exames e problemas com telefones e internet. Quem se submete a tratamento na maior unidade do Distrito Federal precisa, muitas vezes, comprar materiais ou bancar exames em clínicas particulares.

É o caso dos irmãos Ludmila Ferreira, 35 anos, e Giordano Ferreira, 39. Eles estão com a mãe internada há dois dias no HBDF, onde a mulher aguarda por um implante de marcapasso. “Ela tem problema de pressão e coração, mas está sem data o procedimento. Tivemos que trazer todas as roupas de cama porque ela estava passando frio. Também trouxemos o remédio porque aqui não estava disponível”, disse Ludmila ao Metrópoles, na manhã desta quarta-feira (26/7).

Situação semelhante foi enfrentada pela professora aposentada Sônia Maria do Carmo Silva, 62 anos, portadora de varizes no estômago. “Os funcionários fazem o que podem, mas a situação é bastante precária”, comenta. Há nove dias, ela foi ao hospital fazer um exame porque estava vomitando sangue e precisou ficar internada.

“Tivemos que trazer roupa de cama, aqui não tem. Até o papel higiênico a minha família pegou em casa. Também já aconteceu de não ter reagente para o meu exame. Daí, não tem o que fazer. O médico é quem tem que avaliar e tomar providências. No meu caso, tive que ser levada até o Hospital Universitário de Brasília (HUB)”, relata Sônia Maria.

Na terça (25), a dona de casa Elisângela da Silva Oliveira, 37 anos, moradora do Sol Nascente, teve que se deslocar 34 quilômetros para levar o pai, que está com um tumor no pênis, ao HBDF. “Ele veio para uma consulta e, como a doença está avançada, ficou internado. Agora, aguardamos a cirurgia. Ouvimos vários relatos de pessoas que desistiram por estarem esperando para a realização do procedimento há vários dias”, diz.

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Os irmãos tiveram que levar roupas de cama para a mãe, que passou frio durante a noite
Sônia Maria do Carmo Silva, 62 anos, sofre com varizes no estômago
A paciente Sônia, acompanhada do marido, o aposentado Irom Ferreira da Silva
João Rosa de Jesus tenta conseguir tratamento de radioterapia para a filha de 14 anos
Elisângela da Silva Oliveira está com o pai internado aguardando uma cirurgia
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Os irmãos Ludmila Ferreira, 35 anos, e Giordano Ferreira, 39. A mãe deles está internada aguardando por implante de marcapasso

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Os irmãos tiveram que levar roupas de cama para a mãe, que passou frio durante a noite

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Sônia Maria do Carmo Silva, 62 anos, sofre com varizes no estômago

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A paciente Sônia, acompanhada do marido, o aposentado Irom Ferreira da Silva

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João Rosa de Jesus tenta conseguir tratamento de radioterapia para a filha de 14 anos

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Elisângela da Silva Oliveira está com o pai internado aguardando uma cirurgia

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Entrada do HBDF

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Sem exames de cultura
Um médico ouvido pela reportagem denunciou que, entre as inúmeras carências pelas quais passa o Hospital de Base, duas se destacam pela gravidade: a falta de antibióticos e de insumos para realização de exames de cultura — que identificam micro-organismos presentes no corpo dos pacientes e tipificam enfermidades.

No caso dos exames de cultura, os materiais estariam em falta há cerca de dois anos. Em relação aos antibióticos, a situação se arrasta há meses, segundo esse mesmo médico que pediu para não ter o nome divulgado.

Além de faltar cultura para exames e antibióticos, não temos mais cateter para administrar os medicamentos. Assim, muitos pacientes vão morrer. Das pessoas internadas na UTI, 75% usam algum desses antibióticos: meropenem, vancomycin ou teicoplanina. Outra importante substância, o imipenem, também está em falta.

Relato de médico do HBDF

O profissional alerta que a ausência, principalmente, de meropenem e imipenem é grave. “Ambos combatem um grupo chamado de bactérias gram negativas. São as principais responsáveis pelas infecções hospitalares, e os carbapenêmicos (entre eles o meropenem e o imipenem) são a última linha de tratamento para essas bactérias, juntamente com a Polimixina B”, ressalta.

Alerta da OMS
O problema relacionado ao combate a micro-organismos é gravíssimo na avaliação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Sem a possibilidade de identificar o tipo de bactéria, fungo, protozoário ou vírus causador da doença, o tratamento fica comprometido. E sem antibióticos adequados, o risco de contaminação cresce, uma vez que bactérias podem se tornar cada vez mais resistentes caso não sejam utilizados os remédios certos.

“A resistência aos antibióticos está crescendo, e estamos ficando sem opções de tratamento”, afirma Marie-Paule Kieny, subdiretora-geral da OMS para Sistemas de Saúde e Inovação. O alerta foi feito em 27 de fevereiro passado, quando a organização publicou lista de bactérias para as quais são necessários novos antibióticos urgentemente.

Diagnóstico complicado
Segundo outro médico residente ouvido pelo Metrópoles, as carências no HBDF são tantas que é difícil elencar o setor mais problemático. “Falta de tudo. Não tem como dizer o que é mais grave. Tem dia que é gaze, outro que é luva cirúrgica, material para esterilização, seringa…”

Nesta semana, por exemplo, os problemas foram variados. Na segunda-feira (24/7), um vírus de computador suspendeu a realização de exames de raio X no HBDF. Na terça (25), não havia cilindros de oxigênio para o transporte de pacientes que fazem hemodiálise. Nesta quarta (26), os relatos davam conta de mais aparelhos de exames quebrados.

Pai de uma paciente de 14 anos que tem câncer no cérebro, o motorista João Rosa de Jesus, 58 anos, relatou que não havia aparelhos para radioterapia. “A minha filha está internada desde 28 de maio. O tratamento é muito importante para diminuir o tumor e curá-la. Encaminharam ela para o HUB, mas ainda estamos esperando. Vamos tentar uma reclamação na ouvidoria do GDF para acelerar o processo. Ela é muito jovem e o estado de saúde é grave”, lamentou.

Outro lado
Por meio de nota, a Secretaria de Saúde informou que dispõe de dois equipamentos para radioterapia instalados no Hospital de Base — Cobalto e Acelerador Linear —, ambos em pleno funcionamento.

Ainda segundo a pasta, o Hospital Universitário de Brasília, que tem convênio com a SES, também dispõe de um aparelho de radioterapia e tem absorvido parte da demanda da rede pública do DF. “Na semana passada, o HUB recebeu mais um acelerador linear, o que ajudará a desafogar a fila de espera pelo tratamento”, diz a nota.

Com relação ao enxoval disponibilizado para pacientes e servidores, a direção da unidade informa que o estoque é baixo. “No entanto, há processo de compra para reabastecimento de todas as unidades de saúde”, disse a pasta.

Questionada sobre os exames de cultura, a Secretaria de Saúde confirmou que estão em falta na unidade, mas não disse há quanto tempo. “Um processo de compra regular para abastecer toda a rede está em andamento”, informou.

Ainda segundo a pasta, há vários antibióticos disponíveis e atualmente há um processo de compra em curso. “Os medicamentos meropenem e imipenem já foram comprados e a SES aguarda o recebimento para abastecer os estoques das farmácias da rede pública. O vancomycin está em fase de aquisição por meio de processo emergencial. O teicoplanina também está sendo comprado por meio de processo regular para abastecer toda a rede”, informou o órgão.

O estado de emergência
Durante o estado de emergência, que durou de 19 de janeiro de 2015 a 15 de julho deste ano, o GDF pôde comprar materiais e medicamentos sem licitação, contratar serviços sem concorrência, pagar horas extras e prorrogar contratos temporários de terceirizados. Segundo os servidores do HBDF, realmente houve admissão de novos profissionais, mas problemas na alocação dos funcionários teriam impedido a melhoria dos serviços.

Em vez de enviar os contratados para as áreas de risco, os gestores os usaram para reabrir áreas que estavam fechadas. Assim, não houve real melhoria e o sistema continuou crítico.

Médico do Hospital de Base do DF

A percepção de que o estado de emergência não teve efeito também é defendida por sindicalistas, que estão em pé de guerra com o GDF. “A situação não melhorou em relação aos últimos anos. Na verdade, piorou”, afirma o presidente do Sindicato dos Médicos do DF (Sindmédico-DF), Gutemberg Fialho. De acordo com o dirigente, o governo não soube gerir as unidades de saúde da capital no período de emergência.

Para Fialho, “a expectativa é de que os indicadores continuem piorando e que a população continue morrendo sem assistência, pois ainda faltam insumos, antibióticos e manutenção de equipamentos”.

Já a presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Brasília (Sindsaúde), Marli Rodrigues, teme uma possível piora do sistema público após o fim do estado de emergência. “Se já estava difícil antes, agora deve ficar ainda mais complicado. Eu não sei qual a intenção deles em retirar a medida, mas a Secretaria de Saúde não tem um planejamento, um projeto real para atender a população do DF”, reclama a sindicalista.

Instituto
O debate sobre a situação da maior unidade de saúde do DF neste período pós-estado de emergência ocorreu um mês após a Câmara Legislativa aprovar um projeto de lei que mudará a instituição. Em 20 de junho, os distritais votaram a proposta que transforma o Hospital de Base em instituto.

De um lado, o GDF argumenta que a medida trará mais autonomia ao HBDF e permitirá o aprimoramento da gestão hospitalar. Do outro, entidades sindicais veem uma manobra para forçar a terceirização da saúde pública local. O caso foi parar na Justiça, que ainda não se posicionou sobre o tema.

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