Conexão Brasília: propina de 13% na Saúde era “lavada” no exterior
Denúncia do MPDFT aponta que o empresário Miguel Iskin, chamado de Xerife, era o “dono do orçamento destinado à Saúde”
atualizado
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Apelidado de “Xerife” no Rio de Janeiro, Miguel Iskin, presidente da Oscar Iskin, empresa do ramo de equipamentos hospitalares, teve papel de comando na conexão do esquema de desvios de recursos da saúde pública do Distrito Federal. Ele é apontado pelo Ministério do DF e Territórios (MPDFT) como o “dono do orçamento destinado à Saúde”.
Segundo as investigações da Operação Conexão Brasília, Iskin teria negociado os contratos com empresas do grupo na capital da República. Em cada negócio fechado, ele embolsava 13%.
De acordo com a denúncia do MPDFT, a qual o Metrópoles teve acesso, essa “comissão” era transferida para empresas do exterior, a fim de fosse feita a “lavagem do dinheiro”. Via de regra, a principal beneficiada com as verbas públicas era a Avalena Trading Limited, que também pertencia a Miguel Iskin, e a seu sócio, Gustavo Estellita.
As fraudes nos processos de compras da Secretaria de Saúde (SES) eram sistemáticas e ocorreram na gestão do ex-secretário de Saúde Rafael Barbosa (2011-2014). Segundo o MPDFT, o prejuízo aos cofres públicos da capital é de R$ 19.572.732,70, em valores atualizados.
Estellita era o braço direito de Iskin no âmbito da organização criminosa, conforme aponta diligência do MPDFT. Cabia a ele gerenciar a cobrança e a arrecadação dos percentuais de contratos das empresas cartelizadas, bem como controlar a distribuição de propina aos funcionários públicos corrompidos.
Vantagem indevida
Ambos ofereciam vantagem ilícita para servidores da Saúde, de modo reiterado. Essa seria uma maneira de “compensá-los pela lavratura de atos de ofício praticados com infringência de seus deveres funcionais ou, mais especificamente, como forma de remunerá-los pelo deferimento do tratamento privilegiado que resultava em contratações milionárias”, segundo mostra apuração do Ministério Público do Distrito Federal.
Na denúncia, o MPDFT registra que até passagens aéreas e pacotes de viagens para o exterior foram oferecidos em favor de integrantes da Secretaria de Saúde.
O próprio chefe da pasta na gestão de Agnelo Queiroz (PT), Rafael Barbosa, se beneficiou de uma viagem para Nova York, onde se hospedou no Pierre Hotel, localizado na Quinta Avenida, na mais cara e famosa rua da maior cidade do mundo. O ex-gestor esteve nos Estados Unidos entre 5 e 11 de julho de 2013. O passeio teria sido oferecido por Miguel Iskin e Gustavo Estellita, membros do cartel de empresas envolvidas no escândalo.
Denúncia
O MPDFT, que na quarta-feira (20/12) denunciou 19 pessoas no âmbito da Operação Conexão Brasília, classifica Barbosa como parte do “Núcleo Estatal” do esquema, acompanhado do também ex-secretário de Saúde Elias Miziara, além de José Falcão, Renato Lyrio, Humberto de Carvalho Barbosa e Vicente de Paulo, todos ex-integrantes da SES. Os membros desse grupo seriam os responsáveis por ditar o rumo das contratações da pasta.
Renato e Vicente também teriam se beneficiado de passeios. Sob o pretexto de participar de uma feira médica em Dusseldorf, na Alemanha, os dois ganharam passagens e hospedagens para, supostamente, irem ao evento e visitarem uma fábrica.
Com base na denúncia do MPDFT, essas pessoas se valiam de seus cargos para direcionar licitações e privilegiar empresas do grupo de Oscar Iskin, também envolvidas em escândalos no Rio de Janeiro durante a gestão de Sérgio Cabral (MDB), condenado a 183 anos de prisão por vários crimes.
Fraude em licitação
O termo de referência elaborado pelo corpo técnico e autorizado por Elias Miziara, então secretário adjunto da SES, para a compra de órteses, próteses e materiais especiais, segundo mostram as investigações, foi feito como se houvesse uma demanda maior do que a realmente exigida para esses tratamentos.
Renato, Humberto e Vicente, ex-integrantes da SES, também teriam forjado situação de urgência com o objetivo de criar justificativa para que se realizasse a adesão à ata de registro de preços do governo fluminense.
À época, de acordo com a denúncia do MPDFT, sequer teria sido feito levantamento idôneo a respeito do número de cirurgias mensalmente realizadas com o emprego dos produtos pretendidos. O controle de estoque também teria sido negligenciado. Após a formalização do contrato, foi a empresa vencedora que indicou o quantitativo do material a ser distribuído.
Depois da assinatura do contrato com a SES-DF, foram emitidas ordens bancárias no total de R$ 8.794.843,53, que, em valores corrigidos, ultrapassam R$ 19 milhões. Esses recursos eram repassados a empresas secundárias e laranjas.
Barbosa e Miziara chegaram a ser presos no dia 29 de novembro. Naquela ocasião, o MPDFT cumpriu 44 mandados de busca e apreensão no DF, Rio de Janeiro e em São Paulo, além de 12 de prisão preventiva. Todos os acusados negam participação no esquema.