Brasilienses aumentam procura por planos de saúde e clínicas populares
Especialistas e representantes do setor calculam grande migração de clientes e apontam futuro com maior oferta das opções mais econômicas
atualizado
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Entre a gratuidade dos serviços da rede pública de Saúde e os valores elevados dos convênios particulares, cresce um universo de brasilienses que buscam acesso a algo intermediário aos dois mundos. A quantidade de adesões a planos populares cresceu quase 50% nos últimos 4 anos, e o número de clínicas com preço acessível ultrapassou a 50 unidades em 2019, no Distrito Federal, segundo entidades do setor. Empresários e especialistas atestam que, cada vez mais, os cidadãos recorrem a essas alternativas por razões financeiras.
O professor Wagner Almeida Macedo, de 36 anos, foi um dos que fugiu do convênio tradicional para aderir a um plano mais em conta. Reduziu a mensalidade de R$ 700 para R$ 250 e, mesmo com algumas condições novas, como a limitação de só poder ficar internado por até 48 horas, garante não ter se arrependido. “Eu sei que posso sofrer um acidente e o barato sair caro, mas se você parar para pensar, na maioria do tempo, você só faz exames e check-ups”, diz.
Macedo afirma que não considera o serviço público confiável o suficiente para ficar desassistido e depender apenas do Sistema Único de Saúde (SUS). “Eu estou bem satisfeito com meu plano, porque todos os exames que tenho precisado estão cobertos. Fui a um endocrinologista recentemente e, mesmo uma consulta que deveria ser bem cara, eu consegui agendar”, conta.
Segundo o professor, vários amigos dele têm tomado a mesma decisão, visto que não há indicativos de melhora na economia. “Eu sinto que com ele [plano de saúde mais barato] eu também me sinto mais impelido a levar uma vida saudável. Recentemente, descobri uma pedra no rim, algo que, antigamente, eu não teria achado porque não tinha esse costume fazer exames”, exemplifica.
Segundo a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), a modalidade com valor médio mais acessível cresceu 48,1% entre dezembro de 2014 e março de 2019, pulando de 65,4 mil beneficiados para quase 97 mil pessoas assistidas no DF. Nesse mesmo período, a quantidade de clientes dos planos tradicionais, de cobertura nacional, caiu 7% – o que significou uma redução de 50 mil usuários, ficando em 695 mil. De acordo com o levantamento da Secretaria de Saúde do DF feito a pedido do Metrópoles, existem 53 clínicas médicas populares cadastradas junto à pasta atualmente.
Ponto de vista
Professor e integrante da Área de Clínica Médica (CLM) da Universidade de Brasília (UnB), Raphael Boechat Barros afirma que os planos e as clínicas populares preenchem uma lacuna provocada pela crise econômica, falta de assistência pública e preços elevados de serviços particulares. Ele é crítico, contudo, a essas ofertas mais econômicas por acreditar que elas podem depreciar a qualidade do serviço oferecido.
“Não vejo como uma tendência boa, porque é um atendimento que, para dar resultado econômico, eles atendem correndo e pedem muitos exames. Para resolver, só se o estado oferecer uma saúde mais digna ou se a população obtiver melhor poder aquisitivo”, avalia. Segundo Raphael, o caso dos planos é ainda pior, pois se trata de “um terceiro que interfere na relação médico/paciente”. “Infelizmente, no Brasil, não existe cultura de se economizar para usar em emergências médicas. Seria bem melhor”, pontua.
Economista-chefe da Abramge, Marcos Novais contesta essa visão e defende que muitas operadoras passaram a ter êxito após operar nas modalidades mais econômicas. “É uma questão de readequar os produtos à realidade. Depois de 2010, observamos uma queda nas adesões aos planos e as empresas tiveram de se reinventar”, simplifica.
Acesso livre
O pizzaiolo e eletricista Luiz Francisco Lima, 58, afirma que consegue manter uma rotina de checagens sem que isso pese demais no orçamento justamente por conta das clínicas populares. Casado, com uma filha e dois netos, ele descobriu há quatro anos ter diabetes e hipertensão. “Eu estava fazendo um serviço em cima da escada e minha visão embaçou. Precisei de ajuda para descer. Se tivesse caído, talvez não estivesse aqui”, relembra.
Sem muito recurso, à época, para agendar exames nas redes particulares mais conhecidas, e receoso pelo tempo de espera para marcação no serviço público, ele juntou dinheiro para ir a uma unidade da qual havia ouvido falar no centro de Taguatinga. Desde então, a ordem é uma só: “Se precisar de alguma coisa, corro para uma clínica dessas. Às vezes, meu chefe me ajuda com alguma coisa”, relata.
Luiz possui um cartão do Sistema Único de Saúde (SUS), mas confessa que não se sente bem recepcionado quando precisa recorrer a ele. Por isso, tem cada vez mais migrado para as clínicas populares. Ao menos uma vez por ano, ele marca um check-up completo para garantir que suas doenças estão controladas e poder aproveitar o crescimento dos netinhos.
Paradigmas
Dono da rede A Minha Clínica, que possui unidades no Setor Comercial Sul, em São Sebastião e no Paranoá, Pedro Cyro Manoel Terruggi, 32, afirma que a missão dos estabelecimentos desse ramo é quebrar paradigmas e socializar a oferta do serviço de saúde. “Um senhor chegou às 7h para uma consulta marcada às 9h. Nós perguntamos o motivo, e ele disse que era assim no SUS, porque não era organizado. Muita gente não está acostumada a ser bem tratada”, defende.
Segundo Terruggi, desde a instalação das unidades pelo DF, no começo de 2016, o número de clientes mais do que dobrou e o público atendido surpreendeu até ao empresário. “Existe variação de perfil da clínica no Plano Piloto para as outras, mas, via de regra, pensávamos que só atenderíamos às classes C, D e E, mas ainda atendemos muita gente da classe A e B”, expõe.
Na visão do administrador da rede, a possibilidade de reduzir custos, com a crise econômica, se tornou atrativa mesmo para quem estava acostumado a desfrutar de maior poder aquisitivo. “Cada vez mais nós enxergamos como real alternativa às outras opções de saúde, porque a nossa diferença é que nosso cliente não paga mensalidade por mês, só quando precisa”, conclui.
Veja os cuidados a serem tomados ao escolher uma clínica popular:
Caminhar com cuidado
Como são estabelecimentos classificados de alto risco, todas as clínicas precisam ser licenciadas pela Vigilância Sanitária do DF e estarem sujeitas a vistorias periódicas. Isso não impede que eventuais fraudes aconteçam.
No ano passado, por exemplo, a 32ª Delegacia de Polícia (Samambaia Norte) deflagrou a operação Falso Resultado contra duas clínicas instaladas clandestinamente na cidade e em Recanto das Emas. De acordo com a investigação, os estabelecimentos forjavam resultados para enganar clientes e, pelo menos, dez vítimas teriam caído no golpe.
O vice-presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico-DF), Carlos Fernando da Silva, aconselha os consumidores a sempre verificar a situação jurídica das clínicas. “Isso vale tanto para o profissional que estiver em busca de emprego quanto para o paciente. Sempre se atente às condições de higiene e limpeza e qualificação, desde os atendentes até os médicos. Se for um pneumologista, o usuário tem que abordar se ele realmente é formado naquilo, e por aí vai”, aconselha.
“Hoje em dia, ninguém é bobo. Se a pessoa tiver um pouco de curiosidade e pesquisar na internet, por meio dos próprios veículos oficiais do Conselho Regional de Medicina, do nosso sindicato, da Agência Nacional da Saúde (ANS) e afins, ela vai saber se é idôneo ou não”, complementa.