1 de 1 Aterro Sanitário de Brasília (ASB) próximo ao rio Melchior
- Foto: Michael Melo/Metrópoles
A Hydros Soluções Ambientais Ltda foi multada em R$ 51.151,45 pela Secretaria do Meio Ambiente do Distrito Federal (Sema-DF) por despejar efluentes no Rio Melchior de forma irregular e em qualidade inadequada — sem o devido tratamento. A notificação foi publicada no Diário Oficial (DODF) desta quinta-feira (1/8).
Em 2020, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) assinou contrato regular com a Hydros, que ficou responsável pelo tratamento de chorume do Aterro Sanitário de Brasília (ASB) e da Usina de Tratamento Mecânico e Biológico (UTMB). A empresa já atuava com contrato emergencial desde agosto de 2019.
Conforme o regimento, a companhia deve entregar um relatório mensal para comprovar que o tratamento está dentro dos parâmetros de pureza exigidos pela Agência Reguladora de Águas (Adasa). Entretanto, um relatório do SLU constatou que, em 13 de janeiro de 2023, o efluente de chorume do ASB não foi tratado antes de despejado.
Mesmo após ter sido advertida para corrigir o problema, a empresa não tomou as medidas necessárias e por isso acabou multada. A Hydros Soluções Ambientais contestou a multa e o recurso foi analisado, mas a decisão final foi a de manter a multa superior a R$ 51 mil pela poluição do rio.
Procurada, a Hydros disse, em nota, que a suposta irregularidade teria sido observada por três servidores do SLU por um breve período de duração e análises laboratoriais realizadas indicaram que todos os parâmetros da água estavam dentro dos limites legais estabelecidos pela legislação.
Para a empresa, a multa aplicada é indevida e ilegal e será contestada judicialmente. A Hydros ainda afirmou nunca ter sido notificada por derramamento de chorume não tratado no corpo hídrico, pois esse fato nunca ocorreu. Leia no fim da reportagem a nota enviada pela empresa, na íntegra.
O Rio Melchior é classificado como Classe IV no nível de poluição, o pior na graduação de alarme. A classificação proíbe o contato humano, pesca ou irrigação no local. O Metrópolesjá entrou em contato com moradores próximos ao rio, que adoecem e culpam a poluição no Rio Melchior.
Em 2023, famílias do Setor Cerâmica, na VC 311, em Samambaia, relatavam febre, dor de cabeça, diarreia, e mal-estar — e sempre com a mesma suspeita, o rio sujo. Eles chegaram a afirmar que a estação de tratamento da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), o Aterro Sanitário de Brasília e despejos clandestinos de esgoto seriam os provocadores da poluição que assola as águas.
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Famílias que moram nos arredores do rio Melchior adoecem frequentemente
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Segundo moradores, as doenças seriam causadas pela poluição no rio
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Segundo eles, a poluição seria provocada por estações da Caesb, pelo Aterro Sanitário e por despejo clandestino de esgoto
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Dona Ana vive há décadas na região e se lembra de quando o rio era limpo
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"Meu filho já ficou 20 dias com dor de barriga. Quase morreu por causa da água", conta Alfredo
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No passado, a população nadava no Rio Melchior. Hoje, evitam colocar os pés nas águas
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Além da sujeira nas margens, o Rio Melchior também apresenta um cheiro forte e desagradável
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As águas do rio vão para Corumbá IV
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Pesquisas alertam para a poluição no rio
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Segundo a comunidade, a região está esquecida e não estaria recebendo atenção e ações do governo
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Ativistas ambientais lutam pela recuperação e preservação do rio. Mas são ameaçados
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Dona Leuza busca água da igreja para poder beber e preparar alimentos
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Dona Leuza usa água de uma cisterna apenas para limpeza, irrigação e aos animais
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Famílias temem que a água recolhida em poços esteja sendo contaminada também
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A região não tem água encanada, esgoto e infraestrutura
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Dona Leuza já passou dias sem ter água para beber
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Dona Leuza tem a saúde frágil e enfrenta diversas doenças
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Crianças ficam doentes frequentemente na comunidade. As famílias suspeitam da água do rio
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Crianças ficam doentes frequentemente na comunidade. As famílias suspeitam da água do rio
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O deputado distrital Max Maciel acompanha a situação e cobra providências do GDF
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Dona Ana Lúcia Rodrigues dos Santos, 66 anos, mora nos arredores do Melchior desde os 7. “O rio era limpo. Você via o fundinho da água e os peixinhos, a pirapitinga”, lembrou. “Agora você não pode por os pés, tem que correr lavar e passar álcool. Agora, a maioria das crianças sofre com diarreia. Aí povo fala: é verme. Não é não, meu filho. É a água”, contou.
Já os moradores do acampamento Rosa Luxemburgo, às margens da BR-060, também acreditam que a água usada por eles é a principal causa de enfermidades que os atingem. A ocupação é abastecida, predominantemente, pelo córrego Samambaia, afluente do rio Melchior.
A água vinda do córrego é usada para lavar louças, consumo de animais e banho. Para a alimentação, os moradores preferem comprar galões de água mineral. “Aqui em casa são mais de R$ 200 por mês em água. Para cozinhar, é tudo comprado”, explica Juscilene da Costa, de 48 anos.
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Os moradores do acampamento Rosa Luxemburgo se queixam há meses de sintomas como irritação na pele, nas partes íntimas, dores de barriga e diarreia
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Eles afirmam ser contaminação da água do córrego Samambaia
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O córrego é a única fonte de água da comunidade
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“Aqui em casa são mais de R$ 200 por mês em água. Para cozinhar, é tudo comprado”, explica Juscilene da Costa
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Ela perdeu todos os peixes que criava por causa da água poluída
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Entrada da casa de “Aqui em casa são mais de R$ 200 por mês em água. Para cozinhar, é tudo comprado”, explica Juscilene da Costa
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Em outubro de 2023, ela e o marido tiveram um prejuízo de mais de R$ 600 ao usar a água do córrego para encher o tanque de peixes que cria. Logo após abrir o registro da água do córrego, Juscilene sentiu o cheiro característico de quando algo é descartado na afluente. Ela correu para fechar a mangueira que enchia o tanque, mas era tarde demais. Mais de 50 kg de peixe morreram. “A água fica podre, fedida e da cor de chorume.”
“Às vezes, a água nem fica escura. Mas a gente sente o cheiro. Vem um cheiro bem forte”, conta a presidente da Associação dos Pequenos Agricultores (ASPEAGRL) e fundadora do acampamento Rosa Luxemburgo, Petra Magalhães, de 47 anos.
Problema antigo
Em 2021, o ativista ambiental Newton Vieira acionou o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e as comissões de Defesa de Direitos Humanos e do Meio Ambiente da Câmara Legislativa do DF (CLDF) para apurar a situação do Rio Melchior, na altura da ponte da Vicinal 311 (VC-311). Na época, a Defesa Civil já havia classificado o local como área de emergência sanitária.
No mesmo ano, o Metrópoles esteve no local e constatou o mau cheiro, além de água turva, assoreamento e presença de espuma espessa na água. Morador da Antiga Cerâmica desde 1999, o aposentado Antônio Valença da Silva, 81 , conversou com a reportagem e disse que a situação piorou após a inauguração do ASB, situado nas proximidades.
“Aumentou o volume e o vazamento de chorume. A água ficou escura. Tem dias que a água está preta, cheia de espuma grossa e com cheiro forte”, contou Antônio.
Leia a nota da Hydros Soluções Ambientais LTDA:
“Hydros Soluções Ambientais LTDA, uma empresa comprometida com a sustentabilidade e a proteção ambiental, vem a público esclarecer sobre a recente penalidade aplicada pelo Ibram, referente a uma suposta mancha encontrada no leito do rio Melchior.
Em janeiro de 2023, foi relatada uma suposta irregularidade envolvendo a presença de uma mancha e odor atípicos no leito do rio Melchior, que teria sido observada por três servidores do SLU por um breve período de duração. Contudo, análises laboratoriais realizadas indicaram que todos os parâmetros da água estavam dentro dos limites legais estabelecidos pela legislação, em especial, pela Resolução Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] 357.
Além disso, o aparecimento de corpos estranhos e a qualidade da água do rio Melchior estão sendo investigados pela Policia Civil do Distrito Federal PCDF, através do Inquérito Policial de nº 16/2023-Dema. A referida investigação teve origem com a denúncia formulada pela comunidade científica da UnB [Universidade de Brasília], em data bem anterior ao suposto incidente que deu origem à multa.
No bojo da investigação, constam inúmeros laudos periciais atestando existir manchas e odores atípicos no rio em datas anteriores e posteriores ao caso em questão, os quais provavelmente são oriundos de rompimento de dutos da Caesb, rompimento de barragem constantes ao longo da margem do rio e até mesmo por descarte irregular praticados pelos ribeirinhos.
O inquérito conta também com depoimentos dos próprios servidores do SLU afirmando que há muito tempo são observados manchas e odores atípicos no leito do Rio Melchior.
Com base nas evidências apresentadas, entendemos que a multa aplicada é indevida e ilegal. Já iniciamos os procedimentos internos para contestá-la judicialmente.
Ressaltamos, por fim, que a multa foi aplicada apenas por conta de suposto odor e uma mancha atípica no rio, sendo que a empresa nunca foi notificada por derramamento de chorume não tratado no corpo hídrico, pois esse fato nunca ocorreu.
Com base nesse articulado, reiteramos nosso compromisso com a responsabilidade ambiental e a transparência, reafirmando nossa missão de operar de maneira ética e em conformidade com todas as regulamentações ambientais.
Agradecemos a compreensão de todos e permanecemos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.”