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Novos evangélicos do DF apostam na fé inclusiva contra a discriminação

Com interpretações diferentes da Bíblia, eles acolhem pessoas que não se encaixam em correntes tradicionais e ganham cada vez mais adeptos

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Reprodução/Facebook
bola de neve
1 de 1 bola de neve - Foto: Reprodução/Facebook

Tratados como conservadores, tradicionais e até mesmo de extrema direita, os evangélicos celebram na quinta-feira (30/11) o seu dia. No Distrito Federal, somam mais de 840 mil seguidores, de acordo com dados da Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central (Codeplan), distribuídos em cinco mil templos das mais variadas correntes e orientados por seis mil pastores. Mas, a exemplo do que ocorre em outras religiões, ganham, a cada dia, mais adeptos da “teologia inclusiva”, com um discurso aberto à diversidade, nem sempre aceito pela maioria.

Segundo os teólogos, as igrejas inclusivas evangélicas têm interpretação própria da palavra de Deus. Muitas admitem a participação de homossexuais. Outras, aceitam tatuagens, piercings e pregam a possibilidade de seguir a religião sem a necessidade de uma mudança radical, como deixar o cabelo crescer, usar roupas cumpridas e abrir mão da maquiagem ou das redes sociais.

Apesar de conviverem com o preconceito, essas comunidades acolhem, principalmente, quem não teve a chance de se integrar em outros templos, seja pela orientação sexual ou pelo estilo de vida.

É o caso da Comunidade Athos. Ela foi criada por um grupo de cinco evangélicos, rejeitados por suas orientações sexuais. Isso ocorreu há 12 anos e, desde então, recebe cerca de 80 pessoas por semana — quase todas gays, lésbicas e bissexuais — em um espaço no Edifício Eldorado, no Conic.

Com os ritos iguais aos que os evangélicos estão acostumados, a comunidade se diferencia por acreditar que ser homossexual não é pecado. “Somos adeptos de uma interpretação histórico-crítica, que leva em conta a época que a Bíblia foi escrita e sem as traduções deturpadas”, explica a pastora Márcia Dias, 37 anos, que se assume lésbica.

Hugo Barreto/Especial para o Metrópoles
A secretária-executiva Tálita Rubbo foi criada em igrejas evangélicas, mas se assumiu homossexual depois de se separar

Boa parte dos frequentadores cresceu e foi criada em famílias evangélicas. As histórias se repetem e, para os fiéis, o preconceito se agravou na hora em que assumiram a opção sexual. A secretária-executiva Tálita Rubbo, 34, está há quase 10 anos na Comunidade Athos e, mesmo depois de enfrentar o preconceito, sentiu a necessidade de continuar manifestando a fé cristã.

“Casei com um homem aos 21 anos e me separei aos 23 ao perceber que não era o que eu queria. Meu pai é pastor e demorou a aceitar. Mas, hoje em dia, ele sabe que eu não estou pecando, pois continuo sendo uma serva de Deus. Aqui, nós ensinamos que é necessário ser fiel ao parceiro. Sexo é permitido fora do casamento, mas não pode haver promiscuidade e é preciso conhecer a pessoa”, destaca.

O dançarino Francisco Benício de Carvalho, 23, também tem família evangélica e é gay assumido. A religião passou a ser presente em uma situação extrema. Diagnosticado com hepatite B, ele recebeu a notícia de que dificilmente teria mais de um mês de vida. Desesperado, procurou a igreja: “Nesse dia, o pastor tocou o meu ombro e falou que eu seria curado. Anos depois descobri que não estava mais doente. Vim aqui atrás da cura, mas passei a seguir Jesus Cristo e fui deixando as coisas do mundo.”

Teologia inclusiva
A origem desses espaços inclusivos surgiu no Brasil na década de 1990, em pequenas reuniões feitas normalmente sob sigilo. Nos Estados Unidos, entretanto, elas já existem há pelo menos quatro décadas, praticando um discurso voltado à diversidade. Uma das pioneiras, foi a Igreja da Comunidade Metropolitana (ou Metropolitan Church), a primeira a ter sede própria no Brasil, em 2002.

Seguindo princípios semelhantes, a Cidade de Refúgio, com sede em Taguatinga, conquista integrantes desde 2014. Já são mais de 50 membros cadastrados, fora os frequentadores esporádicos. A liturgia dos cultos segue o ritual das igrejas evangélicas tradicionais: oração, louvor, palavra pastoral, testemunhos e escola bíblica dominical.

 

Reprodução/Facebook
Na página da Bola de Neve, no Facebook, é possível identificar a corrente como mais liberal. As tatuagens, por exemplo, são permitidas

 

Fé informal
A igreja Bola de Neve aposta na inclusão, mas de uma forma diferente das comunidades voltadas a homossexuais. Sediada na Cidade do Automóvel, tem pregações informais e bem-humoradas, sem deixar de lado a leitura das passagens bíblicas. Em vez dos tradicionais ternos usados em outros templos, os frequentadores assistem à pregação de camiseta.

Alguns têm até tatuagens. Isso tem a ver com o estilo de vida incentivado pela igreja: ser jovem, mas crer em Jesus Cristo como salvador. Entretanto, quando o assunto é a vida amorosa dos fiéis, a igreja se posiciona contra relações entre pessoas do mesmo gênero e sexo antes do casamento. Procurado, o pastor que lidera a instituição não se pronunciou, pois estava viajando.

A Bola de Neve Church foi fundada em 1999 em São Paulo e tem 200 mil adeptos em todo o Brasil. No primeiro culto, o salão estava montado, mas não havia onde apoiar a Bíblia. Como o grupo tinha ajuda de um dono de uma loja de produtos para surfe, surgiu a ideia de usar uma prancha. Desde então, essa virou marca registrada de aproximadamente 200 templos, inclusive fora do país. A construção da imagem da igreja serviu para atrair jovens, praticantes do surfe, jiu-jitsu e outros esportes.

Mundo contemporâneo
Para o antropólogo e pesquisador formado na Universidade São Paulo (USP) Marcelo Lima, o crescimento das igrejas inclusivas ganhou força com o surgimento de políticas de combate à homofobia, ao passo que o preconceito também tem diminuído.

As pessoas querem se sentir representadas. É a intenção de repensar uma tradição religiosa e o lugar da população LGBT no mundo contemporâneo.

Marcelo Lima, antropólogo

Segundo Marcelo, a teologia inclusiva tem a intenção de reposicionar as ordens hegemônicas. “Com um discurso que prega a tolerância, essas igrejas permitem a manifestação da fé na tradição cristã independentemente da orientação sexual. É muito bacana. Acredito que são espaços e grupos que operam pelo empoderamento da população LGBT como um todo”, afirma.

“Mudança de vida”
A tese, entretanto, encontra barreiras no seio mais tradicional da religião. O presidente do Conselho de Pastores Evangélicos do Distrito Federal, Josimar Francisco, considera normal o surgimento de igrejas fora dos padrões. Entretanto, acredita que a única inclusão de homossexuais em igrejas seria relacionada à “mudança de vida”. Qualquer coisa que esteja fora disso significaria estar fora da palavra de Deus.

Gil Ferreira/Agência CNJ
Pastor Josimar Francisco

 

“Uma coisa é falar de igrejas que recebem gays, pessoas que queiram largar vícios, ex-presidiários e os coloquem de volta no prumo. Outra, é uma igreja que não tem compromisso com a Bíblia. Então, é claro que não seria vista com bons olhos pela comunidade evangélica. Inclusive, acredito que uma igreja que só aceite gays está discriminando quem não é”, prega.

Ele, que é pastor da Assembleia de Deus do Lago Norte, acredita que igrejas como a Bola de Neve se encaixam melhor no perfil mais moderno das correntes evangélicas. “Eles têm representantes no Conselho de Pastores. É a igreja mais liberal que eu conheço. O pessoal vai de bermudão, mas eles pregam a palavra, a salvação, o que a Bíblia diz, mesmo que tenham suas diferenças. Ser liberal não significa infringir a palavra de Deus”, argumenta.

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