Igreja anglicana do DF celebra primeiro casamento homoafetivo
Cerimônia realizada neste sábado (27/04/2019) é a primeira em Brasília desde que a religião aprovou a união entre pessoas do mesmo sexo
atualizado
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Dois homens percorreram o caminho entre a porta da igreja do altar e disseram “sim” um ao outro para o compromisso do matrimônio. É a primeira vez que duas pessoas do mesmo sexo se casam num templo da igreja anglicana do Distrito Federal, desde que a religião aprovou a união homoafetiva, em setembro de 2018. A cerimônia de Caio e Philipe Silva Costa ocorreu na noite desse sábado (27/04/2019), na Catedral da Ressurreição, localizada na 309/310 Sul – seguida de festa no Hotel Nacional.
A cerimônia lembra muito um casamento católico. Há momentos de leituras bíblicas, sermões, votos matrimoniais e a reafirmação do compromisso de amor, fidelidade e respeito.
Egressos da igreja católica, os dois se sentiram acolhidos na anglicana, onde participam de discussões e cerimônias. Há, entre os membros do grupo, outros LGBTs – incluindo uma pessoa transsexual – e nenhum deles sofreu qualquer tipo de discriminação durante reuniões ou celebrações, conforme relata o casal.
No começo do namoro, os dois frequentaram um grupo católico de estudo e oração, mas decidiram sair após reclamações de outros participantes ao padre da paróquia. A partir de então, sentindo a necessidade de prosseguir com as próprias profissões de fé, decidiram migrar para onde seriam aceitos.
Veja fotos da cerimônia:
Juntos há mais de três anos, o casal precisou lutar para vencer a resistência dos dois lados da família. Apegados a costumes tradicionais, tanto os pais de Caio quanto os de Philipe se recusavam a conhecer o namorado que os filhos haviam escolhido. Eles então precisaram improvisar.
Após se conhecerem em um aplicativo, o primeiro encontro dos dois quase não aconteceu. No caminho, o pneu do carro de Philipe furou. Até então, ele nunca havia trocado um pneu na vida. Atrasado, ele tentou pedir ajuda a outros motoristas, mas sem sucesso. Então, veio a ideia de procurar um tutorial na internet.
“Eu tinha um celular péssimo, e a internet estava horrível. Quando consegui trocar e chegar ao CasaPark [onde se viram pela primeira vez], já estava atrasado há duas horas. Entrei sujo da troca do pneu mesmo, para provar que era verdade. Pensei que ele nem estaria lá mais, quando eu o vi sentado, jogando no celular. Ele abriu um sorriso e aquilo me desmontou”, lembra.
Desde então, passaram a se ver todos os dias. Como, na época, os dois ainda moravam com os pais e não eram bem-vindos um na casa do outro, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) passou a ser o local oficial de encontro dos dois e lugar que escolheram para a prévia das fotos do casamento. “Eu baixava episódios de séries na Netflix no celular e a gente assistia no gramado do CCBB. A gente gostava tanto de ficar juntos lá que perdíamos a noção da hora. Foi quando descobrimos que, se a gente ficar trancado dentro do estacionamento é só jogar luz alta no portão que o vigilante aparece para abrir”, brinca Caio.
Veja as fotos da prévia:
Pedido de casamento
Os dois planejaram o pedido de casamento para o mesmo dia, sem que um soubessem da intenção do outro. Caio é designer e apaixonado pela flor da árvore que melhor representa Brasília: o ipê-amarelo. No intuito de deixar marcado esse símbolo do amor dos dois, o noivo desenhou a flor e mandou gravar na aliança. Na parte interna está escrita a palavra Ohana, uma referência à animação preferida dos dois: Lilo e Stitch. Ambientado no Havaí, o desenho conta a história de uma menina criada pela irmã mais velha que adota um experimento extraterrestre pensando ter encontrado um cachorro. No dialeto havaiano, a palavra escolhida pelo casal significa família.
No dia da proposta, os dois voltaram ao cinema onde se conheceram. Philipe levava um cartão desenhado com cenários e personagens do jogo Super Mario World para homenagear o namorado, um nerd e geek assumido. Caio aguardava o fim do filme. No porta-malas do carro, havia um buquê de flores de ipê amarelas feita por ele mesmo em origami. “Nós dois combinamos com a mesma amiga, cada um para que ela distraísse o outro. Ela sabia de tudo e não falou nada”, brinca Caio.
Os dois se consideram com personalidades muito distintas e chegaram a ter dúvidas se daria certo. Philipe é formado em administração e trabalha no Ministério da Saúde. Caio é designer e gosta de videogames. Philipe é extrovertido, festeiro, comunicativo e admite adorar receber atenção. Caio é tímido, caseiro e fã de cultura pop e japonesa. Conseguiram achar o meio-termo e cada um cede um pouco nas atividades que o outro gosta.
A lua de mel está marcada para Toronto, no Canadá. “Já listamos alguns lugares que queremos visitar, mas a programação ainda está meio em aberto”, diz Philipe.
“O sacramento é o amor”
A reverenda Tati Ribeiro, reitora da Catedral da Ressurreição, diz que a comunidade anglicana de Brasília é muito diversa. “Temos crianças, jovens, adultos, idosos, pessoas LGBT, héteros. Nós acreditamos que o amor de Deus é para todos e procuramos tratar com igualdade e respeito. Ninguém é melhor do que o outro, nem mais importante”, resume a reverenda.