Relatório da CPI do DF terá quatro eixos de indiciados; veja quais
Após nove meses de trabalho, CPI do DF promete relatório mais completo do que trabalhos da CPMI, com quatro eixos de cerca de 100 indiciados
atualizado
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Os ataques contra a democracia de 8 de Janeiro têm como culpados quatro grupos principais. Aqueles que instigaram as pessoas a participar dos atos, aqueles que financiaram golpistas, os que foram omissos e os que efetivamente estiveram na Praça dos Três Poderes na data praticando ações violentas para anular o resultado das eleições. É esse o entendimento dos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), que vai apresentar o relatório final na próxima quarta-feira (29/11).
A CPI dos Atos Antidemocráticos se tornou histórica na Casa e no DF. Em andamento há nove meses, a Comissão ouviu 31 pessoas entre fevereiro e novembro. Foram colhidos depoimentos de autoridades, como ex-ministros, generais, membros da alta cúpula da Polícia Militar do DF (PMDF) e da Secretaria de Segurança Pública (SSP), e de figuras-chave da tentativa de golpe, como lideranças e financiadores.
Os quatro grupos principais que vão constar no relatório final, do deputado Hermeto (MDB), devem somar nomes de cerca de 100 indiciados, em um documento de cerca de 300 páginas que vai ter o nome de cada um, o crime pelo qual ele deve responder, no entendimento da CPI, e a prova da ação criminosa.
Os outros membros da Comissão também podem apresentar emendas aditivas ou supressivas, que, respectivamente, têm o poder de adicionar ou retirar nomes de indiciados, caso sejam aprovadas pela maioria. Após a votação do relatório e a conclusão total dos trabalhos, a CPI enviará o documento para os órgãos competentes, como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGU), que podem abrir novas investigações, anexar mais elementos às apurações em andamento ou oferecer novas denúncias, por exemplo.
Financiadores e incitadores
A CPI do DF ouviu suspeitos de financiar as atividades a favor do golpe no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, em outros locais públicos de Brasília e no derradeiro 8 de Janeiro. Os dois primeiros acusados de arcar com custos de manifestações golpistas foram os empresários Joveci Xavier de Andrade, ouvido em abril, e Adauto Lúcio de Mesquita, em maio.
Sócios da rede de supermercados Melhor Atacadista, ambos foram confrontados com provas obtidas pela CPI. Um relatório da Polícia Civil apontou que os dois forneciam alimentos e água para bolsonaristas e bancavam parte do pagamento pelos banheiros químicos instalados na Praça dos Cristais, no Setor Militar Urbano (SMU). Adauto ainda admitiu, no depoimento na Câmara Legislativa, que fez doações de R$ 1.210 ao acampamento.
O destaque da oitiva do Joveci veio logo no início da sessão em que ele foi ouvido, quando o empresário mentiu afirmando que não participou “de nenhum ato” contra o resultado das urnas, mas voltou atrás quando o presidente da CPI, Chico Vigilante (PT), mostrou uma foto dele em um protesto golpista. Veja:
Outro empresário apontado como financiador surgiu após documentos obtidos pelos distritais. Quebras de sigilo bancário do indígena José Acácio Serere Xavante, conhecido como cacique Serere, mostraram o recebimento de R$ 17 mil, em 5 de dezembro de 2022, enviado da conta de um fazendeiro de Mato Grosso.
Os valores foram transferidos pelo produtor rural Maurides Parreira Pimenta, conhecido como Didi Pimenta, de Campinápolis (MT), ao cacique Serere. Exatamente uma semana depois da transferência, o indígena, que vinha fazendo várias mobilizações em Brasília contra o resultado das urnas, instigando um golpe de Estado, acabou preso e gerou rebelião de bolsonaristas.
O trio de empresários deve constar no relatório final da CPI entre os indiciados. Já entre quem foi ouvido por suspeita de instigar a população a participar do golpe, deve haver mais briga entre distritais. A esquerda que faz parte da Comissão já convocou, por exemplo, o ex-ministro de Bolsonaro general Augusto Heleno Ribeiro.
Para deputados como Fábio Felix (PSol), Heleno é um dos nomes que endossou a população a desacreditar no resultado das urnas. Antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o general chegou a aparecer em um vídeo que viralizou entre bolsonaristas. Nele, Heleno diz “não” a apoiadores de Bolsonaro que questionaram se “bandido subia a rampa”. Na CPI, ele negou que estaria se referindo a Lula e gerou indignação.
Além do general, a Câmara Legislativa também ouviu duas pessoas que são acusadas de incitar a população pelo golpe, que estão presas: Ana Priscila Azevedo e Cláudio Mendes dos Santos. Os dois são apontados como lideranças de atos golpistas. Ana mantinha canais no Telegram com mais de 50 mil pessoas em que dava instruções e motivava a população a desacreditar nas urnas.
Antes das invasões no centro de Brasília, ela chegou a enviar um áudio no canal mandando os patriotas “sitiar os Três Poderes” e irem “tomar um banho de piscina no Palácio da Alvorada”. No ato de 8 de Janeiro, ela comemorou a tomada do Congresso. Já Cláudio Mendes, major da reserva da PMDF, liderou o acampamento bolsonarista em frente ao QG e é suspeito de integrar a chamada “máfia do Pix” no local, lucrando em cima dos acampados.
Participantes e omissos
Ana Priscila e Cláudio Mendes são nomes mais consensuais entre os possíveis indiciados aprovados pelos deputados distritais. Esse caso se repete para pessoas que participaram efetivamente dos atos do dia 8, do dia 12 de dezembro de 2022 ou da tentativa de ataque a bomba ao Aeroporto de Brasília.
Nesse bojo, estão o autônomo Armando Valentin Settin, que esteve nas invasões de 8 de Janeiro, o cacique José Acácio Serere Xavante, pivô do dia 12/12, e o trio já condenado por envolvimento no episódio da bomba, Wellington Macedo de Souza, George Washington de Oliveira Sousa e Alan Diego dos Santos Rodrigues.
Na CPI, Armando, hoje monitorado por tornozeleira eletrônica, chegou a dizer que se motivou a participar dos atos contra Lula depois de ler na internet que pessoas com casas com três quartos ou quatro quartos teriam que abrigar sem tetos, o que nunca aconteceu. Também chamou a atenção o depoimento de Alan Diego, que disse ter sido ameaçado por pessoas da “extrema-direita”.
Mas se por um lado há quase unanimidade entre os deputados quanto a observar indícios de crimes destas pessoas, por outro, há muita discussão quando se fala em omissão. É nesse eixo que o relatório pode gerar mais polêmica, principalmente porque policiais militares do DF que ocupavam cargos altos são acusados por alguns membros da CPI de serem omissos.
Como há entendimentos diversos mesmo após oitivas, o relator Hermeto deve se apoiar em vários documentos obtidos e analisados pela Comissão. A investigação do grupo de trabalho que atua nos bastidores da CPI, como os policiais civis designados para essa atuação, deve ser fundamental também nesse ponto.
Há promessa de debate intenso ainda com relação a nomes que integraram o governo federal já sob o comando de Lula, como o general G. Dias.
A leitura do relatório
No dia 29, a sessão plenária da CLDF será cancelada para que toda a atenção esteja concentrada no relatório. Apresentado pela manhã, às 9h, o documento será votado pela tarde do mesmo dia, após o almoço. São previstas três horas para leitura do texto e mais 15 minutos de discussão entre os deputados titulares e 10 minutos para os suplentes. O relatório precisa da aprovação da maioria dos sete distritais principais da CPI.
Apesar da expectativa de apresentações de relatórios paralelos, que chegaram a ficar “na manga” de alguns gabinetes, o cenário que se desenha mostra a possibilidade maior de que sejam registradas emendas ao texto.