Reitora da UnB divulga carta convocando voto “em defesa da democracia”
Márcia Abrahão relembrou o período sombrio da universidade nos 21 anos de ditadura militar: “Um passado doloroso que não podemos esquecer”
atualizado
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A reitora da Universidade de Brasília (UnB), Márcia Abrahão, divulgou uma carta aberta incentivando uma reflexão sobre o voto. No texto, ela convoca professores, estudantes, técnicos e terceirizados a se valerem do direito conquistado para fazer emergir nas urnas, neste domingo (7/10), “uma democracia mais forte, voltada para a emancipação social e alinhada com a defesa dos direitos humanos”.
O texto foi divulgado um dia após vir a público o caso dos livros encontrados com todas as páginas rasgadas na biblioteca da UnB. Em comum, todas as publicações tratam da temática dos direitos humanos.
Na carta, Márcia relembra os 21 anos de ditadura militar, período no qual a UnB foi palco de invasões policiais, prisão de estudantes, demissões arbitrárias de professores. Em 1965, no governo de Castelo Branco, a instituição perdeu 238 dos 305 docentes que a UnB tinha na época.
Segundo a reitora, não se pode aceitar a negação do passado autoritário nem relativizar tais declarações e atos que, segundo ela, ameaçam direitos tão duramente conquistados pela sociedade.
A carta relembra, ainda, os ideias dos fundadores da UnB, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, responsáveis não apenas pela criação de um projeto pedagógico inovador, mas de princípios de promoção da paz e valores constitucionais.
Livros rasgados
Um repositor da instituição, ao devolver obras usadas por alunos às estantes, encontrou cinco exemplares com todas as páginas rasgadas no meio. A UnB levará o caso à Polícia Federal.
Segundo um bibliotecário do prédio, que pediu para não ser identificado por medo de retaliações, casos isolados de livros rasgados vêm acontecendo desde o início de 2018. Como esse tipo de coisa ocorre de vez em quando, os funcionários demoraram a perceber uma constante: eram apenas obras com a temática de direitos humanos.
O ministro dos Direitos Humanos, Gustavo Rocha, se pronunciou após o episódio. Ele lamentou a danificação dos exemplares. “A construção de uma sociedade plural, pacífica e tolerante pressupõe a coexistência de ideias e leituras distintas sobre fatos incontestáveis da história recente de nosso país”, afirmou o ministro na nota.
Leia a carta da reitora a UnB na íntegra:
Hoje, quando celebramos o 30º aniversário da promulgação da Constituição Cidadã, estamos a exatos dois dias de uma eleição crucial para os destinos da jovem democracia brasileira. Estamos diante de um novo momento histórico, sendo convocados a reafirmar a liberdade, a dignidade humana, a democracia e a justiça social, como fundamentos do Estado e da sociedade brasileira.
A Constituição Federal de 1988 encerrou 21 anos de ditadura, um passado doloroso que não podemos esquecer, sob pena de retrocedermos na história. A Universidade de Brasília sofreu a violência e o horror da ditadura, tendo sido palco de invasões policiais, prisões de estudantes, demissões arbitrárias de professores e intervenções constantes, em uma escalada repressiva contra seu projeto de vanguarda para a educação superior e às mobilizações estudantis pela democracia. Perdemos 238 docentes brilhantes, dos 305 que a UnB tinha em 1965, e, entre outros, Honestino Guimarães, estudante de Geologia da UnB, líder do movimento estudantil e desaparecido político desde outubro de 1973.
Embora difícil e doloroso, é de extrema importância que nós nos recordemos do horror vivido. Nosso Estado demorou muito para olhar para essa ferida e para buscar meios de repará-la – que, sob alguns aspectos, não foi e jamais será passível de remissão.
Quando hoje nos deparamos com manifestações públicas que atentam contra a democracia brasileira ou com atos que contrariam os valores estabelecidos em um Estado democrático de direito, não podemos ignorar. Não podemos aceitar a negação de nosso passado autoritário. Tampouco podemos relativizar tais declarações e atos, que, em sua essência, ameaçam direitos tão duramente conquistados pela sociedade brasileira.
A Universidade de Brasília, que nasceu alicerçada sobre os ideais libertários e humanistas de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, e que tem como um dos seus princípios estatutários o compromisso com a paz e com a defesa dos direitos humanos, deve continuar firme na defesa dos princípios e valores constitucionais e atuando para honrar seus fundadores. Anísio e Darcy conceberam uma universidade única, na qual um projeto pedagógico inovador se aliou à missão de formar cidadãos conscientes e comprometidos com a transformação da sociedade brasileira.
Por isso, conclamamos docentes, estudantes, técnicos e terceirizados a fazer valer o direito de voto por nós conquistado e não poupar esforços para fazer emergir das urnas neste domingo uma democracia mais forte, voltada para a emancipação social e alinhada com a defesa dos direitos humanos.