Registros de injúria racial crescem quase 40% em um ano no DF
De outubro a janeiro deste ano, a Secretaria de Segurança Pública registrou 463 ocorrências do crime. Em 2020, a pasta contabilizou 336
atualizado
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Dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) apontam aumento de 38% nos registros de injúria racial no Distrito Federal. O período inclui dados de janeiro a outubro deste ano em comparação ao mesmo período de 2020. No ano passado, a pasta contabilizou 336 ocorrências, que em 2021 aumentaram para 463.
Em relação aos casos de racismo, a SSP-DF anotou nove situações, no mesmo intervalo de meses. Em 2020, foram 10 notificações. Leia abaixo a diferença entre injúria racial e racismo.
DF: mulheres negras representam 38% da população desempregada em 2021
Para o subsecretário de Políticas de Direitos Humanos e de Igualdade Racial da Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do DF (Sejus), Juvenal Araújo, mesmo formando a maior parte da população na capital do país, a população negra ainda sofre diariamente. “Hoje nós somos 57% da população aqui no DF. A maioria ainda vive nas periferias e enfrenta dificuldades ligadas à saúde e ao saneamento básico. Mas a principal demanda é a questão da empregabilidade. Essa é a principal dificuldade”, aponta.
“Eu costumo dizer que o negro sente na pele o racismo desde criança. Ele aprende na escola que cabelo crespo é ruim, que o negro não é bonito”, comenta o subsecretário.
Para Juvenal, o Dia da Consciência Negra é uma data de reflexão. “É um dia importante para discutirmos e alcançarmos a verdadeira igualdade racial. Os negros ainda não ascenderam aos cargos de poder”, diz. Juvenal revela sentir falta de negros nos Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. “Em um país que fala que não é racista, mas por que não há negros nos cargos de poder?”, questiona.
“O Dia da Consciência é para mostrar que a igualdade de oportunidades não é igual. Não é uma luta de negros com não negros. Mas sim juntos nós poderemos romper a desigualdade através de políticas públicas de promoção da igualdade, de forma efetiva e permanente”, expõe Juvenal.
Projeto altera legislação sobre injúria racial
O Senado Federal aprovou, na tarde de quinta-feira (18/11), o Projeto de Lei (PL) nº 4.373, de 2020. O texto altera a legislação para incluir a tipificação de injúria racial como crime de racismo. A proposta, agora, vai à Câmara dos Deputados.
Atualmente, a legislação tipifica a conduta criminosa apenas se a injúria “consistir na utilização de elementos referentes à religião ou à condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. Há, ainda, alteração nas penas de três anos de reclusão e multa para dois a cinco anos e multa.
O senador Paulo Paim (PT-RS), autor da PL, defende que a necessidade de alterar a legislação decorre da dificuldade em diferenciar o crime de injúria racial, tipificado como “praticar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, do de racismo.
“A diferenciação vem em benefício do infrator, nulificando a natureza do delito de extrema gravidade, e que deve ser objeto de reprovação máxima”, enfatiza o petista.
STF decide que injúria racial é crime de racismo e imprescritível
Injúria racial X racismo
Segundo o Código Penal, injúria racial consiste em ofender a honra de alguém com a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem.
O crime de racismo é aplicado em casos de conduta discriminatória dirigida a determinado grupo. É considerado mais grave pela legislação brasileira e caracteriza-se como imprescritível e inafiançável.
Vítimas por trás dos números
“Negrada do inferno”
Em julho, o pintor aposentado José Barbosa dos Santos, um homem negro, estava acompanhado dos filhos em frente ao Taguatinga Shopping, quando uma mulher passou pelos três e gritou: “Essa negrada do inferno, vai tudo pro inferno” e o empurrou.
Na época, José revelou ao Metrópoles ter sido a primeira vez que foi alvo de discriminação pela cor da pele. “Ninguém nunca me tratou dessa maneira. Essa mulher deixou a gente muito chateado. Temos de resolver isso, tem que acabar. Ela é racista de carteirinha”, lamentou
Segundo a vítima, durante a abordagem policial, a mulher se recusou a pedir desculpas e reconhecer que estava errada. “Para eles, eu não peço desculpas”, teria dito a acusada.
A mulher acabou presa e conduzida à 21ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Sul), onde foi indiciada por injúria racial, mas pagou a fiança e conseguiu a liberdade.
“Negros de cidade satélite”
A estudante de medicina Rithiele Souza Silva, 27 anos, denuncia ter sido vítima de injúria racial e racismo enquanto usava o caixa eletrônico de shopping em Brasília. O caso ocorreu em 14 de outubro. “Eu sei que esses negros de [cidade] satélite não sabem mexer nisso [no caixa eletrônico]”, teria dito a acusada para a jovem.
Como resposta à insinuação, ela disse ter respondido afirmando que era aluna da Universidade de Brasília (UnB). “A senhora olhou para mim de cima para baixo e falou: ‘Até parece. Desse jeito?’ “, narrou.
O caso foi registrado na 5ª Delegacia de Polícia (Asa Norte). “Ela sabia o que estava fazendo. Essa agressão foi maior do que eu percebi no momento”, desabafou.
“Racismo velado”
“Foi muito constrangedor para a minha pessoa, são coisas que marcam a gente.” Assim, o policial civil do Distrito Federal José Mendes, 55 anos, resumiu para o Metrópoles o caso de racismo sofrido em uma agência bancária do Guará. A situação aconteceu em 11 de novembro.
Segundo o agente, os funcionários do banco identificaram que ele estava armado e o impediram de entrar no local por causa de um suposto protocolo da central em São Paulo, mesmo depois de José mostrar o documento de policial civil.
Para ele, no entanto, trata-se de racismo. “O que aconteceu é velado, vergonhoso e vexatório”, destacou.
José registrou ocorrência na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa, ou por Orientação Sexual, ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin).