Reforma em bloco da Asa Sul retira azulejos da década de 1970
Caso chegou à Justiça, mas peças originais, de Eduardo Negri, foram destruídas antes da chegada de recomendação do GDF para preservá-los
atualizado
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Uma reforma no Bloco B da 314 Sul causou polêmica entre os moradores e chegou à Justiça após o projeto da obra prever a retirada dos azulejos originais, projetados por Eduardo Negri, na década de 1970. Denúncias foram feitas ao Governo do Distrito Federal (GDF), que sugeriu a preservação do painel. Contudo, os trabalhos começaram antes da chegada da recomendação oficial, e os azulejos viraram entulho.
O documento pedindo para que fosse reconsiderada a decisão de acabar com a obra de Negrini foi enviado ao bloco em 30 de setembro. Assinado por um grupo técnico executivo, composto pelas secretarias de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), de Cultura e Economia Criativa (Secec) e da Proteção à Ordem Urbanística do DF (DF Legal), além do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-DF), a recomendação elenca uma série de razões para a manutenção do painel.
Entre as explicações, o grupo argumenta que “as fachadas dos blocos pertencentes às quadras do período inicial de implantação da cidade constituem exemplos expressivos e únicos dos princípios de arquitetura moderna”.
Segundo o texto, na elaboração do Plano de Preservação do Conjunto Urbanísco de Brasília (PPCUB), foi realizado um levantamento de edifícios construídos entre 1958 e 1980, considerados “detentores de ‘maior valor’ para os componentes de salvaguarda correspondentes às categorias de ‘forma urbana’, ‘paisagem urbana’ e ‘histórico’”, que se aplicam ao Bloco B.
Dessa forma, o grupo finaliza o texto, ressaltando o inquestionável valor histórico, arquitetônico e estético do prédio, “dentro da construção e caracterização modernista de Brasília”, e considera a necessidade de preservação “dos edifícios e aspectos remanescentes e representativos das várias etapas de construção de Brasília, marcadas pelo Movimento Moderno na arquitetura e urbanismo, assim como por especificidades próprias, como referencial de sua história e diversidade de contribuições estilísticas, ideológicas e espaciais”.
Confira a íntegra do documento:
Ação judicial
A moradora do prédio Adélia Maria da Rocha não concordou com as modificações propostas e entrou na Justiça para tentar evitar o início da reforma. “A votação que ocorreu [no bloco] não apresentou o projeto inteiro nem foi aprovada por unanimidade. O que eu quero é que só seja feita essa obra se todos concordarem”, explica.
Entre os problemas que ela vê na intervenção estão a transferência da guarita do porteiro para uma ponta do bloco, a remoção do quartinho de lixo e a retirada dos azulejos.
“É um disparate. Tirar os azulejos de Eduardo Negri, que tem história em Brasília, é muito triste”, lamenta a moradora.
Veja fotos do local e do painel:
Entulho
Apesar do pedido, a reforma teve início e, nesta semana, a maior parte dos azulejos foi retirada (fotos em destaque e abaixo). Conforme explica o síndico do bloco, Antônio Augusto Pinheiro, a remoção se faz necessária pelo estado em que se encontram as peças.
“Eles estão craquelados, é algo que estamos discutindo há dois anos e foi aprovado em assembleia no fim do ano passado. Foi aprovado um novo projeto arquitetônico, com o objetivo de manter o máximo de características possíveis”, argumenta o síndico.
Segundo ele, o piso preto e as colunas de mármore continuarão; a diferença é no azulejo. “Temos outros blocos na quadra que fizeram isso. Pensei até em fazer um quadro com os azulejos e colocar, mas eles estão desmanchando, não existe técnica para retirá-los intactos”, alega Pinheiro.
O síndico também critica a forma como são feitas as recomendações técnicas das autoridades competentes. “Eles não avaliaram nem o projeto que temos, só mandam algo dizendo para não mexer. Deveriam pegar a nossa ideia e avaliar”, ressalta Antônio Augusto.
Veja fotos dos azulejos removidos:
Elon Pfeiffer, arquiteto responsável pela concepção do projeto de reforma do edifício, explica que as necessidades do prédio se sobrepuseram à manutenção do painel dos anos de 1970.
“Não só a questão de estarem deteriorados, mas a passagem do hall de entrada para o hall de serviço tem uma parte que precisaria ser demolida e tem os azulejos. A casa do porteiro já tinha sido restaurada de uma maneira que não tem a ver com o modernismo, são muitas coisas”, destaca. Conforme ele explica, a substituição será por um azulejo parecido, para manter as características do prédio.
“A fachada será a mesma, as linhas gerais arquitetônicas, também. E não vamos cercar o pilotis. A gente estudou muito a possibilidade de manter os azulejos, mas, se trocássemos por um igual, poderia ser interpretado até como fraude”, explica o arquiteto.
O que diz o GDF
A Secretaria de Cultura e Economia Criativa informou que não há um instrumento de proteção exclusivo para a 314 Sul, seja referente às características arquitetônicas, seja aos bens integrados, como o caso dos azulejos. Segundo a pasta, “o tombamento do conjunto urbanístico de Brasília possui uma visão mais urbanística”.
A secretaria acrescentou que recebeu algumas denúncias sobre a edificação, elaborou a recomendação, mas “o Código de Obras atual não exige autorização para a substituição de revestimento. Nesse sentido, apenas os bens tombados isoladamente passam por análise, de modo que a nossa atuação fica restrita”.
Iphan
Em nota, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no DF informou que “foi enviado, aos moradores do Bloco B da SQS 314, um documento elaborado no âmbito do Grupo Técnico Executivo (GTE), composto pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEDUH), Secretaria de Cultura e Economia Criativa (SECEC), Secretaria de Defesa da Ordem Urbana (DF Legal) e a Superintendência do IPHAN no Distrito Federal.
Um dos objetivos do GTE é promover e valorizar os elementos que compõem a cidade, mediante ações informativas e/ou educativas, mesmo no caso de bens que não são acautelados individualmente, como o edifício em questão. O presente documento, portanto, tem caráter recomendatório.
Cabe destacar que o valor individual do edifício em questão não se sobrepõe ao valor do conjunto urbanístico protegido pelo tombamento federal.”