Recanto das Emas: 6ª maior cidade do DF é esquecida pelo poder público
Os 146 mil moradores cobram a construção de viaduto na RA, mais segurança e atendimento de qualidade na Unidade Básica de Saúde
atualizado
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A noite de segunda-feira (8/10) pareceu interminável para Gezabel Cristina Alves (foto em destaque). Com fortes dores no estômago, tosse, febre de 40 graus e vômitos com sangue, a cabeleireira de 43 anos procurou a Unidade Básica de Saúde (UBS) do Recanto das Emas para tentar pôr fim ao sofrimento. Após esperar cerca de duas horas por atendimento, a decepção: “Falaram que não me enquadro na classificação vermelha e me mandaram procurar um posto de saúde, que só funciona durante o dia. É desumano”, desabafou a mulher.
O sistema de saúde precário é apenas um dos muitos problemas que afligem os moradores do Recanto das Emas. Com 146 mil habitantes – conforme a última Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad) –, a cidade carece de melhorias de serviços essenciais, como mobilidade e segurança. Apesar de ser a sexta região administrativa (RA) mais populosa do DF, tem sido deixada em segundo plano no rol de prioridades governamentais.
Nesta reportagem da série DF na Real – na qual os candidatos ao Governo do Distrito Federal (GDF) comentam o que fariam (confira no fim do texto) para resolver os problemas apontados pelos brasilienses –, o Metrópoles aborda a situação do Recanto das Emas.
Investimentos
Em 2017, o Governo do DF destinou R$ 4,9 milhões para a Administração Regional do Recanto das Emas. O Lago Norte, que tem 110 mil moradores a menos e estrutura urbana bem melhor, foi agraciado com o mesmo valor. Já a RA do Núcleo Bandeirante, que conta com 23,5 mil habitantes, recebeu do Palácio do Buriti R$ 6,2 milhões. O GDF também entendeu que Águas Claras, com uma população estimada em 138 mil, deveria receber mais recursos: R$ 10,4 milhões.
Com investimento escasso, a localidade acumula problemas. Na Quadra 401, motoristas têm de trafegar com cuidado para não cair nos inúmeros buracos. Num deles, os moradores sinalizaram a cratera com pneu e madeiras. Quem reside nas proximidades diz que a abertura no asfalto incomoda há meses, mas nenhuma providência do Estado foi tomada para fechar a fissura.
Segurança deixa a desejar
Apesar do incômodo com as vias esburacadas, o que mais tira o sono da comunidade é a ausência de segurança pública. Os primeiros residentes da cidade, inaugurada em 28 de julho de 1993, pelo ex-governador Joaquim Roriz, relembram que, no início, o Recanto conservava um aspecto rural e relativamente tranquilo.
No entanto, o aumento da população não foi acompanhado de políticas públicas, o que se refletiu, entre outros transtornos, na explosão da violência.
Dados da Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social (SSP) de 2017 mostram que o Recanto das Emas é a cidade no DF com o maior número de assalto a pedestres, considerando a taxa por 100 mil habitantes. No ano passado inteiro, foram 2.633 casos dessa natureza.
O empresariado local também se queixa do avanço da criminalidade. No mesmo período, 179 lojas foram alvo de bandidos. Levando-se em consideração a média por 100 mil moradores, a RA ocupa o terceiro lugar.
Veja os números:
Embora tenha uma delegacia e um Batalhão da Polícia Militar, o baixo efetivo nessas unidades impedem uma reação mais efetiva contra grupos criminosos. Na tentativa de proteger o patrimônio privado, donos de lojas lançam mão de estratégias próprias. O gerente da Casas Bahia, situada na avenida central, mandou instalar 27 blocos de ferro e concreto na calçada em frente ao comércio.
A medida foi tomada após a chamada “gangue da marcha à ré” estourar a porta do estabelecimento e furtar mais de 50 aparelhos celulares. O episódio ocorreu em junho de 2018. Os funcionários não puderam dar entrevista, mas confirmaram “em off” que a região ficou mais perigosa após o GDF desativar um posto da PMDF que ficava na avenida central.
“A gente se sentia muito mais seguro, mas decidiram retirar o posto sem consultar ninguém. A violência aumentou muito depois disso”, citou um trabalhador da loja.
O bombeiro hidráulico Ivanildo Gomes de Paiva, 35 anos, passa todos os dias pelo ponto mais movimentado da cidade e tem a sensação de incremento da violência. Ele, que já teve o imóvel invadido, pede ao poder público atenção maior ao Recanto. “Entraram na minha casa e levaram quase tudo. A gente espera que o próximo governador olhe mais para quem vive aqui.”
Mobilidade relegada
De carro ou de bicicleta, se locomover pelo Recanto das Emas é uma tarefa árdua. Nos horários de pico, condutores têm de exercitar a paciência para entrar e sair da cidade. Os acessos que levam ao Balão da Ema ficam completamente congestionados. A rodovia de 1,8 km de extensão – que liga Samambaia ao Recanto – pode ser vencida, sem trânsito, em menos de cinco minutos. No horário de rush, o trajeto passa a ser de cerca de 40 minutos.
O transtorno poderia ter fim caso as gestões de Rodrigo Rollemberg (PSB) e Agnelo Queiroz (PT) tivessem tirado do papel a promessa de construção de um viaduto no local. Em agosto de 2015, num evento batizado de “Roda de Conversa”, Rollemberg garantiu aos moradores que a obra seria prioritária em sua gestão, pois ela viria para “melhorar a qualidade de vida da população”. No entanto, a três meses do fim de sua gestão, nada foi feito.
O caminhoneiro João Moreno da Silva, 43 anos, trabalha com frete e diz que o tempo perdido nos congestionamentos diários refletem diretamente na sua renda. “Eu poderia fazer mais frete, mas fico 40, 50 minutos parado no trânsito. Vieram aqui, encheram a gente de esperança, mas esse viaduto nunca saiu e parece que nunca será feito. É de causar revolta mesmo”, protestou.
Ciclovia sem conservação
Quem opta pela bicicleta para se locomover no Recanto das Emas também reclama do estado da ciclovia da cidade. Construída há quase uma década, a pista exclusiva para bikes nunca foi revitalizada. Além de contar com inúmeras rachaduras no piso, não liga a cidade a nenhuma outra.
Dielson Luiz Veiga, 47 anos, é um dos coordenadores do projeto Pedala Recanto, que se dedica a incentivar a modalidade na cidade e desestimular o uso do automóvel. O grupo é grande e pelo menos três vezes por semana ganha as ruas do Recanto.
“A ciclovia não é a mais adequada, pois carece muito de manutenção. Ela termina no balão e não leva mais para lugar algum. Fora isso, ainda faltam projetos que incentivem a harmonia entre ciclistas e motoristas”, destacou Dielson.
De volta à saúde pública, a maior revolta de quem precisa de médico é com o sistema de atendimento na Unidade Básica de Saúde (UBS) da cidade. Quem vai ao local com problemas considerados “simples” é dispensado e tem de se dirigir ao posto de saúde – que só funciona em horário comercial – ou ao hospital mais próximo, em Samambaia.
A estudante Ângela Laura de Almeida, 21 anos, ficou duas horas e meia à espera de atendimento, na última segunda-feira (8), e decidiu voltar para casa com fortes dores abdominais. “Para ser atendido aqui, tem que chegar quase morrendo. Vou para casa me automedicar, porque não vou sair daqui, com dor, para ir a Samambaia de ônibus”, reclamou.
O que diz o GDF
Sobre as promessas não cumpridas de construção do viaduto na entrada da cidade, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), em nota, informou que o “processo licitatório para construção de viaduto na região administrativa está na fase final” e que o “certame está em fase de assinatura do contrato”. No entanto, não estabeleceu prazo para início das obras.
Em relação ao atendimento precário na UBS denunciado pela reportagem, a gerência da Unidade de Pronto Atendimento Recanto das Emas destacou que a assistência no dia 8 ficou prejudicada porque “um dos médicos plantonistas acompanhava a remoção de um paciente para outra unidade”.
A Secretaria da Segurança Pública, em resposta às queixas dos moradores sobre a criminalidade na cidade, destacou redução de 35,5% nos roubos a pedestres, em comércio, de veículo, em residência, em coletivo e furto em veículo entre janeiro e agosto de 2018 em relação ao mesmo período de 2017. A PMDF destacou haver 13 viaturas disponíveis para fazer rondas na região administrativa.
Veja as principais propostas dos dois candidatos ao GDF para o Recanto das Emas: