Ratos e comida podre: pacientes relatam tortura em clínica do Entorno
Devido a irregularidades e indícios de que os gestores praticaram crime de cárcere privado, o local acabou sendo interditado
atualizado
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O Instituto Restaurando Vidas, localizado em Valparaíso (GO), foi alvo de investigação da Polícia Civil de Goiás na última quarta-feira (24/2). Devido a irregularidades e indícios de que os gestores praticaram crime de cárcere privado, o local acabou sendo interditado. O responsável pela clínica, o pastor Sergio Maciel de Freitas, foi preso. Pacientes relataram uma série de abusos e agressões ocorridas aos policiais no instituto.
Os investigadores tiveram conhecimento do fato por meio da denúncia de um servidor da Secretaria de Saúde de Goiás. O homem informou que trabalha na Superintendência de Vigilância em Saúde do Estado de Goiás e esteve presente na primeira operação realizada na clínica, de cunho sanitário, em 22 agosto de 2019. Ele afirmou que após os fiscais constatarem diversas irregularidades foi feito um termo de intimação para que os problemas fossem corrigidos.
Ao voltar ao instituto, na quarta-feira (24/2), o servidor constatou mais problemas. Entre eles: ausência de um responsável técnico, medicação sem receituário, inexistência de alvará sanitário e falta de vistoria do Corpo de Bombeiros.
Os residentes revelaram aos agentes de saúde que não podiam sair do local por vontade própria. Também afirmaram que sofriam tortura psicológica. Foram apreendidos diversos tipos de medicamentos, sendo alguns deles caracterizados como potentes sedativos. As famílias pagavam mensalidade de R$ 900 por paciente.
Ameaças
Um homem contou aos investigadores que só podia ligar para a família uma vez por semana. Ele também revelou ter sido ameaçado e que os funcionários diziam que iriam lavá-lo para outra clínica, “onde o filho chorava e a mãe não via”. Conforme o paciente acrescentou, os responsáveis teriam dito que a família não gostava dele. “Eu pedia para me levarem a uma delegacia e eles mudavam de assunto, mandavam eu sumir”, contou.
O homem disse, ainda, que sempre era informado de que estava melhorando, mas se sentia “aéreo” todos os dias devido à grande quantidade de remédios.
“Lá dentro, eu não sabia de nada o que acontecia no mundo. Se os internados não andassem na linha, do jeito que eles queriam, eram ameaçados. Fui xingado de noiado, marginal. Nunca roubei nem usei drogas. As ameaças ocorriam até na hora do lanche”, disse. A testemunha contou que os pacientes que tentavam fugir eram pegos e castigados com socos. Também relatou que o local tinha mofo, sujeita e ratos.
Operação
A 1ª Delegacia de Polícia de Valparaíso de Goiás deflagrou, em 24 de fevereiro, operação para apurar irregularidades em clínicas terapêuticas de recuperação de usuários de drogas. A ação também teve o apoio do Ministério Público e da Vigilância Sanitária do estado.
Durante as diligências, além das irregularidades administrativas que culminaram no fechamento do estabelecimento, ficou constatado que a clínica impedia os internos de sair. As principais vítimas afirmaram ter sofrido violência psicológica e ameaças.
Os envolvidos prestaram depoimento na delegacia. Uma das vítimas relatou que era constantemente ameaçada e dopada para que não deixasse o local. Outra informou que não autorizou a própria permanência na clínica investigada.
Responsável pelo estabelecimento irregular, o pastor não apresentou nenhum documento que comprove os requisitos legais para a internação de pacientes. O homem tem ocorrência por crime similar, também referente ao fechamento de outra comunidade terapêutica.
As investigações confirmaram o crime de cárcere privado, na modalidade internação fraudulenta, razão pela qual foi lavrada a prisão em flagrante do pastor, responsável pela fundação e manutenção da clínica.