Racismo, LGBTfobia e feminicídio: promotora faz balanço de ações
Promotora Polyanna Silvares destaca ações em combate à violência contra mulher, crianças e adolescentes e iniciativas para equidade racial
atualizado
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Em 2024, o Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) acompanhou de perto ações contra o racismo em escolas públicas e particulares no DF. A iniciativa foi feita especialmente após casos do crime virem à tona em eventos escolares que chocaram a capital do país.
Ao Metrópoles Entrevista, a coordenadora do núcleo, promotora Polyanna Silvares, destacou ações de equidade racial que foram feitas e tiveram participação do núcleo, como a concretização da lei de cotas para concursos públicos no Distrito Federal.
A lei, sancionada em novembro deste ano, foi uma iniciativa do Executivo local, mas contou com ações ainda iniciais por parte do MP.
“Primeiro, nós fizemos uma audiência pública no ano passado e nós viemos em tratativas, em conversas com o governo do Distrito Federal, com outros entes também com outras outras instituições, e agora saiu”, ressaltou a promotora.
“Foi uma entrega que a gente fez em parceria com as instituições e por iniciativa do GDF mesmo, que é bastante importante e a gente tem atuado de uma forma muito firme na educação para as relações étnico raciais”, completou.
Um outro ponto que foi trabalhado no núcleo foi em relação aos casos de racismo envolvendo escolas no DF. A promotora informou que foram feitas audiências públicas para ouvir a população e trabalhar com a Secretaria de Educação para elaborar protocolos de combate ao racismo.
Em relação às escolas particulares, o trabalho é feito com o sindicato das escolas para que também seja implementado. Além disso, Polyanna Silvares destacou que representantes de algumas escolas participaram das audiências públicas.
“A gente fez um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] e reuniões para que os colégios envolvidos nos apresentassem alguma política de equidade, porque muitas vezes as escolas particulares tratavam o racismo como bullying e são fenômenos diferentes”, completou.
Os trabalhos com as instituições de ensino foram feitos em parceria do Núcleo de Direitos Humanos com a Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc).
Feminicídio e violência de gênero
Outra frente de atuação do Núcleo de Direitos Humanos é em combate à violência de gênero, especialmente, com o fomento de políticas públicas e criminais para o enfrentamento das violências contra a mulher.
“É muito importante para a mulher entender a espiral de violência. O feminicídio não começa quando a vítima morre, ele começa muito antes, com as agressões verbais, violências psicológicas. A gente atua para que a mulher compreenda esse processo”, afirmou Polyanna.
A promotora orienta que as mulheres procurem ajuda com a ocorrência policial, mas dentro do MPDFT também há uma ouvidoria específica, que é a ouvidoria da mulher. “Se ela estiver passando por alguma necessidade também pode procurar a ouvidoria e ter as informações de atendimento ao público”.
Além do NDH, o MP também conta com a promotoria de violência doméstica e outros núcleos em combate.
LGBTfobia e outras discriminações
O núcleo ainda trabalha em casos de discriminações. Segundo a promotora, em casos que envolvem a LGBTfobia, a atuação do MP ocorre em duas perspectivas: a primeira pelo aspecto criminal, com a denúncia ao crime; e a segunda em políticas públicas para a igualdade.
“É nesse segundo que há a atuação mais forte do Núcleo de Direitos Humanos”, explicou. “Por exemplo, se acontece algum caso em um supermercado. A gente oficia o estabelecimento para saber quais medidas foram tomadas e se há um espaço de capacitação aos funcionário”, completou.
O núcleo ainda atua diretamente em ações na garantia à população em situação de rua e a imigrantes, em casos contra a violência sexual contra crianças e adolescentes. Em dezembro, o núcleo completou 19 anos em atenção aos direitos humanos no DF.
Leia entrevista completa:
Repórter: Olá, bem-vindos ao Metrópoles Entrevista. Estamos aqui com a promotora de Justiça Polyanna Silvares, coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Obrigada pela presença, promotora.
Polyanna Silvares: Obrigada! Uma excelente oportunidade de diálogo.
Repórter: Gostaria de começar pedindo que a senhora explicasse as atribuições do Núcleo, porque é uma área muito grande, que trabalha com várias frentes. O que o Núcleo trabalha? Qual a sua função? Qual a sua importância para o Ministério Público?
Polyanna Silvares: O Ministério Público atua com direitos humanos por meio de todas as suas promotorias. Os direitos fundamentais estão na Constituição. Todos os promotores, de um modo ou de outro, estão garantindo que a população do Distrito Federal tenha esses direitos. Mas o Núcleo de Direitos Humanos foi criado em 2005 para dar mais visibilidade a essas pautas e ter um núcleo especializado.
Repórter: E quais são essas pautas?
Polyanna Silvares: Dentro do Núcleo, temos três frentes de atuação: o Núcleo de Enfrentamento à Discriminação, o Núcleo de Gênero e o Núcleo de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças. O Núcleo de Enfrentamento à Discriminação lida com diversas pautas, como a população em situação de rua, a equidade racial, migrantes e refugiados. Trabalhamos também com pessoas desaparecidas.
Repórter: Falando sobre o Núcleo de Gênero, sei que vocês abordam a questão do feminicídio. Sei também que não é só o Núcleo que trabalha com essa questão, mas é um ponto importante. Gostaria de saber como o Núcleo tem uma atuação voltada à defesa de gênero e o que o MP consegue trabalhar no combate ao feminicídio.
Polyanna Silvares: De fato, a quantidade de feminicídios que ainda assola o Distrito Federal é estarrecedora. Tivemos uma redução, mas o nosso objetivo é que não haja nenhum. O MP atua por meio de diversas promotorias. As promotorias de Violência Doméstica e outros núcleos também atuam com essa questão de gênero. O Núcleo atua principalmente no fomento de políticas públicas, no caso, políticas criminais, para o enfrentamento das violências contra a mulher.
Repórter: Que tipo de políticas públicas? Poderia nos dar exemplos?
Polyanna Silvares: Especificamente neste ano, o MPDFT criou a Comissão de Feminicídio, da qual também faço parte. Ela foi responsável por diversas iniciativas para ajudar toda a sociedade nessa pauta urgente da diminuição da quantidade de feminicídios. Promovemos eventos para qualificar nossos promotores para a atuação e para o enfrentamento dessa situação. Atuamos em parceria com outras instituições. Você sabia que hoje, no Distrito Federal, as mortes de mulheres são inicialmente registradas como feminicídio e só depois da investigação é que esse caso pode deixar de figurar como feminicídio?
Repórter: Sim, tenho conhecimento disso. E qual a importância desse registro inicial como feminicídio?
Polyanna Silvares: É muito importante para as mulheres porque o Ministério Público também atua nas promotorias do júri, pedindo e fazendo prova para que as penas sejam muito altas. E temos visto no Distrito Federal penas muito altas para esses algozes, aqueles que sobrevivem.
Repórter: O feminicídio, na verdade, tem um início muito antes do crime em si. Ele passa pela violência psicológica, física, entre outras violências. Como a mulher consegue procurar o Ministério Público? Ela tem que ir direto na Polícia Civil? Que assistência é dada para que não se chegue nessa fatalidade?
Polyanna Silvares: É muito importante você pontuar isso, porque temos debatido muito sobre a necessidade de levar informação para essa mulher, para ela entender essa espiral de violência. O feminicídio não começa quando ela morre. Ele já começa muito antes, com as agressões verbais, com as violências psicológicas. Atuamos muito para que essa mulher compreenda esse processo de violência. O Ministério Público tem uma cartilha, por exemplo, que é acessível no nosso site para instrução dessas mulheres.
Repórter: E qual o caminho mais seguro para que ela procure ajuda?
Polyanna Silvares: O caminho mais seguro para que ela procure ajuda é o registro da ocorrência policial. Os policiais estão acostumados a atenderem de pronto essa mulher.
Repórter: E se a mulher preferir procurar diretamente o Ministério Público?
Polyanna Silvares: Dentro do Ministério Público, temos uma ouvidoria específica, que é a Ouvidoria da Mulher. Então, se essa mulher estiver passando por alguma necessidade em que o Ministério Público pode atuar, ela pode entrar em contato com a Ouvidoria da Mulher. No site do MPDFT, na parte do cidadão, “Atendimento ao Cidadão”, temos todas essas informações também para o atendimento ao público.
Repórter: E quando o feminicídio deixa crianças órfãs, como o MP atua? Elas ficam com a família paterna? Existe alguma orientação? Gostaria de entender qual é a atuação do MP quando se trata de crianças.
Polyanna Silvares: O Núcleo de Direitos Humanos atuou na época da promulgação do decreto a respeito do benefício para as crianças que ficaram órfãs do feminicídio. Promovemos um evento para fomentar essa política pública. Isso foi muito bem feito pelo governo federal e esperamos que, pelo menos na questão patrimonial, isso dê uma resposta.
Repórter: E na questão da guarda das crianças?
Polyanna Silvares: Quando a criança fica órfã, ela pode ficar sem nenhum parente e ir para um local de acolhimento. Aí, as Promotorias da Infância e Juventude, na área cível, vão atuar no sentido de acolher essa criança, de entender qual é o melhor local para ela ficar, mas o principal objetivo do Ministério Público, segundo o ECA, é que essa criança vá para algum familiar, que ela fique com algum familiar. Normalmente, o advogado particular ou a Defensoria Pública ingressam com as ações para que um avô, uma avó ou uma tia fique com a criança. Mas o Ministério Público vai atuar nesse processo como fiscal da lei.
Repórter: Então o MP atua como um guardião da lei nesse processo?
Polyanna Silvares: Exatamente. Estamos nesse processo como um órgão de proteção dessa criança.
Repórter: E como uma criança que sofre violência dentro de casa pode pedir socorro? Ela pode entrar em contato com o Ministério Público? Ela consegue ir a uma delegacia e registrar a ocorrência? Como a esfera pública pode ajudar nesse caso?
Polyanna Silvares: Logo após a Lei Henry Borel, o Núcleo de Direitos Humanos se reuniu com outros promotores e elaboramos enunciados para que todos os promotores que lidam com essa situação tenham uma diretriz de proteção da criança e do adolescente. Hoje, quando os promotores vão para a audiência de custódia, em que há uma prisão de uma pessoa que cometeu um crime contra um adolescente, uma criança, já temos essas diretrizes para uma atuação com o olhar da criança.
Repórter: Mas a criança em si, ela consegue pedir ajuda?
Polyanna Silvares: Sim, é possível. Os meios de comunicação com o MPDFT são abertos ao público. A pessoa não precisa ser maior de idade para mandar uma denúncia para a ouvidoria. Mas, nesse caso, é melhor que a criança entre em contato pelos telefones ou, se de algum modo ela conseguir, vá até uma delegacia de polícia. Ela com certeza vai ser ouvida pelo delegado. No MPDFT, todos os nossos servidores e promotores estão preparados para ouvir essa criança com a atenção que ela merece.
Repórter: Mudando um pouco de assunto, neste ano o GDF deu início a uma série de desocupações de pessoas em situação de rua. Gostaria de entender como o Ministério Público avalia esse processo. Está funcionando?
Polyanna Silvares: Agradeço a pergunta, porque me dá a oportunidade de explicar como foi a atuação do MP nesse processo, principalmente do Núcleo de Direitos Humanos. Temos a certeza de que a questão das pessoas em situação de rua é um fenômeno muito diversificado. Entendemos que vários motivos levam uma pessoa para a situação de rua, mas os maiores deles são a falta de emprego e a perda de vínculos familiares. Muitas vezes, as pessoas têm uma compreensão equivocada, acham que elas estão na rua só para usar drogas ou porque se sentem mais livres ali. Na verdade, é uma situação em que a pessoa se perdeu e, na rua, ela passa por todos os processos de violação.
Repórter: E qual a posição do MP em relação às desocupações?
Polyanna Silvares: O Núcleo de Direitos Humanos atua há alguns anos no sentido de proteger os direitos dessas pessoas, porque entendemos que só assim elas podem ter uma chance de sair das ruas com efetividade e com dignidade. Nossa atuação foi no sentido de fomentar uma política pública voltada à garantia de direitos dessas pessoas em situação de rua. As ações de zeladoria urbana são feitas em paralelo, porque existe uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proíbe a remoção compulsória de pessoas em situação de rua.
Repórter: O MP acompanha de perto a execução dessa política pública?
Polyanna Silvares: O MPDFT assinou um acordo de cooperação técnica com o GDF para fiscalizar a política para pessoas em situação de rua. O GDF se comprometeu com a política, e o Ministério Público faz a fiscalização. Por exemplo, eles se comprometeram a criar 2.000 vagas em locais de acolhimento até o final deste ano, mas identificamos que isso não aconteceu. No dia 12 de dezembro, temos uma reunião para tratar desse e de outros temas da política que não foram executados.
Repórter: Mas ouvimos falar que as vagas existem, mas as pessoas não querem ir para lá. É verdade?
Polyanna Silvares: É verdade. Mas precisamos nos perguntar por que essa pessoa não quer ir para essas casas. O serviço não está atendendo às necessidades dessas pessoas. Elas estão aqui no Plano Piloto porque exercem, por exemplo, a coleta de materiais recicláveis, e não vão ter interesse em ir para São Sebastião ou Taguatinga. É responsabilidade do Estado ter uma política pública que atenda essas pessoas.
Repórter: Existe um estigma muito grande em relação às pessoas em situação de rua. Como o Núcleo trabalha para combater essa discriminação?
Polyanna Silvares: Essa é uma das pautas mais sensíveis que temos no Núcleo de Direitos Humanos e no Ministério Público como um todo. Estamos muito atentos às necessidades do comerciante, da pessoa que reside nas quadras e que, de repente, passou a ter medo de sofrer violência. Mas, por outro lado, atuamos levando informação para a população, para que as pessoas vejam a situação com outros olhos.
Repórter: Que tipo de informação?
Polyanna Silvares: Por exemplo, o Censo de 2022 da população em situação de rua aqui no DF mostra que 80% têm problemas com álcool, mas o crack não chega a 30%. Temos uma percepção de que toda pessoa em situação de rua usa crack e, por isso, pode cometer algum crime, mas isso não é real. Em agosto, lançamos um vídeo chamado “Caminhos para Casa” com depoimentos de pessoas que já estiveram em situação de rua, contando suas experiências. É importante que as pessoas vejam essa realidade para humanizar essas pessoas e para que a população em geral possa nos ajudar a cobrar políticas públicas para que elas possam sair da rua de forma efetiva.
Repórter: O MP acompanha as denúncias de discriminação contra a população em situação de rua?
Polyanna Silvares: Sim, temos um procedimento administrativo aberto para monitorar essas ações. Entendemos as necessidades dos moradores e dos comerciantes, mas não compactuamos com discursos de ódio e preconceito.
Repórter: E em relação à população LGBTQIA+? A vítima também pode procurar o MP para denunciar?
Polyanna Silvares: Sim. Em casos de LGBTfobia, a vítima pode procurar diretamente o Ministério Público. O MP vai investigar e denunciar o agressor. É importante lembrar que o crime de LGBTfobia está enquadrado na Lei de Racismo, então é um crime grave.
Repórter: Que tipo de ações o Núcleo tem realizado para combater a discriminação racial?
Polyanna Silvares: Na pauta racial, o Ministério Público tem atuado em duas frentes. A primeira é a concretização da lei de cotas para concursos públicos no DF. A segunda frente é a educação para as relações étnico-raciais. Temos visto um aumento nas notícias de casos de racismo em escolas públicas e particulares do DF.
Repórter: E como o MP tem atuado nesses casos?
Polyanna Silvares: Fizemos uma audiência pública para ouvir a população e, a partir daí, estamos trabalhando com a Secretaria de Estado de Educação na elaboração de protocolos para combater o racismo nas escolas.
Repórter: Esses protocolos serão implementados em todas as escolas, incluindo as particulares?
Polyanna Silvares: Sim. Nas escolas particulares, a atuação é diferente, porque são muitas. Mas estamos trabalhando com o Sindicato das Escolas Particulares para que elas também implementem políticas de equidade racial.
Repórter: Para finalizar, gostaria de saber como a senhora avalia a atuação do Núcleo de Direitos Humanos neste ano de 2023.
Polyanna Silvares: Gostaria de agradecer a oportunidade de apresentar o trabalho do Núcleo. É muito importante essa união de esforços entre o Ministério Público, a imprensa e a população para que possamos melhorar o nosso Distrito Federal. A intenção de todos é ter um DF mais seguro, mais humano, que atenda a todos os seus cidadãos.
Repórter: Agradecemos a sua presença aqui, promotora