Rachadinha, mimos e viagens. Desvio milionário bancou vida de luxo de professor da UnB
O Metrópoles apurou que, entre 2015 e 2020, o docente realizou viagem para o exterior, alugou uma mansão no Lago Sul e fez saques
atualizado
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Alvo de investigação da Polícia Federal, o professor da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Henrique de Souza Bermejo (foto em destaque), suspeito de desviar ao menos R$ 2 milhões de recursos oriundos de projetos pagos pela Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), mantinha vida luxuosa.
O Metrópoles apurou que, entre 2015 e 2020, o docente realizou viagem para o exterior, alugou uma mansão no Lago Sul – região nobre da capital federal – e equipou o imóvel, além de fazer saques e transferências para a própria conta de verba destinada ao estudo.
Bermejo, da Faculdade de Economia Administração e Contabilidade (Face), é o principal investigado da Operação Klopês, deflagrada pela PF, na terça (21/9). Levantamento feito pela reportagem aponta que recursos de três projetos de pesquisa foram indevidamente utilizados. São dois da Finatec e um do CNPq, nos valores de R$ 1.479.793,89, R$ 2.083.728,72 e R$ 7.020.600, respectivamente, totalizando mais de R$ 10,5 milhões.
No período de 2016 a 2019, o docente utilizou cerca de R$ 200 mil apenas do cartão pesquisador. A quantia foi dividida em quatro transferências feitas para a conta do investigado, uma a cada ano. O regulamento dos projetos vedam esse tipo de transação. Ainda em 2016, ele chegou a fazer um saque de R$ 279 mil.
A verba pública também teria sido usada para pagar o aluguel de uma mansão no Lago Sul entre abril de 2018 e janeiro de 2020. No total, R$ 496,5 mil foram desviados de um dos projetos da Finatec para o pagamento do imóvel.
Conforme o Metrópoles revelou, o docente da UnB decorou a casa usando verbas destinadas para pesquisa em tecnologia. Ao todo, o inquilino teria desembolsado R$ 65 mil em persianas e blindex; R$ 19 mil na Apple Store e R$ 15 mil no iPlace. De acordo com anúncio de aluguel na internet, a mansão tem 950 m², sete quartos e seis vagas na garagem, três andares e elevador.
Veja fotos da mansão:
Viagem e rachadinha
Em 2019, Bermejo e sua mulher, Luciana Pereira Souza Bermejo, embarcaram para Boston a fim de participar de um evento de tecnologia atrelada à saúde. As passagens, hospedagem e o consumo do casal na viagem, que durou três dias, também teriam sido custeados com dinheiro da Finatec.
A suspeita é de que os dois foram para o exterior tratar de interesses da empresa da qual eles são titulares, a Evobiz Negócios Inovadores LTDA.
As ligações perigosas não terminam por aí: Luciana Bermejo aparece como uma das sócias da empresa Progolden Soluções Tecnológicas Ltda., contratada para fornecer soluções de TI a um projeto criado pelo professor. A empresa foi criada em 2013 e teve as atividades encerradas em 2019.
Além de Luciana, figuram entre os sócios André Luiz Zambalde, Renato Resende Ribeiro de Oliveira e Everton Leonardo de Almeida. Coincidência, ou não, os três também eram bolsistas dos projetos coordenados por Bermejo. Ou seja, foram contratados para fornecer serviço para o próprio projeto.
Como bolsistas, os três ainda receberam incentivo federal de R$ 152 mil, R$ 148 mil e R$ 126 mil, respectivamente. Outros investigados também teriam atuado, simultaneamente, como pesquisadores e fornecedores. São eles: Gustavo Soares Melo, Erick Antônio Alves, Rodrigo de Freitas Santos.
Entre as despesas dos suspeitos está a compra de celulares, passagens aéreas, combustível e até mesmo quatro televisões de 68 polegadas no valor médio de R$ 5,8 mil, cada. A suspeita é que o docente da UnB tenha feito uma espécie de rachadinha ao beneficiar os demais investigados como bolsistas.
O que dizem os citados
O Metrópoles procurou o professor pelo e-mail profissional do docente para que ele comentasse as acusações, mas até a última atualização desta reportagem não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestações futuras.
Por meio de nota, emitida por seus advogados, Rodrigo de Freitas Santos se declara inocente. “Como bolsista, Rodrigo foi desenvolvedor de sistemas para os projetos da Progolden, porém jamais atuou concomitantemente como fornecedor, dado que os recursos advindos desses projetos eram integralmente encaminhados para a predita empresa, a quem incumbia a administração”, diz o documento.
“O pagamento de Rodrigo se restringia ao recebimento de valores pelos serviços prestados como pesquisador (bolsista), o que será devidamente comprovado no decorrer das investigações. Aproximadamente em abril de 2018, Rodrigo se desvinculou da Progolden e foi admitido como Desenvolvedor Sênior na empresa Equals, portanto nunca teve quaisquer contatos e/ou vínculos com a FINATEC”, disse a nota.
A Finatec se pronunciou por meio de nota, publicada no site da fundação. Veja:
Nota de Esclarecimento Finatec
Diante das notícias veiculadas em relação ao cumprimento de mandado de busca e apreensão de documentos referentes a dois projetos de pesquisa gerenciados pela Finatec, ocorrido no último dia 21 de setembro na sede da Fundação, esclarecemos que:
“A Finatec – Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos é uma instituição privada, sem fins lucrativos, credenciada para apoiar a UnB, em conformidade com a Lei nº 8.958/1994. A Fundação foi contratada pela Universidade para promover a gestão administrativa e financeira dos recursos de dois projetos, alvos da investigação. A Finatec não financiou os projetos e todas as despesas que foram executadas estavam devidamente previstas nos respectivos Planos de Trabalho, os quais foram aprovados pelas instâncias acadêmicas competentes.
No âmbito desses projetos, foram realizadas despesas com a aquisição de bens e serviços diversos destinados à execução das atividades de pesquisa. A locação comercial de um imóvel no Lago Sul destinou-se à acomodação da equipe técnica de pesquisadores e foi realizada após análise mercadológica da adequação do preço. As despesas foram realizadas de acordo com a legislação aplicável e todos os bens adquiridos com recursos dos projetos, patrimoniáveis ou não, foram transferidos para a UnB.
O Conselho Superior e a Diretoria Executiva da Finatec ressaltam o papel extremamente relevante e fundamental desta Fundação, não somente por contribuir com a gestão dos projetos de pesquisa, mas, principalmente, por retornar à sociedade os investimentos dos financiadores, através da disseminação do conhecimento gerado pelos pesquisadores. No cumprimento desse papel, a Finatec mantém compromisso com a transparência, a ética e a legalidade na aplicação de recursos públicos e privados destinados à pesquisa, ao ensino, à extensão e ao desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação, reafirmando a sua missão institucional e o cumprimento de suas finalidades estatutárias”.
Procurado, o CNPq informou não ter sido notificado pelos órgãos responsáveis pela operação.
Leia o posicionamento:
“Em relação à ação da Polícia Federal, noticiada na manhã desta terça-feira, 21, por meio da Operação Klopês, informamos que o CNPq não foi notificado pelos órgãos responsáveis pela operação e a instituição nem seus gestores são alvos da ação. Dessa forma, só podemos nos manifestar quando tivermos informações sobre os projetos investigados. Os projetos apoiados pelo CNPq cumprem procedimentos legais e, sempre que são identificadas inconsistências ou irregularidades, são tomadas as medidas cabíveis. O CNPq está à disposição para contribuir no que for necessário.”