Racha no Vale do Amanhecer: médiuns acusam líder espiritual de censura
Segundo frequentadores, a não aceitação de uma mudança imposta pelo líder religioso é motivo de proibição na prática da doutrina
atualizado
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A comunidade religiosa do Vale do Amanhecer, em Planaltina, a cerca de 45 km do Plano Piloto, passa por momentos de tensão. Numa reunião ocorrida em 25 de novembro deste ano, o filho da fundadora, Tia Neiva, e presidente da Obras Sociais da Ordem Espiritualista Cristã (Osoec) – administradora sem fins lucrativos do templo –, Raul Oscar Zelaya Chaves, determinou uma mudança na condução dos rituais que desagradou boa parte do corpo mediúnico.
Segundo os fiéis, quem não obedecer às novas regras está proibido de realizar trabalhos espirituais no Templo Sagrado. “Fui impedido de fazer os trabalhos. Todo mundo está em pânico, o templo está cada dia mais vazio”, reclama Ricardo*, um veterano da doutrina. “Estamos sem chão”, pontua Juliana*, médium da comunidade.
A insegurança gerou um racha no Vale do Amanhecer. Muitos dizem que Raul Zelaya alterou uma das leis deixadas por Tia Neiva, fundadora da doutrina em 1969, onde trabalhos espirituais poderiam ser conduzidos por médiuns mais experientes. Eles dizem que, agora, tal função é exercida exclusivamente por Zelaya, medida que tem causado enorme mal-estar entre os seguidores da doutrina. Em contrapartida, a assessoria jurídica do líder religioso nega qualquer tipo de censura.
Veteranos desolados
Para Ricardo*, o líder religioso tocou “em um ponto máximo” da doutrina. No começo da prática, a chamada Emissão é pronunciada pelo doutrinador, que inicia o trabalho mediúnico em questão, e que também é responsável por realizar o contato com o plano espiritual e assegurar o bom andamento do ritual.
“É como se fosse uma chave para abrir a fechadura do mundo espiritual. Não se muda um segredo de chave, porque não se tem mais o acesso à fechadura. Nossa revolta é porque não temos mais esse acesso”, protesta o veterano da doutrina.
A reclamação central dos fiéis é a de que a alteração nos ritos iniciais de cada trabalho para uma prática determinada por Raul, sem maiores explicações, é o que causa o esvaziamento do templo, tanto por pacientes, quanto por médiuns.
“Os pacientes não estão vindo porque as pessoas não estão se doando pro trabalho (espiritual). Nós fomos muito permissivos [ao longo dos anos] até a hora que nós tomamos essa porrada grande. Chegou num ponto que está insustentável”, avalia Ricardo*.
A reportagem do Metrópoles esteve no local em um dia normal de rituais e constatou a baixa assiduidade de pessoas no templo.
Esta não é a primeira vez que Raul Zelaya é acusado de expulsar fiéis do templo e coagir os que permanecem. Conforme revelado pelo Metrópoles, o presidente da Osoec passou a retirar frequentadores do templo desde sua posse, em 2009.
“Ocorreu [expulsão] porque não concordamos com a atual administração. O Vale do Amanhecer tornou-se associação. Só podem trabalhar lá os que baixam a cabeça e concordam com ele (Raul)”, lamenta outro frequentador, também sob condição de anonimato.
Segundo membros da comunidade, o homem comanda as atividades com mão de ferro desde 2009, à base de despotismo. A partir daquele ano, ele engrossou a lista de problemas enfrentados pela Osoec. Entre eles, o impasse judicial acerca da penhora de seu patrimônio e motivado por uma ação judicial da TIM.
Após reunião recente, os veteranos que não concordam com as novas práticas no Vale do Amanhecer anunciaram um levante a fim de “destronar” Raul. “Se a gente não correr atrás do que a gente quer, nossos mentores (entidades) não vão fazer nada”, avalia Alberto*, outro antigo seguidor da doutrina. Os membros da comunidade organizam uma assembleia marcada para 20 de janeiro do ano que vem para votar pela destituição do atual presidente.
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Retorno para Minas
Moradora do Vale do Amanhecer desde janeiro de 2020, Juliana* repensa a permanência no local diante da nova situação. A médium ─ que também está proibida de realizar trabalhos no templo ─ conta que chegou muito mal à doutrina, em 2010. Na época, enfrentava um quadro depressivo e foi curada após passar a frequentar a unidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais. “A cura aqui do Vale (do Amanhecer) está condenada se continuar deste jeito”, avalia.
Hoje, o diagnóstico, que até então era passado, aos poucos volta a assombrar a família que foi desestruturada com a mudança ocorrida antes da pandemia da Covid-19. Além de Juliana, seu marido ─ também médium na comunidade ─ voltou a encarar quadros depressivos.
“Se as coisas não melhorarem até março, eu vou embora daqui. [O trabalho] Não tem mais me auxiliado. A energia não é mais a mesma, a situação do templo não é mais a mesma”, queixa-se.
O outro lado
Procurado pela reportagem do Metrópoles, o atual líder religioso informou, por meio de sua assessoria jurídica, que não pretende se manifestar a respeito dos questionamentos.
*Nomes fictícios a pedido dos entrevistados.