Quebradas, pequenas, sem rampa. Calçadas do DF são motivo de vergonha
Estudo mostra que o brasiliense sofre para conseguir andar pelo local indicado mesmo em áreas de grande circulação da capital
atualizado
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O vaivém pela Rodoviária do Plano Piloto é frenético. Cerca de 700 mil pessoas circulam por ali diariamente, de acordo com dados do Governo do Distrito Federal. Mas são inúmeros os problemas pelo caminho dos usuários do terminal. A manutenção de calçadas e passagens para pedestres não parece ser prioridade da administração do lugar nem das autoridades locais – ao contrário do que seria esperado em um dos pontos de maior movimento do DF.
“Calçada? Isso não é uma calçada. Não tem uma passagem adequada. A gente tem que circular no meio dos ônibus e do barro, correndo risco de ser atropelada e de cair quando chove”, indigna-se a estudante Janaína Lima Araújo, de 22 anos, sempre em passo acelerado para chegar ao estágio.
Piores pontos
Se na rodoviária, por onde passam milhares de pessoas, a situação é ruim, em regiões da capital com menor movimento, o descaso com os pedestres torna-se ainda mais evidente. É o que revela estudo realizado pelo Sindicato da Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), que listou as 20 piores calçadas de Brasília e os principais problemas de cada ponto (veja mapa).
Ao lado do terminal do Plano Piloto, as vias W3 Norte e Sul estão entre os destaques nada elogiosos da lista. São vários os problemas, ressalta o engenheiro Eduardo Stahlhoefer, um dos responsáveis pela pesquisa.
Durante as visitas, notamos falta de manutenção, obstáculos para pedestres, inexistência de acessibilidade, calçadas fora do padrão e passagens usadas como depósitos de lixo. Calçadas ideais foram exceções.
Eduardo Stahlhoefer, engenheiro
Fora do Plano Piloto, a situação não muda. Presidente da Associação dos Portadores de Deficiência do DF (APDDF), Nilza Gomes, de 58 anos, conta que andar pelas cidades usando cadeira de rodas é um verdadeiro desafio.
“Costumo passar pelas regiões centrais de Taguatinga e Ceilândia. Em vários lugares não há sequer calçada. Em outros, elas estão quebradas. Parece que somos invisíveis para o governo, mesmo sendo milhares”, reclama, referindo-se a cadeirantes e pessoas com problemas de locomoção.
A falta de acessibilidade também foi constatada em estudo realizado pelo Tribunal de Contas do DF, em 2013. O órgão fez a pesquisa em vias movimentadas de 10 regiões administrativas e apurou que apenas 0,93% dos passeios estavam em condições de atender pessoas com necessidades especiais.
Padrões
Urbanista e professor da Universidade de Brasília (UnB), Frederico Flósculo explica que os problemas com as calçadas têm raiz no começo da capital. “O padrão estabelecido na época era semelhante ao usado nos subúrbios dos Estados Unidos, com uso de cimento e com faixas de pequenos jardins entre a passagem de pessoas e a rua”, detalha. Poucos anos depois, percebeu-se que aquele material não era ideal porque se deteriorava rapidamente. No exterior, o processo foi alterado; aqui não.
Para o especialista, há uma falta de empenho por parte do governo e das empresas contratadas para produzir obras de melhor qualidade. “Conhecimento técnico nós temos. Falta zelo com um quesito que é simplesmente fundamental ao ambiente urbano. Deveria haver projetos melhores e maior fiscalização”, aponta Flósculo.
Segundo as regras de construção, a calçada deve ser dividida em três partes (veja abaixo). O acesso, que fica mais próximo à rua, abriga os equipamentos urbanos, como postes e lixeiras, além das rampas de acesso. Chamada de passeio, a faixa central é destinada à circulação de pedestres: ela deve ter, no mínimo, 1,25m de largura e ser plana no sentido transversal. O recuo, mais próximo de casas, prédios e comércios, por exemplo, pode conter rampas, desde que nivelada com o passeio.
A competência para a execução das calçadas é dividida entre governo e população. No caso de terrenos privados, cabe ao proprietário fazer a obra. Em vias e prédios públicos, a tarefa fica a cargo do Executivo. Mas todos devem adequar os projetos às normas vigentes – o que nem sempre acontece, por falta de fiscalização.
“Essa regra [que divide responsabilidades] é um absurdo. A calçada, como espaço de trânsito público, deveria ser de responsabilidade apenas do governo.”
Frederico Flósculo, urbanista
Além de impedir a plena locomoção, a falta de padronização e a má conservação de calçadas representam um risco à integridade física da população. Estudo realizado pelo Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas, de São Paulo, revela que 18% das internações são decorrentes de acidentes em calçadas. O Sistema Único de Saúde (SUS) gasta, em média, R$ 40 mil com cada paciente, ainda segundo o levantamento.
Verba bloqueada
O Governo do Distrito Federal admite a má conservação das calçadas da cidade, mas alega falta de recurso para mantê-las. Segundo o GDF, R$ 61,8 milhões seriam aplicados em obras de recuperação, mas os trabalhos estão bloqueados, à espera de parecer do Tribunal de Contas local.
O TCDF confirma que há dois processos em avaliação. O primeiro, de R$ 9,8 milhões, é para obras no Riacho Fundo. Foi contestado no início de março devido à suspeita de irregularidades na licitação. A Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) entregou defesa em 30 de março e aguarda manifestação da Corte.
O outro processo é referente ao plano de recuperação de passeios em diversos pontos do DF, que somam R$ 52 milhões. O TCDF também apontou irregularidades técnicas, como o formato da licitação e o tipo de serviço. Segundo o órgão, apenas a manutenção de 50% das calçadas é insuficiente, pois boa parte dos passeios está completamente destruída. O GDF apresentou a defesa em março e aguarda nova avaliação.
Jogo de empurra
Quanto à fiscalização, o Executivo afirma promover ações constantes. Uma das mais recentes foi realizada em Águas Claras, onde responsáveis por prédios residenciais receberam notificação para adequarem a entrada dos condomínios em 60 dias.
A orientação para pedestres que vejam calçadas quebradas ou mal conservadas é procurar a administração regional, que, por sua vez, deve encaminhar a demanda à Secretaria de Cidades para acionar os órgãos competentes.
“Pedimos obras com frequência. Mas a Administração joga a culpa no governo, que coloca a responsabilidade nos proprietários dos terrenos. É um jogo de empurra-empurra sem fim”, reclama a representante da APDDF, Nilza Gomes.
O engenheiro Eduardo Stahlhoefer sugere a busca por outras entidades, que reúnem diversas reclamações e as repassam às autoridades. Um exemplo, é o site Corrida Amiga, onde o usuário pode indicar em um mapa o local onde há problemas. Os internautas podem comentar cada denúncia e dizer se o problema persiste ou foi resolvido.