Psicólogo de aluno da UnB: “Foi morto por intolerância à indiferença”
Lemgruber pressentiu o perigo rondando Jiwago: “Recomendei que fosse para a Bahia. Avisei que Brasília não estava preparada para ele”
atualizado
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Dezenas de pessoas estão, na tarde desta segunda-feira (25/6), na Capela 7 do Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul, onde o corpo de Jiwago Henrique de Jesus Miranda, 33 anos, é velado. Entre elas, o psicólogo da assistência social da Universidade de Brasília (UnB) Eduardo Lemgruber, 47, que acompanhava o aluno de perto. Ele contou que, um dia antes de o homem ser assassinado, recomendou que se internasse no Hospital Universitário de Brasília (HUB). “Ele foi assassinado pela intolerância à indiferença”, acredita.
Lemgruber pressentiu que o perigo rondava Jiwago. “Recomendei que fosse para o interior da Bahia morar com o pai. Avisei que Brasília não estava preparada para ele”, garantiu. Segundo o especialista, o aluno da UnB era de “difícil manejo”, mas muito inteligente. Tanto que chegou a concluir e apresentar o trabalho final de curso de filosofia. E foi aprovado. “Estamos vendo se conseguimos o diploma dele in memoriam“, disse.A mulher com quem Jiwago viveu por 13 anos e tem dois filhos gêmeos não se conforma. Uma das primeiras a chegar ao local onde o estudante foi assassinado, ao lado da Colina, na Asa Norte, disse que o rosto do ex-marido estava desfigurado. “Apoiaram a cabeça dele na pedra e bateram com outra. Espero justiça. Quero que alguém me dê uma resposta sobre o que aconteceu na UnB. Avisei que iam matar Jiwago e ninguém quis me ouvir”, ressaltou a chef de cozinha Vanice Silva Dantas, 47.
Segundo ela, o que fizeram com Jiwago foi crueldade e covardia. Vanice acusa a Secretaria de Saúde e a UnB de omissão. “A instituição foi omissa. O vice-reitor estava lá no local do crime e foi incapaz de me dirigir a palavra. Ele sabe quem eu sou, não devo nada a ele. Por que não falou comigo? Jiwago dizia que a universidade era uma mãe pra ele, mas que mãe é essa que abandona o filho e que age com omissão assim “, disparou.
Estudante do terceiro semestre de ciências sociais, Mariana Freitas, 22, também foi ao velório. “O conhecia de vista. Sempre aparentou ser muito tranquilo e gostava muito de conversar. Uma vez ou outra aparentava estar mais agitado, mas nunca foi agressivo”, afirmou.
Perguntada sobre possíveis desavenças, ela disse que Jiwago já chegou a ser agredido por estudantes em outros episódios. “Como vivia nessa situação marginalizada, foi espancado outras vezes, mas ninguém imaginou que isso fosse acontecer”, acrescentou.
Investigação
Até agora, ninguém foi preso. Seguranças da UnB prestaram depoimento na 2ª Delegacia e Polícia (Asa Norte) nesta segunda-feira (25). Os investigadores querem chegar à autoria do homicídio. O corpo do aluno foi encontrado no sábado (23/6) em um matagal perto do Bloco J da Colina.
Paralelamente aos depoimentos, agentes seguem nas ruas atrás de testemunhas e imagens de câmeras de segurança que podem ter registrado movimentações suspeitas na região. Jiwago teria sido executado com golpes de pedra.
Bipolar
Matriculado no curso de filosofia, Jiwago era membro da comunidade acadêmica havia nove anos. Durante o dia, ele frequentava as aulas. À noite, dormia em cantos escondidos da universidade. Ele despertava a atenção dos colegas por ser gentil e educado. Mas, nos últimos meses, não parecia bem e estava agressivo com quem se aproximava.
Segundo relatos de familiares e amigos, Jiwago foi diagnosticado com bipolaridade e esquizofrenia. Como desde 2016 não seguia o tratamento prescrito, estava “extremamente surtado”. De acordo com Vanice, o ex-marido não estava conseguindo, há mais de dois anos, pegar os remédios na rede pública. A falta de medicação o deixou à mercê dos efeitos das doenças.
A Secretaria de Saúde diz que não há registro de passagem do estudante pelas farmácias de alto custo da rede. A mulher afirma, porém, que o cadastro dele foi recusado.
A universidade decretou luto de três dias a partir desta segunda-feira (25). Em nota, a universidade disse que Jiwago ingressou no curso de ciências sociais em 2004. Foi desligado em 2007, por não ter cumprido condições acadêmicas obrigatórias para a permanência. Reingressou na Universidade em 2009, para o curso de licenciatura em filosofia.
“Desde que entrou para a comunidade da UnB, passou a fazer parte do Programa de Assistência Estudantil, tendo recebido auxílio de diversas formas, em diferentes épocas: auxílios moradia (na modalidade pecúnia), socioeconômico e refeições gratuitas no Restaurante Universitário”, destacou.
Os auxílios, porém, foram sendo cancelados ao longo do tempo, segundo a UnB, por conta das normas relacionadas ao tempo de permanência no Programa de Assistência Estudantil. Em fevereiro desde ano, Jiwago deixou de receber o auxílio-socioeconômico, ficando apenas com o acesso ao RU.
Este mês de junho, contudo, teria apresentado comportamento agressivo, tendo ofendido e ameaçado servidoras e funcionárias terceirizadas que atuam no restaurante. “Uma delas chegou a registrar queixa na polícia. Por conta disso, estava suspenso do RU desde o dia 14”, informou a UnB.
Jiwago vivia em situação de rua há, pelo menos, dois anos. “Recebia acompanhamento dos psicólogos da Diretoria de Desenvolvimento Social, do Decanato de Assuntos Comunitário (DDS/DAC) da UnB. Entre os meses de abril e maio, a equipe do DDS chegou a ministrar o medicamento que ele precisava tomar diariamente (e que havia sido prescrito pelo serviço de saúde)”.
Ao longo dos anos, o estudante foi diversas vezes levado aos Caps Transtorno, da Asa Norte, Álcool e Drogas, do Setor Comercial Sul, ao Hospital de Pronto Atendimento Psiquiátrico (HPAP) e ao Hospital Universitário de Brasília (HUB). Recentemente, devido às condições sociais e de saúde de Jiwago, o Decanato recomendou que ele fosse recebido pela emergência do HUB. O hospital estava a postos para acolhê-lo.
“A Universidade de Brasília lamenta profundamente a morte do estudante e reitera que tomou todas as medidas necessárias para que ele cumprisse sua jornada acadêmica e para que fosse acolhido pelo sistema de saúde”, conclui a nota.