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Promessas ao vento: comunidade do DF amarga mais um ano sem asfalto

Um ano após reportagem especial, Metrópoles volta à DF-326, na Fercal, para mostrar que, apesar de avanços, as estradas ainda são de papel 

Imagem de caminhão passando na estrada de terra
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Em meio à poeira da seca de Brasília, a cerca de 34 quilômetros do Congresso Nacional, Noemia Rodrigues, 60 anos, prepara a neta Sofia, 5, para ir à aula. A menina estuda na escola classe Lobeiral e aguarda na entrada da comunidade pelo transporte escolar. Durante a espera, a avó e a criança engolem a terra que é jogada nos ares pelos carros que passam na DF-326.

A terra que suja a roupa e paira sobre o cotidiano da família já não deveria ser um problema na vida da população daquela região. Em 2021, foi prometido que, em um ano, aquele trecho seria pavimentado. A data prevista e anunciada para a conclusão era julho de 2022. O Metrópoles mostrou a agonia dessas pessoas em agosto de 2023, quando os prazos eram prorrogados, e a obra só recebia brita e água de caminhão-pipa.

Um ano após a publicação da reportagem especial “Estradas de Papel“, a equipe retornou ao local para ver se havia ocorrido alguma mudança. O contrato que previa 4,4 km de pavimentação foi cumprido pela metade. Nesses 2 km, que também não estão completos, o material usado é uma camada fina de pista, que em menos de 12 meses já se quebrou.

Após anos de espera, a população se depara com um asfalto incompleto e que, em trechos, tem uma espessura menor que de uma moeda de 50 centavos. A obra em questão é de competência da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e executada por uma empresa local, que vem conseguindo prorrogar as entregas.

Só neste ano, três aditivos de contrato foram firmados. Todos prorrogando o prazo de entrega. A obra, que já estava atrasada no ano passado, conseguiu ser jogada para março. Depois, para junho. Agora, a nova previsão é para 26 de agosto.

No entanto, a poucos dias do novo prazo final, a pista segue com uma camada asfáltica fina e frágil.

Contrato de milhões, asfalto de “centavos”

Os moradores da comunidade de Lobeiral não aguentam mais a demora. Eles chamam a pavimentação de “engana bobo”. “Fizeram uma capa, né. Aquilo não é asfalto”, ressalta Noemia.

“Para mim, não mudou ainda nada”, disse Thiago Jesus Silva, 16, estudante da escola Queima Lençol, na DF-326. “A gente continua aqui esperando na poeira. A gente se arruma para ir para aula, mas chega todo sujo”, acrescenta.

Dos dois quilômetros em que obras foram feitas, apenas os 400 metros iniciais receberam a execução do pavimento em Tratamento Superficial Duplo (TSD), segundo informa a Codevasf. No restante, é uma camada anterior ao pavimento, não sendo, então, o trecho finalizado. Para a realização da obra, foram emitidas duas notas de empenho: uma no valor de R$ 7 milhões e outra de R$ 8 milhões.

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A Codevasf informou que o contrato tem valor de R$ 7.992.735,24 e que o outro empenho será cancelado.

“Aquilo ali não pode ser considerado asfalto. E tem uma boa parte daqui que é só poeirão”, pontua a estudante Anna Júlia Lopes, 18. “Até a placa que falava da obra caiu, e ninguém põe mais”, diz a jovem.

A observação de Anna não é à toa. Há um ano que o Metrópoles acompanha as mudanças de datas constantes. Em 7 de junho de 2023, quando a reportagem esteve lá pela primeira vez, já foi possível constatar o atraso de um ano das obras. A pavimentação começou em julho de 2021, com previsão para ser concluída em 2022, o que não aconteceu.

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Sofia espera o ônibus com a avó Noemia
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Em 14 de junho de 2023, uma semana depois da primeira visita, as placas antigas tinham sido removidas. Um painel novo, improvisado, trazia outra data para conclusão do serviço: 5 de dezembro.

Em agosto de 2024, a previsão de ter sido finalizada há oito meses segue exibida na placa informativa da entrada. Perto da escola, contudo, a sinalização que existia caiu, e até o momento nenhum sinal de ser reposta.

“Acho que, em três anos, já dava para fazer um asfalto nesse trechinho”, especulou a estudante.

Para a aluna Emilly Vitória,Rodrigues, 15,  a época de chuva consegue ser pior do que durante a seca. “Mexeram nessa terra toda aqui e, quando chove, essa estrada vira um lamaçal”, lamenta.

“Tem vezes que nem o ônibus passa. Nesse ano mesmo, teve um dia que eu desci e, como estava de tênis branco e não queria sujar, andei descalça”, lembra. “A gente anda assim, descalça, escorregando e morrendo de medo de levar um tombo”, desabafa.

A Codevasf admite o atraso, mas atribui a responsabilidade à Shox – empreiteira contratada. A companhia também informa que, no início da obra, foi identificada a necessidade de ajustes no projeto executivo. De acordo com a companhia, caso a empresa não conclua a obra no prazo (26 de agosto), a Codevasf planejará nova contratação.

O empresário Denilson Rezende Bonfim, que fundou a Shox, negou que o asfalto seja de qualidade ruim. “Essa obra está devidamente fiscalizada e possui acompanhamento e controle de qualidade”, afirma.

O Metrópoles questionou os motivos do atraso, mas não obteve resposta até a última atualização deste texto.

Estradas de papel

A reportagem especial “Estadas de Papel” apontou que mais da metade das obras de pavimentação da Codevasf, com verbas federais, fica só na promessa. Na época, foi apresentado que, de janeiro de 2021 até agosto de 2023, a companhia havia fechado contratos com 45 empresas para pavimentação de vias públicas, ao preço total de R$ 1,01 bilhão.

A taxa de execução das obras é baixíssima, o que mostra que a realidade das estradas do Distrito Federal e de Alagoas percorridas pela reportagem é algo que se alastra país afora. De acordo com dados da própria estatal, nada menos que 85 dos contratos – mais da metade, portanto – têm 0% de taxa de execução.

A reportagem ganhou, no mesmo ano, o prêmio da Confederação Nacional do Transporte (CNT), um dos mais tradicionais no jornalismo nacional.

Neste mês o mesmo material é finalista do Premio a la Excelencia Periodística, concedido por La Sociedad Interamericana de Prensa (SIP) – uma das honrarias mais importantes do jornalismo ibero-americano.

O concurso internacional reconheceu ainda trabalhos dos seguintes veículos: El País, La Nación, Rolling Stone e Agência France-Presse.

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