Projeto premiado ensina jovens socioeducandos do DF por meio do rap
O estilo musical é um meio de ressocialização para os jovens da unidade de internação de Santa Maria através do Projeto RAP
atualizado
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“Um futuro feliz depende do agora. Construa a felicidade no ambiente da escola”. É através do rap que o jovem L.H, 18 anos, consegue se expressar melhor. Em frases ritmadas, ele encontra um espaço livre, educativo e democrático para transmitir pensamentos sobre a sua realidade dentro do sistema socioeducativo e vislumbrar sonhos para o futuro.
O premiado Projeto RAP (Ressocialização, Autonomia e Protagonismo) – que ajuda jovens que cumprem ou já cumpriram penas por atos infracionais na Unidade de Internação de Santa Maria – usa a música e a poesia do rap como ferramentas pedagógicas para promover os valores da cultura de paz, dos direitos humanos e da sustentabilidade.
“Eu acho que o projeto é uma salvação pra mim, porque eu sempre sonhei em cantar. A música me deu uma vida melhor. Estou na caminhada dentro do projeto há quatro meses. Eu cresci na Ceilândia que tem muitos projetos musicais, então sempre estive ligado à música”, conta L.H.
Veja relatos:
A iniciativa surgiu em 2015, como uma metodologia de ensino para as aulas de história ministradas na unidade. Em nove anos de existência, o projeto alcançou mais de 1,5 mil jovens e soma diversos lançamentos culturais, como curtas-metragens, CDS e livros com composições dos participantes.
“Antes eu pensava de um jeito, que eu não ia conseguir mudar de vida. E, através das minhas letras, eu mesmo vejo a minha mudança. Eu era um menino que aprontava muito aqui dentro. Depois do Projeto RAP, já era, agora eu tô indo embora da unidade, e acredito que eu vou ser a nova geração da música”, comemora o rapper que adotou a alcunha de MC LZ.
Além de cantar, o jovem também escreve as letras das próprias músicas. Segundo ele, as canções contam sobre a história dele de superação diante do mundo do crime.
“Eu só canto o que eu vivo. Às vezes eu faço uma citação de coisas que não vivi, mas que ainda vou poder viver. Também falo de superação, das quebrada e da vivência dos moleques que estão aqui dentro [sistema socioeducativo]”, detalha L.H.
Além dele, outros jovens e adolescentes da Unidade de Internação de Santa Maria também participam do projeto. Atualmente, cerca de 60 socioeducandos fazem parte do programa musical.
Antes de ingressar no projeto, G.C, 19 anos, já escrevia algumas letras de rap, mas o sonho de virar MC veio através do programa no qual participa há um ano.
“O Projeto RAP me deu inspiração para continuar. Ele tá me ajudando a ver que o crime não é a única opção, que quando a gente sair daqui não vamos estar sozinhos, que vamos ter apoio. Basta acreditar que tudo vai dar certo”, fala G.C.
O jovem, que se apresenta como MC GL, conta que encontrou no rap uma forma de exaltar a mãe, que é admirada por ele em muitas de suas composições. “Falo sobre meu cotidiano aqui dentro, às vezes sobre ostentação, e gosto de falar também sobre as mãe batalhadores e o que elas fazem por nós”, comenta.
Projeto de emancipação
Em 2015, o servidor da Secretaria de Educação do Distrito Federal, Francisco Celso Leitão, 44 anos, começou a desenvolver o projeto, com a convicção de que a cultura e a educação poderiam transformar vidas. O programa, hoje, contribui para a redução da reincidência juvenil e para a inclusão dos jovens no mercado musical.
Para romper o ciclo de violência, o programa mantém o acompanhamento dos egressos, alguns desde 2018. Os educadores oferecem ferramentas para que os jovens se profissionalizem por meio da cultura criativa.
Francisco afirma que não há ressocialização sem renda. O projeto oferece emancipação aos jovens, aumentando a autoestima, melhorando a escrita, a oralidade, o poder de argumentação, a expressão corporal e, acima de tudo, gerando renda.
“No meu trabalho como professor de história dentro da unidade, eu percebi duas coisas, primeiro que os jovens tinham perdido completamente a capacidade de sonhar. E segundo, eu percebi que eles não se viam nas histórias contadas nos livros didáticos, mas sim nas histórias narradas nas letras de rap. Então, costumo dizer que não fui eu que escolhi o rap como ferramenta pedagógica, foram eles que me apontaram”, conta Francisco.
Na Unidade de Santa Maria, 80% dos internos se autodeclaram negros e 100% são moradores de regiões periféricas do DF e entorno. Francisco afirma que os jovens se identificam com o rap por ser um ritmo negro surgido nas periferias da Jamaica, que denuncia mazelas sociais semelhantes às enfrentadas no Brasil.
“Geralmente esses jovens são de de extrema vulnerabilidade social, e os serviços fundamentais e direitos fundamentais não chegam pra eles, ou quando chegam, chegam de forma precária. Então, a gente tenta por meio do projeto quer distanciar ele do mundo infracional e inserir em um ciclo virtuoso, através da arte e da cultura”, explica o professor.
O projeto tem ampliado as parcerias com órgãos governamentais e não governamentais para oferecer mais oportunidades para os jovens participantes. “A ideia é que o projeto vire política pública e que seja levado para outras seis unidades do Distrito Federal”, conclui o servidor público.
Projeto premiado
Ao longo desses nove anos, o projeto já recebeu 22 prêmios. De acordo com o idealizador, se tudo der certo, o programa pode alcançar a marca de 25 premiações ainda este ano.
Isso porque a iniciativa é uma das finalistas da 6ª edição do Prêmio Espírito Público, maior premiação concedida a servidores públicos no país. O resultado está previsto para ser divulgado no dia 24 de julho.
O Projeto Rap também é o grande vencedor da etapa nacional do V Prêmio Ibero-americano de Educação em Direitos Humanos Óscar Arnulfo Romero. O prêmio tem duas fases: uma nacional, que reconhece as melhores iniciativas de cada país; e uma ibero-americana, onde os três melhores projetos serão premiados com US$ 8 mil para o primeiro lugar, US$ 4 mil para o segundo e US$ 2 mil para o terceiro.
A cerimônia de premiação internacional será realizada em setembro no Rio de Janeiro, durante o V Encontro Ibero-americano de Educação em Direitos Humanos, organizado pela Organização de Estados Ibero-americanos (OEI).
Além disso, o projeto está concorrendo ao World’s Best Schools (melhor escola do mundo), que prestigia as melhores escolas por meio de cinco categorias: Colaboração Comunitária, Ação Ambiental, Inovação, Superação de Adversidades e Apoio a Vidas Saudáveis. A votação popular desta premiação foi encerrada e os vencedores devem ser anunciados em novembro.