Projeto pioneiro no país promove ressocialização de presos do Entorno
Parceria entre o Estado e o Judiciário, com apoio da sociedade civil, oferece a detentos chance de ter emprego e sonhar com um futuro melhor
atualizado
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“Não basta encarcerar, temos de dar oportunidades para o preso se ressocializar”, defende a juíza titular da 1ª Vara Criminal e de Execução Penal de Águas Lindas (GO), Cláudia Silvia de Andrade, 44 anos. A magistrada é responsável por um projeto pioneiro de políticas alternativas penais intitulado Trilhando um Novo Caminho, desenvolvido há cerca de quatro meses na cidade do Entorno do Distrito Federal.
Por meio dele, detentos dos regimes aberto, semiaberto e fechado do presídio regional têm a oportunidade de reduzir a pena, bem como serem reintegrados à sociedade por meio da execução de trabalho remunerado, ao mesmo tempo em que ajudam na revitalização de espaços públicos do município.
Nos próximos meses, a iniciativa abrirá 300 vagas. Atualmente, 34 presos participam do programa: 27 do regime semiaberto e sete do fechado. Eles atuam na revitalização de praças, quadras esportivas, meios-fios, gramados, entre outros espaços públicos. As atividades são acompanhadas por agentes da segurança pública.
O projeto de ressocialização se dá por meio de parceria entre a 1ª Vara Criminal da comarca local com a prefeitura de Águas Lindas e a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) da cidade. A colaboração permitiu a assinatura de uma lei municipal que criou a Secretaria de Políticas Alternativas Penais.
“Criamos a primeira secretaria específica para esse tipo de trabalho no Brasil. Mas, por que era necessário ter uma pasta? Porque ela garante robustez — tanto legal, por meio da lei, quanto de recursos financeiros — para comprar a matéria-prima necessárias às obras e remunerar os reeducandos”, afirma a juíza Cláudia Andrade.
“Túnel do sistema carcerário”
Além do trabalho, a iniciativa oferece cursos de profissionalização aos reeducandos em diversas áreas de atuação. Secretário municipal de Políticas de Alternativas Penais, Jaime Silva destaca a importância do projeto como uma medida positiva para a ressocialização dos encarcerados.
“Não queremos só que eles trabalhem, mas, também, sintam-se importantes. Não adianta só fazer o serviço braçal. A ressocialização, para mim, é fazer essa pessoa voltar para o mercado de trabalho de uma forma digna”, salienta Jaime.
O secretário da pasta lembra que o programa reabilita pessoas privadas da liberdade enquanto promove a restauração de espaços comunitários da cidade. “Eles sabem que, apesar de terem cometido um crime e sido condenados, é possível voltar atrás. Este é o foco da secretaria: tirá-los do fundo do túnel que é o sistema carcerário e colocá-los para caminhar, ter uma nova história, trilhar um novo caminho”, completa.
Remuneração e redução de pena
A cada três dias de trabalho, o reeducando tem um dia de pena reduzido. A juíza afirma que o critério para inclusão no projeto não se baseia no crime cometido, mas na boa conduta dele no presídio, bem como na demonstração de arrependimento e do interesse em mudar de vida. “Ele aprende que o trabalho é o melhor passo para uma vida digna, que compensa mais do que o crime”, destaca Cláudia.
O trabalho é remunerado com um salário mínimo (R$ 1.320), valor depositado em uma conta acessada diretamente pelos presos do regime aberto ou pela família daqueles do sistema fechado. A triagem é feita dentro dos presídios, e os detentos podem ser desligados da iniciativa se violarem alguma das regras de bom comportamento em qualquer área, tanto na unidade prisional quanto nos locais de trabalho.
“A população tem acolhido nosso projeto, que tem melhorado a qualidade de vida. Alguns dos espaços reformados eram pontos de tráfico e, há anos, estavam abandonados e depredados. Agora, eles [os reeducandos] limpam, pintam e fazem calçadas nesse locais. Eles se sentem gratos pela oportunidade”, comenta a juíza, que atua na comarca de Águas Lindas desde 2013. “Começamos com artesanato, Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e inauguramos uma biblioteca, mas nada se compara ao projeto atual.”
Novo caminho a trilhar
Entre os reeducandos, há vários que conseguiram se qualificar e voltaram para o mercado de trabalho. Mestre de obras, Jânio Antônio da Silva, 45, é um dos detentos do regime fechado que participa do projeto. Ele acredita na iniciativa como uma oportunidade única para mudar de vida desde que foi preso, há cinco anos.
“Todo mundo precisa de oportunidade para mudar de vida. Nós trabalhamos com remição de pena, somos remunerados e capacitados. Antes da prisão, eu também atuava no ramo das obras. [O projeto] é uma forma de a sociedade ver que erramos, mas estamos pagando. Temos a chance de voltar [para o meio social], e a população tem nos recebido”, comenta Jânio.
Wesley Dias Alves, 38, é reeducando do regime semiaberto e conta que os colegas têm se esforçado para “limpar os nomes perante a sociedade”, pois também querem a chance de trilhar um novo caminho.
“O trabalho que fazemos é de coração e bem feito. Temos dado nosso melhor nesse projeto e abraçado a oportunidade que nos foi dada. Todo ponto da cidade tem um pouco de talento da gente, e isso é bastante gratificante. Ficamos felizes, passamos, tiramos foto também, e as pessoas reconhecem”, comemora Wesley.
Apoio de motoclube feminino
Entre as mulheres, há 10 presas que integram o projeto de ressocialização. Elas participaram do primeiro curso de capacitação do programa, promovido pelo Hecates Motoclube, formado apenas por motociclistas do sexo feminino.
As reeducandas tiveram aulas para aprender a preparar bombons recheados e ganharam kits para, posteriormente, usar os conhecimentos adquiridos a fim de conseguir renda com a venda de chocolates.
O workshop desenvolvido pelo motoclube feminino é uma das frentes de atuação do grupo de motociclistas, que desenvolve ações para a valorização de mulheres em situação de vulnerabilidade e levou as iniciativas a presas de Águas Lindas.
Mãe de cinco filhos, Elisângela Ribeiro, 43, relata que sempre rezava no presídio para, um dia, ter a oportunidade de se ressocializar. Agora, ela sonha com o fim da pena, de um ano e seis meses, e com o momento de sair da prisão com um trabalho digno.
“Com esse curso de capacitação, quero tentar a vida como confeiteira. E, o mesmo que penso para mim, quero para todos que estão aqui [no projeto]: que tenham oportunidade de mudar de vida, pois, a que levamos dentro da prisão, não desejo para ninguém”, finaliza Elisângela.