Professora que apurou fraude em cotas na UnB: “Tinha branco de olho azul”
Universidade expulsou 15 estudantes, anulou créditos de oito e cassou o diploma de dois. Agora investiga novas 100 denúncias
atualizado
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Os universitários acusados de fraudar o sistema de cotas raciais da Universidade de Brasília (UnB) são pessoas claramente brancas. A investigação iniciada em 2017 e concluída nesta semana pela instituição apontou 25 fraudadores. Desse total, 15 foram expulsos, dois perderam os créditos cursados e mais dois, que já tinham concluído a graduação, tiveram os diplomas cassados. Outro fato chama a atenção: a maioria dos acusados expulsos era dos cursos de direito e medicina.
A professora Renísia C. García Filice, participante da Comissão de Heteroidentificação na Pós-Graduação da UnB, participou da primeira comissão de avaliação do caso com o objetivo de averiguar a pertinência das denúncias. Segundo a docente, jovens loiros e de olhos azuis entraram em vagas reservadas para a inclusão da juventude negra.
“Qualquer um, ao ver as pessoas denunciadas, não poderá ter dúvida alguma da burla, fenotipicamente. São pessoas efetivamente brancas”, cravou. “É inquestionável que essas pessoas fraudaram. Essas pessoas são brancas. Tem pessoas loiras de olhos azuis. Isso é gritante”, destacou a docente.
Em três anos de apurações, a investigação passou por duas comissões de análise. De acordo com Renísia, a apuração de cada caso foi criteriosa, respeitando o direito de ampla defesa dos estudantes denunciados. A análise começou com 100 denúncias. Grande parte foi descartada ao longo dos trabalhos, por diferentes razões.
“Muitos deles [investigados] desistiram do curso, viram o erro ou houve equívoco de denúncias. ‘N’ coisas acontecem. Por isso, foi necessária essa triagem com todo o cuidado. O trabalho das comissões foi bem criterioso”, comentou.
Recomendação
A conclusão do processo com punição a 25 fraudadores é inédita na história da UnB e foi encaminhada para o Ministério Público Federal (MPF). Pioneira na implementação de cotas na graduação, a Universidade de Brasília tinha até 2013 bancas de avaliação presencial de cotistas, também conhecidas como bancas de heteroidentificação. Depois, elas foram descartadas. A universidade passou a contar apenas com a autodeclaração dos candidatos.
A pós-graduação, que recentemente instituiu o sistema de cotas para negros e indígenas, conta com as bancas. Do ponto de vista de Renísia, essa instância de análise deveria voltar a ser adotada na graduação. As fraudes começaram justamente a partir de 2014. A própria comissão de averiguação sugeriu o retorno do mecanismo.
Com base em sua experiência em bancas de heteroidentificação, Renísia revela que, de maneira geral, fraudadores recorrem a uma suposta ascendência negra – por parte de avós, bisavós e outros parentes – para justificar o ingresso na universidade pelo sistema de cotas raciais. “Mas as políticas afirmativas são destinadas ao indivíduo negro. É o fenótipo que conta”, reitera a professora.
Reconhecendo erros
A UnB investiga mais 100 denúncias de novas fraudes nas cotas raciais. De acordo com a professora Renísia, os resultados da primeira investigação começaram a gerar resultados positivos no ambiente acadêmico.
“Eu posso te garantir que alguns estudantes estão dizendo: ‘olha, eu reconheço que eu errei’. Falo isso de estudantes em geral, mas alguns que estão sendo investigados também. É um processo educativo. Alguns insistem no erro. Outros não”, ressaltou a docente.
Segundo a professora, parcela da comunidade acadêmica resistente ao retorno das bancas de heteroidentificação também está mudando de opinião. “A postura das banca não é acusativa. O professor senta para conversar. A postura é educativa. Queremos que o aluno compreenda o que ele está burlando. Averiguamos as denúncias e fornecemos os elementos para que a universidade possa fazer cumprir a lei”, explicou.
Na avaliação de Renísia, as políticas afirmativas geram resultados expressivos. Mas precisam de mecanismos de controle e transparência para assegurar a lisura dos processos.
“As políticas afirmativas estão proporcionando um quadro extremamente qualificado de estudantes negros. Eles não teriam condições de concorrer com estudantes de escolas particulares, treinadas constantemente em simulados”, destacou.