Professor do DF atua como agiota e ameaça servidores da Educação
Segundo docentes, há uma rede de criminosos que explora servidores com juros altos. Uma das vítimas listou 16 agiotas em atuação na capital
atualizado
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Um professor da rede pública de ensino do DF protagoniza uma rede de especulação financeira, que tem como alvo a exploração de servidores da capital federal. O docente do ensino fundamental Marco Antônio Vidal (foto em destaque) usa da ameaça, da extorsão e do medo para lucrar em cima de dívidas com juros superiores ao limite legal. No jargão jurídico, a prática é identificada como crime de usura; na linguagem popular, é conhecida como agiotagem.
O Metrópoles conversou com três professoras que devem dinheiro ao agiota, identificado por elas como perigoso e imprevisível. “Ele faz ameaças, diz que vai arrancar o couro da pessoa. Uma amiga tentou suicídio por causa dessas mensagens”, contou uma das docentes, que tem 45 anos. As denunciantes não serão identificadas nesta reportagem para evitar possíveis retaliações.
“Eu estava precisando pegar dinheiro emprestado e não conseguia no BRB. Aí uma amiga me indicou. Ela disse, ‘Olha, tem um agiota que me empresta'”, detalhou a vítima. A professora explica que tomou emprestado R$ 2,5 mil de Marco. No início, a mulher pagou sem problemas, mas em determinado mês, atrasou alguns dias o depósito e foi aí que começaram os problemas.
“Ele disse que, por eu ter atrasado o pagamento, perdeu um cliente, e passou a me cobrar por causa disso. Como não consegui pagar quando ele pediu, a dívida aumentou por causa dos juros”, narra a mulher.
Para se livrar do assédio de Marco, a vítima tomou empréstimo com outro agiota, e para pagar este, pediu dinheiro a um terceiro. A mulher precisou pedir transferência do local em que trabalha para fugir dos cobradores.
“Conheço pelo menos outras 25 professoras que devem pro Marco”, detalhou a mulher. A reportagem teve acesso a conversas de WhatsApp que mostram a forma agressiva de cobrança do agiota, além de áudios com ameaças veladas.
“Você pegou grana, tem que pagar, cara. Não quero saber se morreu alguém, tem que pagar”, diz o agiota em um dos áudios.
Em outra gravação, depois de uma vítima pedir respeito a Marco, o homem esbraveja: “Não tenho que ter cuidado de porra nenhuma, você que tem que ter cuidado de não me pagar”. Uma outra vítima de Marco, também de 45 anos, explica que na verdade ele não é o único a explorar dívidas de servidores da educação. A mulher listou nada menos que 16 agiotas em atuação na capital, todos eles emprestam a servidores do governo distrital.
“É uma máfia que tá comendo o servidor público pelas pernas”, definiu a segunda professora.
A mulher conta que perdeu tudo em decorrência dos altos juros cobrados. Assim como a colega, ela passou a pegar dinheiro emprestado de um agiota para pagar outro, e, atualmente, deve aos 16 que conhece. Agora, a professora mora de favor em uma quitinete, escondida das pessoas para quem deve. Ela perdeu a casa, o carro, viu o fim do casamento, inclusive perdeu também a guarda do filho.
“Eles me tiraram tudo, pode botar aí, me roubaram tudo. Ameaçaram meu marido, meu filho, estou com depressão, tomando mais de quatro calmantes por dia. Tentei dois suicídios pra tentar acabar com essa história inteira”, desabafou a professora. “Essa semana mesmo ele me ameaçou de morte, estou com muito medo”, diz a mulher.
“Conforme cai, vou emprestando”
A reportagem se passou por um possível cliente de Marco na tarde de sexta-feira (12/8) e tentou conseguir um empréstimo com urgência. Pelo telefone, uma repórter se passou por servidora da Caesb, afirmou que sabia que Marco é agiota e pediu R$ 1,5 mil com urgência. “Estou esperando alguns pagamentos, aí conforme cai eu vou emprestando. Você vai ter que entrar em contato mais tarde ou amanhã pra gente ver como é que fica isso”, respondeu Marco.
Ouça a conversa:
Uma outra vítima de Marco, de 38 anos, pegou empréstimo de R$ 5 mil, mas não conseguiu pagar porque teve um problema de saúde. Apesar das complicações, a mulher conseguiu quitar a dívida, mas afirma que ainda assim o homem continuou cobrando, até que ela o bloqueou no WhatsApp.
“Ele manda recado pelas minhas amigas, pergunta meu endereço para acertar as contas comigo. Isso aí é um modo de retaliação, uma ameaça mesmo, diz que tem um amigo que vai me achar, que vai fazer acontecer”, narra a docente.
A professora explica que recorreu ao agiota por não conseguir empréstimos em banco. De acordo com as três vítimas ouvidas pela reportagem, Marco cobra juros acima de 15%. Para a última, ele cobrou 20%. Segundo uma delas, todos os agiotas se conhecem, e a forma de atuação deles é parecida. Entre os 16 agiotas listados, ele estaria entre os mais perigosos, segundo as mulheres.
Apesar disso, o homem responde a apenas um boletim de ocorrência por ameaça, aberto na 27ª Delegacia de Polícia (Recanto das Emas). O delegado-chefe da unidade, Diogo Carneiro, explica que existem investigações sobre atuação de agiotas; no entanto, a apuração fica prejudicada porque as vítimas têm medo de passar detalhes às autoridades.
“A situação está acontecendo, mas estamos tendo problema em relação às vítimas, que têm medo de registrar ocorrência. Também por medo não citam nome nem telefone [dos agiotas]. É um crime que elas vêm sofrendo e têm medo de expor isso”, explicou Carneiro. Segundo o delegado, o que chega para a polícia é por terceiros — conhecidos que acompanham o drama e tentam ajudar de alguma forma —, não pelas vítimas diretamente.
Ainda segundo o delegado, quando alguma professora fica muito endividada com um dos agiotas, ela passa a trabalhar para ele, cooptando novas pessoas que precisam de empréstimos. “É importante deixar claro como eles atuam”, registrou Diogo Carneiro. “Em relação ao Marco, há um boletim de ocorrência de ameaça contra uma professora, mas a investigação foi transferida para a 12ª DP [de Taguatinga Sul], porque a ameaça teria acontecido em frente ao Cartório de Taguatinga”, completou o investigador.
Uma das vítimas ouvidas pelo Metrópoles tentou abrir um boletim de ocorrência em outra unidade policial. A mulher conta que, na delegacia, foi desencorajada. “Disseram que o crime é de baixa letalidade. Um agente me falou que um agiota botou fogo no carro de um cliente na frente da casa dele, mas a polícia não conseguiu fazer nada. No fim, ele disse ‘paga suas dívidas e não mexe mais com isso'”, narrou.
Outro lado
A reportagem ligou para Marco Antônio Vidal na noite dessa sexta-feira (12/8). O homem negou atuar como agiota. “Tá maluco, rapaz, quem dera se eu tivesse pra isso”, disso o professor, aos risos. Questionado sobre a ligação feita pela reportagem em que ele garantiu conseguir emprestar dinheiro de forma rápida, Marco afirmou que na verdade negou a quantia. “Você viu que eu neguei, não foi? Eu disse que ela tinha que ligar. Na verdade, eu estava até dormindo na hora”, explicou.