Prisão de cartel leva Câmara Legislativa a retomar análise de projeto que autoriza postos em supermercados
Proposta rejeitada na Casa em 2011 foi reapresentada e está pronta para ir a plenário. Desta vez, os distritais prometem aprovar o tema, que contraria os interesses do grupo que inflaciona o preço dos combustíveis no DF
atualizado
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A fogueira do cartel de combustíveis que atua no Distrito Federal, desbaratado na terça-feira (24/11), reacendeu os debates sobre um tema já rejeitado pelos parlamentares. Doze anos após uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) constatar a existência do grupo responsável por aumentos abusivos no preço da gasolina e do álcool — que continuou a atuar e inclusive doou recursos para as campanhas de muitos distritais —, os parlamentares vão tirar da gaveta o projeto de lei que autoriza a instalação de postos em hipermercados e shoppings da capital.
A matéria afronta os interesses dos empresários que dominam o setor no DF, e o autor da proposta, deputado Chico Vigilante (PT), trabalha para o texto ser votado na próxima terça-feira (1º/12). O tema, que já foi alvo de idas e vindas na Câmara em outras ocasiões, sempre esbarrou na burocracia parlamentar. Desta vez, com a prisão de sete integrantes do cartel e ao menos outros 25 suspeitos investigados, os distritais prometem votar o texto. Mas já avisaram que vão propor emendas.A proibição de instalar postos de abastecimento, lavagem e lubrificação nos estacionamentos de supermercados, hipermercados e shoppings centers está na Lei Complementar n° 294 de junho de 2000. Na quarta-feira (25), o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) pediu ao governador Rodrigo Rollemberg (PSB) o fim do monopólio no setor, mas afirmou esperar uma mudança na legislação do Executivo.
Chico Vigilante sustenta que não há vício de iniciativa no projeto elaborado por ele, e que os parlamentares podem votá-lo na semana que vem. “O projeto revoga uma decisão que foi do Legislativo. Apresentei no início desta legislatura. Ele estava na Comissão de Assuntos Fundiários (CAF), mas o prazo expirou em abril, por isso, pode ir direto a plenário”, afirmou. Para o petista, esses empreendimentos já poderiam estar em operação e estimular a concorrência. “Existe um posto em um supermercado da Asa Norte pronto há uns oito anos. Eles poderiam vender o combustível 10% mais barato.”.
O deputado lembra que, durante as investigações da CPI, em 2004, foi constatado que os preços no DF não apresentavam diferença entre um posto e outro. “O maior preço e menor preço não tinham diferença nem de um centavo”, completou. Para ele, “é preciso haver o mínimo de concorrência, a não ser que os deputados estejam dispostos a continuar contribuindo com o cartel”.
Acordo
Para ir a plenário na próxima semana, o PLC precisa passar pelo crivo do colégio de líderes. E não será aprovado da forma como está. Os parlamentares pedirão alterações. O relator do projeto, deputado Wellington Luiz (PMDB) afirmou que não se opõe à aprovação do texto, desde que haja adequações. “Vou apresentar um parecer favorável ao projeto. Só acho que ele precisa de alguns ajustes. Por exemplo: o supermercado tem que pagar o valor do metro quadrado de posto de gasolina. Não pode comprar um terreno com preço mais barato e instalar uma atividade que teria preço mais caro. Tem que ser justo”, afirma.
O líder Rodrigo Delmasso (PTN) também tem ressalvas. “Quando cheguei na Casa, no dia da posse, disse ao Chico Vigilante: sou favorável ao seu projeto. No entanto, vou apresentar uma emenda que garanta a mais valia”, afirmou. Ou seja, com a valorização do terreno após a instalação do posto, o proprietário do estabelecimento deverá repassar ao Estado a diferença. “É uma solução que democratiza, e vai abrir concorrência para o preço da gasolina, que é muito alto. Mas o terreno vai valorizar, e é justo que o empreendedor pague ao Estado”, completou.
Rodrigo Rollemberg recebeu o pedido de fim do monopólio diretamente do procurador-geral do MPDFT, Leonardo Bessa. Ele afirmou aguardar um parecer da Procuradoria-Geral do DF para saber o PLC 5/2015 tem vício de origem. No entanto, a assessoria de imprensa do órgão informou que “até o momento não recebeu nenhuma solicitação nem questionamento sobre o assunto em questão”.
Memória
A proposta de autoria de Chico Vigilante já tramitou na Câmara Legislativa outras duas vezes. Em 2011, a autorização para postos de combustíveis em estabelecimentos como supermercados e hipermercados foi aprovada em primeiro turno, com 23 votos. No entanto, foi rejeitada em segundo turno. No início deste ano, o projeto foi reapresentado, e estava parado na CAF desde abril.
Doações
O esquema revelado pela Polícia Federal e pelo MPDFT colocou em foco as doações de grandes redes de combustíveis a políticos. “Queremos saber se esse cartel tinha a capacidade de se articular de tal maneira a impedir que a implementação dessa lei fosse postergada no Distrito Federal. Tal mudança já ocorreu em diversos estados da federação”, explicou promotor de Justiça Clayton Germano do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPDFT.
Telefonemas
Amparada por autorização judicial, a Polícia Federal monitorou ligações telefônicas de parlamentares com suspeitos de integrar o cartel. As chamadas constam da representação da PF enviada à Justiça, segundo o site G1. No documento, a PF afirma que “a organização criminosa investigada possui imensos contatos políticos, os quais são prontamente usados em caso de necessidade”.
De acordo com o documento, o empresário Antônio Matias, um dos sócios da rede Cascol, que está entre os presos na terça-feira (24), fez ligações para políticos em 2 de outubro. Na ocasião, Matias conversou com o distrital Raimundo Ribeiro (PSDB), o deputado federal Izalci (PSDB-DF) e o senador Hélio José (PSD-DF). Os dois primeiros negam irregularidades. Hélio José não foi localizado para comentar o assunto.
Confira doações feitas apenas pela Cascol Combustíveis nas últimas eleições:
Deputados distritais
Robério Negreiros (PMDB): R$ 150.000
Cristiano Araujo (PTB): R$ 38.100
Celina Leão (PDT): R$ 18.960
Wellington Luiz (PMDB): R$ 18.930
Agaciel Maia (PTC): R$ 15.780
Bispo Renato (PR): R$ 6.300
Governador
Rodrigo Rollemberg (PSB): R$ 78.929,99
Deputados federais
Rôney Nemer (PMDB): R$ 18.900
Izalci Lucas (PSDB): R$ 16.570
Rogério Rosso (PSD): R$ 15.780