Primo contesta versão de PM: “Ithallo morreu de graça”
Assassinato ocorreu após confusão generalizada em boate do Itapoã. Testemunha que seria pivô da briga disse que não conhecia a vítima
atualizado
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A família de Ithallo Matias Gomes (foto em destaque), 20 anos, acredita que o rapaz morreu porque estava no lugar errado, na hora errada. O rapaz foi assassinado em uma boate do Itapoã, na madrugada desta sexta-feira (28/06-2019), após uma briga generalizada envolvendo o segundo-sargento da PMDF Carlos Eduardo Lopes Vidal. O militar alega que reagiu a um roubo, mas conhecidos da vítima não acreditam nessa versão.
Após ser atingido por um tiro, Ithallo foi levado ao Hospital Regional do Paranoá, mas não resistiu ao ferimento. “Quando cheguei à unidade de saúde, os funcionários disseram que o policial havia se envolvido em uma confusão com outra pessoa. Nós não sabemos ao certo. Ele então teria recebido um murro de outro rapaz e o óculos dele caiu. Nesse momento, o PM sacou a arma para atirar no agressor e o tiro acertou no Ithallo”, acredita o primo da vítima, que pediu para ter identidade preservada.
O rapaz assassinado era natural de Poranga, no Ceará. No DF, trabalhava como mecânico e pintor. Ele não tinha passagem pela polícia. “A arte dele era de dar orgulho. Era muito feliz com o que fazia”, contou o primo. Nesta manhã, quando a mãe da vítima soube da morte do filho, ela entrou em desespero.
“Ele morou quatro meses na minha casa no início, e sempre o incentivamos a correr atrás de emprego. Ele era um menino excepcional. Batalhador e querido por todos. Também não era de procurar confusão. Ainda é difícil acreditar no que aconteceu”, ressaltou. O primo disse que estava em casa quando um amigo em comum bateu na porta e comunicou o que havia ocorrido. Prontamente, a família se dirigiu ao hospital.
“Estamos tentando levar o corpo para o Ceará e não temos condições. Está muito difícil”, desabafou o primo de Ithallo. A namorada da vítima, que preferiu não se identificar, comentou que os dois estavam juntos há menos de um mês, mas já faziam planos para o futuro. “Ele era um jovem de valores e sonhos. Desde que começamos a namorar, dizia que iríamos crescer juntos e também pediu para eu tirá-lo da vida de farra. Hoje (sexta), iríamos ao Detran (Departamento de Trânsito) para ele tirar Carteira de Motorista e também faríamos um lanche para ele conhecer meus pais. Eu nem acreditei quando acordei com essa notícia. Estou muito abalada”, relatou.
A Polícia Civil ainda vai ouvir mais testemunhas do assassinato. De acordo com a delegada-chefe da 6ª DP (Paranoá), Jane Klébia, as versões apresentadas até agora são conflitantes. A investigadora ressalta ainda que a boate onde ocorreu o episódio passou por limpeza.
“As investigações estão muito no início. O PM relatou que foi vítima de roubo, reagiu, disparou contra a vítima, que foi levada ao hospital. Começamos a diligenciar para saber o que de fato havia ocorrido. Fomos ao estabelecimento e estava tudo fechado. Isso é muito preocupante. Desfizeram o local do crime. Tudo foi limpo e não havia vestígios. Precisamos investigar o motivo dessa conduta”, frisou a delegada.
Jane Klébia informou que as testemunhas serão ouvidas na tarde desta sexta-feira (28/06/2019). Os agentes da 6ª DP conseguiram contato com uma mulher que teria sido o pivô da situação. “Ela se apresentou como ex-namorada do policial e disse que, quando o PM chegou ao local, foi ao encontro dela. Como ela estava acompanhada de outras pessoas que não sabiam do envolvimento dos dois, imaginaram que seria um homem importunando a garota. Nesse momento, eles reagiram e entraram em uma briga generalizada”, relatou a investigadora.
O sargento se apresentou espontaneamente. Foi ouvido e teve a arma apreendida. Argumentou, na ocasião, que reagiu à tentativa de roubo. No entanto, a testemunha-chave do caso, que teria tido envolvimento com o policial, afirma que um mal-entendido teria resultado na confusão. Segundo a jovem, o policial recebeu um soco no rosto, oportunidade em que reagiu dando um tiro que teria acertado Ithallo.
“Vamos ter de confrontar os depoimentos e ouvir outras pessoas para que realmente os fatos se esclareçam, conforme ocorreu. Vamos avaliar e, se confirmar a versão de homicídio, o policial responderá pelo crime”, assinalou a delegada Jane Klébia.
O local onde aconteceu o crime fica em cima da loja Rocca. Na porta, há uma inscrição intitulada “Secret”. O proprietário da casa noturna confirmou o episódio, inclusive sobre o disparo de arma de fogo. Ressaltou ainda ter pedido para que levassem a vítima a uma unidade de saúde.
Em nota, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) destacou que, “de acordo com as apurações iniciais acerca da ocorrência que envolve o sargento Carlos Eduardo Lopes Vidal, tanto o policial como o proprietário do estabelecimento onde ocorreu o fato alegam que o indivíduo tentou roubar a arma do sargento, que agiu em legítima defesa”. “O policial não está preso. O fato está sendo investigado”, acrescentou a corporação.
Comerciantes da área onde aconteceu o episódio dizem que as festas na boate/bar ocorrem todos os dias da semana. “Regadas a drogas e sexo. A gente não tem paz. Quando chegamos para trabalhar pela manhã, as entradas dos comércios estão cheias de mijo. O cheiro é horrível”, disse um deles, que preferiu não se identificar.
Outra pessoa disse que testemunhou um funcionário da casa noturna colocando a vítima dentro do carro para levá-la ao hospital. “Por volta de 1h. Eles fazem isso para fugir do flagrante. Não ouvimos barulho de tiro, mas foi possível presenciar a confusão logo depois da ação. Algumas pessoas desceram gritando. A música estava muito alta. Eles acabam as festas aqui só por volta das 5h. É um pardieiro. Demorou muito para um crime ocorrer”, frisou.
Um morador da quadra tratou o caso como “tragédia anunciada”. “Faz um ano que isso funciona neste endereço. Já foram registradas outras ocorrências de tráfico e até mesmo de homicídio. Eles dizem que é bar e boate, mas sabemos que vai muito além. Pedimos a interdição do prédio para a Agefis (Agência de Fiscalização do DF), mas a empresa faz vista grossa”, destacou.
Recomendação do MPDFT
O mais recente caso reacende a polêmica sobre o uso de armas por agentes das forças de segurança local em momentos de lazer. Uma recomendação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) diz que, antes de entrarem em estabelecimentos armados, precisam assinar um termo de responsabilidade.
No documento expedido pelo Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial (NCAP), consta ainda a “expressa proibição do uso de bebida alcoólica nas casas de diversão pública e congêneres, quando tiverem a entrada franqueada em razão do serviço”. Além disso, em outra recomendação, o MP prevê regras mais duras para as chamadas “carteiradas” de servidores da PCDF.