Preso que ficou deformado após tiros de bala de borracha: “Muita dor”
Detento da Papuda, que foi liberado no saidão dessa sexta-feira (18/3), falou com o Metrópoles e deu a versão dele sobre o caso
atualizado
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Luiz Paulo da Silva Pereira, o detento do Centro de Progressão Penitenciária (CPP) da Papuda que teve o rosto desfigurado após ser atingido por dois tiros de bala de borracha, ficou nove dias internado no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Ao Metrópoles, o homem de 39 anos deu sua versão sobre os disparos feitos por policiais penais em 2 de março.
A entrevista com o interno foi possível pois Luiz beneficiou-se do saidão dessa sexta-feira (18/3). Até a próxima terça (22/3), 1,8 mil presos poderão desfrutar do direito.
De acordo com ele, na manhã daquele dia, estava com outros detentos dentro da cela na Ala H, em uma cama treliche, quando dois agentes teriam mandado todos saírem para o banho de sol. “No momento que ele falou, os internos começaram a arrastar as camas para organizar. Só que eles [os agentes] pediram para não arrastar as camas”, conta.
“Como era muita bagunça, por conta do barulho ninguém ouviu e aí eles começaram a dar os tiros. Quando eu coloquei o rosto no corredor, recebi o primeiro tiro, no maxilar. Depois que senti a bala, abaixei e logo senti o segundo, no nariz”, relata Luiz Paulo.
Após ser alvejado, Luiz precisou passar por cirurgias de reconstrução da face no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). Segundo a advogada dele, Luiza Barreto Braga, que faz a defesa com a advogada Iranete Bezerra, o detento fará outra cirurgia de reconstrução, na quarta-feira (23/3). “O nariz dele está torto, não está no lugar. Então, precisará fazer outra operação”, diz Luiza.
Veja fotos do rosto do detento após a primeira cirurgia:
Ainda conforme a advogada, Luiz Paulo está cumprindo pena por tráfico de drogas. Ele diz que está detido há quatro anos e que essa não foi a primeira vez que viu episódios como este dentro do presídio. “Já vi duas pessoas ficarem cegas, gente ter braço quebrado”, afirma.
Ele ficava na Ala H da penitenciária. Depois que voltou do hospital, foi levado para a Ala A. “Quando voltei, fiquei sabendo que outras três pessoas foram atingidas pelas balas de borracha”, comenta ele.
“No momento que fui baleado, eu senti muita dor. Fiquei batendo a minha mão no corredor pedindo socorro. Falei várias vezes que tinha sido atingido”, relata.
Na versão dos policiais penais, teria sido necessário o uso de armamento não letal para separar uma briga de facas entre os apenados. No entanto, Luiz Paulo nega que tenha ocorrido tal situação. “Não estava acontecendo nenhuma briga, nenhuma discussão”, alega.
“Gostaria só de Justiça, para que as autoridades não sejam coniventes com o que ocorre dentro do sistema penitenciário”, acrescenta o interno.
Conforme Luiza Barreto Braga, a defesa vai ingressar com ação na Justiça solicitando indenização por danos morais e estéticos.
Entenda o caso
O detento do CPP teve o rosto desfigurado após ser atingido por dois tiros de bala de borracha dentro da unidade prisional. Os disparos foram feitos por policiais penais em 2 de março.
As fotografias do interno ferido teriam sido tiradas por encarcerados da Papuda, ou seja, supostamente feitas de celulares, que são proibidos dentro do sistema prisional. A declaração foi dada ao Metrópoles por um apenado que, recentemente, foi colocado em regime domiciliar. De acordo com ele, todos na ala “estão revoltados”.
Veja como ficou o rosto do detento:
Depois de passar pelos procedimentos médicos, o presidiário retornou ao CPP. A advogada do detento pediu que ele fosse transferido ao regime domiciliar depois das agressões, com uso de tornozeleira eletrônica, mas a solicitação foi indeferida pela juíza da Vara de Execuções Penais (VEP), Leila Cury.
Segundo a magistrada, o pedido foi negado porque Luiz não se encaixa nos requisitos para receber o benefício. “Pontuo, no entanto, que está sendo elaborada pela Seape as listagens dos internos que preenchem todos os requisitos estabelecidos por este Juízo, os quais estão sendo beneficiados gradativamente. Portanto, indefiro, por ora, o pedido”, afirmou a juíza.
O que teria motivado os tiros
No mesmo documento que nega o pedido da defesa do interno, está anexada a comunicação de ocorrência disciplinar de 2 de março de 2022, na qual consta a versão dos policiais penais. Segundo o texto, foi necessário uso de armamento não letal para separar uma briga de facas entre os apenados. “Durante a intervenção, o reeducando foi atingido em seu nariz por instrumento de menor potencial ofensivo (bala de borracha), fato que lhe causou lesões e encaminhamento a hospital”, diz o texto, assinado em 9 de março.
Todavia, a defesa do interno nega essa versão e alega que os detentos estavam arrumando a cama das celas quando começaram os tiros. “Meu cliente estava dormindo na hora em que os agentes informaram que era hora do banho de sol. Os internos começaram a organizar as camas. Eles falaram que não havia necessidade e que era pra ir logo [para o pátio]. Como [os presos] não foram na hora, [os policiais] começaram a atirar. O Luiz estava dormindo, foi para o corredor ver o que estava acontecendo e acabou surpreendido com duas balas no rosto: uma na testa e outra no nariz”, narra Luiza Barreto Braga, que representa o homem atingido.
O outro lado
A Seape se manifestou sobre o caso por meio de nota. Leia na íntegra:
“Houve uma briga de facas e para cessar as agressões os policiais penais fizeram uso progressivo da força, infelizmente um tiro de borracha acabou atingindo o rosto do custodiado acidentalmente. Conforme decisão anexa, no mesmo dia dos fatos, a juíza titular da Vara de Execuções Penais do DF foi comunicada e o reeducando imediatamente encaminhado ao Hospital Regional da Asa Norte (Hran) onde passou por cirurgia plástica reparadora e já recebeu alta. A situação está sendo apurada e se for constatada qualquer irregularidade o servidor será responsabilizado. Cumpre mencionar que a VEP oficiou também o Procurador-chefe do DF para adoção das medidas jurídicas pertinentes.”
A VEP-DF também soltou comunicado sobre o episódio. Veja a nota:
“Sobre a demanda, informamos que a juíza da VEP/DF recebeu o comunicado dos fatos no dia 9/3 e no mesmo dia despachou os autos, determinando a realização de audiência para oitiva dos policiais envolvidos e do preso, com a presença do Ministério Público e defesa da vítima. A juíza também determinou a intimação da Procuradoria do DF para analisar, desde já, ação de indenização em favor do preso, uma vez que a responsabilidade do Estado é objetiva (independe da aferição de culpa). A audiência é sigilosa e visa apurar a autoria dos fatos. Ao término da apuração, os autos serão encaminhados ao Ministério Público, que tem legitimidade pra propor eventual ação penal contra o autor do disparo. O preso foi encaminhado a hospital para atendimento médico e já recebeu alta.