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Por que os moradores da ocupação do CCBB resistem a ir para abrigo

Apesar da estrutura oferecida, muitos têm receio de perder vaga na lista da Codhab. Outros temem não poder levar animais, como cachorros

atualizado

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Material cedido ao Metrópoles
Foto de um barraco com lixo na frente
1 de 1 Foto de um barraco com lixo na frente - Foto: Material cedido ao Metrópoles

Nos últimos 30 dias, quatro operações do DF Legal tentaram concluir a missão de remover 27 famílias de uma ocupação irregular enraizada há anos em área pública perto do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Setor de Clubes Esportivos Sul.

De um lado, o Governo do Distrito Federal trabalha para fazer valer sua determinação amparada pela Justiça. Em 2 de abril, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) derrubou liminar que impedia as remoções. Do outro, moradores resistem a sair de endereço público onde alguns se instalaram há décadas.

No meio do impasse, existem, no mínimo, duas perguntas que o Metrópoles buscou responder. O governo oferece alternativa para abrigar essas pessoas em situação de vulnerabilidade? Por que os moradores da região temem deixar o local?

A reportagem passou os últimos dias conversando com personagens que participaram dessa história recente para tentar entender o contexto da polêmica. No domingo (4/4), a Secretaria de Desenvolvimento Social inaugurou e apresentou instalações de um endereço que é alternativa às famílias residentes perto do CCBB. A equipe do portal esteve na Casa Tocar, no Guará II, para conhecer a estrutura.

O espaço tem capacidade para receber até 50 pessoas. Os abrigados da Casa Tocar terão direito a quatro refeições por dia, kit de higiene, roupa de cama e, no caso das crianças, atividades recreativas e educativas. Ao contrário de outros abrigos, o do Guará foi projetado para receber famílias inteiras. Ou seja, em vez de ficarem todos acolhidos em um único ambiente, cada núcleo familiar contará com um espaço individual de descanso.

“É uma casa de acolhimento, um lar para pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade. O foco da Casa Tocar é familiar. Oferecemos todo o suporte de uma residência digna, de qualidade, com pintura em dia, cama boa, roupa de cama boa, toalha, uma cozinha bem equipada, lavanderia e quartos”, descreve Mayara Noronha, secretária de Desenvolvimento Social e primeira-dama do DF.

Veja fotos do abrigo:

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As roupas de cama, de banho e os beliches são novos
As instalações dos banheiros são novas e bem cuidadas
O local tem capacidade para abrigar 50 pessoas
Os abrigados da Casa Tocar terão acesso a quatro refeições diárias
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A secretária Mayara Noronha apresenta as instalações da Casa Tocar

Arthur Menescal/Especial Metrópoles
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As roupas de cama, de banho e os beliches são novos

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As instalações dos banheiros são novas e bem cuidadas

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O local tem capacidade para abrigar 50 pessoas

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Os abrigados da Casa Tocar terão acesso a quatro refeições diárias

Arthur Menescal/Especial Metrópoles
Resistência

Então, por que, mesmo com essa estrutura apresentada pelo governo, os moradores não querem deixar a ocupação do CCBB? A reportagem do Metrópoles perguntou a eles quais são as principais razões para o medo da mudança.

Grande parte espera por uma vaga de residência em unidade da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab). Os moradores do CCBB temem perder o lugar na fila da casa própria, caso estejam vinculados a um espaço de acolhimento.

É o caso de Tatiana Araújo de Cerqueira, 33 anos, mãe de seis filhos. Ela tem receio de ser excluída da relação de beneficiários da Codhab se seu nome passar a constar como tendo endereço, mesmo que seja temporário. “Trinta e três famílias na minha frente na fila da Codhab. Não quero ir para o abrigo e correr o risco de me cortarem da lista de espera.”

A Codhab negou que essas famílias do CCBB incluídas no programa de habitação corram qualquer risco de perder a vaga na fila de atendimento. “A forma como essas famílias estão abrigadas não interfere no cadastro do programa habitacional”, informa a companhia.

Segundo a Codhab, parte dos moradores do CCBB já foi convocada para entregar a papelada. “Alguns tiveram o processo iniciado ainda em 2014, mas não apresentaram a documentação completa. Os que já entregaram estão em processo de habilitação. Não há como habilitar candidatos sem os documentos previstos em lei”, reforça o órgão.

Veja imagens da ocupação:

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O local fica perto do CCBB
Alguns moradores vivem no local há anos
Eles temem sair da fila da Codhab caso aceitem ir para o abrigo do governo
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Crianças dormindo em colchões no chão

Arquivo pessoal
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Arquivo pessoal
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O local fica perto do CCBB

Arquivo pessoal
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Alguns moradores vivem no local há anos

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Eles temem sair da fila da Codhab caso aceitem ir para o abrigo do governo

Animais

Se uns temem perder a fila na Codhab, outros não querem deixar para trás seus animais de estimação. É o caso de Cleide Barros Bezerra, 24. Ela mora com o esposo e dois filhos, de 4 e 6 anos, na área perto do CCBB. “Tenho alguns cachorros, e eles não podem entrar no abrigo.”

Há, ainda, quem use cavalos para catar material reciclável em carroças. “Não tem como ir para o abrigo e deixar nossos animais aqui. Eles também fazem parte da família”, diz Cleide. Alguns moradores também relatam que, na região, costumam receber doações de cestas básicas e de materiais recicláveis, como latinhas e papelões. Esses insumos são vendidos e se transformam em fonte de renda.

Segundo a Secretaria de Ação Social, um levantamento será feito para saber quantos animais existem na região, para, depois, encaminhá-los a um local seguro. “No caso de cavalos, há um projeto da Secretaria de Agricultura que recebe esses animais maiores, a exemplo também de gado e de porcos. Eles ficam bem cuidados no curral comunitário, durante o período necessário, até que a família consiga resgatá-los”, explica a secretária Mayara Noronha.

No caso de cães e gatos, uma opção é a Zoonose, que recebe esses animais. Nesse cenário, a instituição direciona os bichos para adoção de uma nova família, o que nem sempre é a vontade dos tutores. “Após levantar quantos são, vamos trabalhar numa campanha com ONGs ligadas ao governo a fim de dar lares temporários para eles, até que possam voltar aos seus donos”, informa Mayara Noronha, sobre uma alternativa para chegar a um consenso com as famílias.

Temor da violência

Fabiane da Paz Silva, 28, reside na região há 16 anos e gerou os três filhos na comunidade. Há sete anos à espera de uma vaga de moradia da Codhab, ela diz que está receosa de procurar a instituição de acolhimento por medo de violência.

“A gente vem de uma família de catadores, sofrida. Somos de baixa renda mesmo, atendidos todos pelo Cras [Centro de Referência de Assistência Social]. Nunca estive em uma casa de abrigo, mas dizem que há muita violência, que fica todo mundo misturado. Aqui, a gente vive em comunidade, uns cuidando dos outros. Como vamos deixar as crianças em abrigo com desconhecidos enquanto saímos para buscar o sustento?”, questiona.

De acordo com a secretária de Desenvolvimento Social, Mayara Noronha, a Casa Tocar foi construída para evitar que os acolhidos se sintam desprotegidos. “Entendo que muitos possam ter vivido experiências desagradáveis, em tempos passados, mas garantimos que isso não ocorrerá nesta gestão. Trabalhamos para que os lares sejam ambientes saudáveis”, pontua a gestora.

Mayara diz que houve a preocupação de assegurar que o abrigo recém-inaugurado tivesse configuração que lembre a de uma casa: “A política de assistência social, o SUAS [Sistema Único de Assistência Social], exige que essas moradias tenham literalmente um aspecto de lar. Então, precisa ser em uma rua habitável, onde tem comércio perto, uma escola próxima, administração e infraestrutura. Essas pessoas têm que sair em algum momento dessa situação de vulnerabilidade”.

Entenda o caso

No dia 25 de março, a Justiça determinou que o Distrito Federal não realizasse atos de demolição, desocupação, despejo e remoção na ocupação do Centro Cultural Banco do Brasil durante a pandemia da Covid-19.

Porém, no último dia 2, o ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), deferiu pedido do GDF e autorizou a desocupação da área pública.

Embora com autorização judicial, o governo vem tendo dificuldade para convencer os moradores a deixar o local. Em algumas das operações, chegou haver confronto entre a força policial e os ocupantes. Em um dos momentos mais tensos, foi derrubada uma estrutura onde voluntários davam aulas para crianças.

Veja fotos de algumas operações:

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Barracos foram removidos na operação
Alguns moradores resistiram, e houve confronto
PM e DF Legal já fizeram quatro operações no local
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Alguns moradores chegaram a subir em tratores para tentar impedir a ação policial

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Barracos foram removidos na operação

Igo Estrela/Metrópoles
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Alguns moradores resistiram, e houve confronto

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PM e DF Legal já fizeram quatro operações no local

Igo Estrela/Metrópoles

 

 

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