Por ferir tombamento, Iphan veta novo projeto de viaduto que desabou
De acordo com o órgão, proposta “altera fortemente a arquitetura original e compromete a integridade arquitetônica e urbanística” da área
atualizado
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O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reprovou o novo projeto do viaduto da Galeria dos Estados, que desabou no dia 6 de fevereiro. Conforme revelou o Metrópoles no mês passado, o projeto de reconstrução – previsto para ser concluído em setembro, antes das eleições –previa uma mudança arquitetônica nos pilares de sustentação da estrutura.
A proposta estabelecia a ampliação dos oito pilares. Dessa forma, justificou o governo, seria eliminado o balanço do elevado, ou seja, o vão entre o pilar e a lateral da laje. Mas, uma “alteração significativa” no perfil arquitetônico do viaduto, localizado na área tombada de Brasília, foi detectada. Arquitetos e engenheiros da Universidade de Brasília (UnB) foram consultados antes da decisão pelo Iphan.
A preocupação era tanta que o órgão chegou a enviar recomendação ao GDF para não licitar a obra sem o seu aval. Na segunda-feira (7/5), a decisão foi tomada. “A Superintendência do Iphan no Distrito Federal, em seu parecer sobre o viaduto da Galeria dos Estados, não aprovou o projeto apresentado pelo DER-DF/Novacap por entender que altera fortemente a arquitetura original e compromete a integridade arquitetônica e urbanística e, por extensão, do conjunto da Plataforma Rodoviária e sistema viário complementar”, destacou o órgão em nota.Segundo o órgão que zela pelo título de Patrimônio Cultural da Humanidade conquistado por Brasília, foi recomendado ao Governo do Distrito Federal a apresentação de uma nova proposta, “visando o caminho da recuperação do viaduto, com diminuição, ao máximo possível, dos pilares, em relação às dimensões apresentadas no projeto em análise”.
Um novo encontro com o GDF está marcado ainda para esta semana para debater as alterações, assim como a questão da ambiência da área. “Um dos objetivos do Iphan é garantir a gestão compartilhada do Conjunto Urbano de Brasília, visando a preservação do bem tombado e a segurança da população”, destacou o instituto.
Em agenda na manhã desta quarta (9), o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) reafirmou seu compromisso com o tombamento da cidade. Disse que o debate sobre o projeto não está encerrado, uma vez que órgãos do GDF vão se reunir com o instituto para discutir a melhor opção, que leve em conta também questões como a segurança e a economia: “Estamos dialogando com o Iphan”.
Confira o projeto do GDF:
O problema é que os pilares foram utilizados sem coerência com a concepção arquitetônica de Brasília, dizem especialistas ouvidos pela reportagem. Mais distribuídos e menores, garantem a democratização da circulação. Mesmo conceito utilizado nos pilotis dos prédios residenciais no Plano Piloto. A disposição cria generosos espaços livres, permitindo a visualização da cidade. Pela nova proposta, será impossível enxergar sequer o outro lado da via.
“Império Romano”
“Trata-se de uma seção transversal retangular, com a largura quase igual à da pista superior. O conjunto lembra as pontes de pedra do Império Romano. É uma brutal intervenção ao Patrimônio da Humanidade. Ave César, Ave Rodrigo”, disse ao Metrópoles o engenheiro e professor aposentado da UnB João Carlos Teatini S. Clímaco, ao criticar a forma como o governador vem conduzindo o processo.
O GDF optou pelos grandes pilares porque preferiu não demolir o viaduto, indo contra sugestão de uma comissão formada por especialistas da UnB. O projeto híbrido, como chama a equipe do Buriti e que tem a chancela do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea), previa a instalação de uma laje maciça, de 28mx198m, sem juntas de dilatação, sobre a atual estrutura de concreto armado.
Como é hoje:
Como ia ficar:
Teatini considerou a proposta temerária. De acordo com ele, a estrutura que será mantida está totalmente degradada e com muitas nervuras não concretadas em trechos desconhecidos. “Ou seja, haverá um aumento enorme do peso com os pilares monstrengos, tudo isso levando a um reforço de fundação de custo muito elevado”, explica o engenheiro.
A insistência em manter a laje deteriorada pode resultar em futuros aditivos a um contrato estimado em R$ 15 milhões. Ou em novas obras depois de algum tempo da liberação para uso pela carga de veículos.
Responsabilização
As polêmicas envolvendo o viaduto, entretanto, vão além do tombamento e do projeto híbrido escolhido pelo GDF. A exoneração de Henrique Luduvice da presidência do DER-DF um dia após o desabamento não encerrou os embates sobre quem deve ser responsabilizado. “Estamos analisando o passado, o presente e o futuro”, ressalta a procuradora distrital de Direitos do Cidadão Maria Rosynete de Oliveira Lima.
Ela está à frente de uma comissão criada no Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) para analisar se houve inação e/ou omissão de agentes púbicos em não realizar serviços de manutenção e reparação da estrutura, uma vez que avisos de problemas não faltaram.
Em 2006, a UnB divulgou um estudo alertando para a situação precária de pontes e viadutos do DF. O da Galeria dos Estados estava entre os mais graves. Em 2009, o Crea divulgou estudo com avaliações semelhantes. Em 2011, foi a vez do Tribunal de Contas do DF (TCDF).
Versões e fatos
“Inquestionavelmente, desde 2011, por determinação do governo à época, a restauração e a ampliação da Galeria dos Estados, incluindo a restauração dos viadutos do Eixão Sul, Eixo L e Eixo W, bem como das instalações e área de vivência, estavam sob a responsabilidade da renomada empresa Novacap, conforme demonstram inúmeros documentos públicos”, alega Henrique Luduvice, ex-DER.
O presidente da Novacap, Júlio Menegotto, afirma que o viaduto está na área de competência do DER: “Nossa empresa só atua por demanda. Basta abrir o Plano de Ação do departamento referente a 2012/2015. A estrutura está lá. Consta como projeto deles”.
Os documentos divulgados até agora, entretanto, mostram que os assuntos referentes ao viaduto da Galeria dos Estados eram tratados pela Novacap desde 2011. Foi ela quem assinou convênio (n° 138) com a Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap) para elaboração de projetos de execução e recuperação de 12 pontes e viadutos.
Também foi a Novacap quem contratou, em 2012, a empresa SBE Soares Barros Engenharia para a elaboração de estudos e projetos de restauração e ampliação da Galeria dos Estados, envolvendo os viadutos sobre ela.
Embora contratado na gestão do então governador, Agnelo Queiroz (PT), em outubro de 2015, na gestão Rollemberg, o serviço da SBE foi prorrogado, quando a empresa e a Novacap assinaram o 11º termo aditivo. Na época, o próprio governo admitiu que estava com faturas pendentes e a ampliação do prazo seria necessária para a execução dos serviços.
Em agosto de 2014, um documento técnico da Novacap já alertava para a necessidade de obras imediatas no viaduto. Em 2017, outro relatório da empresa (confira a íntegra abaixo) novamente chamava atenção para o problema. O texto, assinado pela servidora Nádia Hermano Tormin, trazia todo o histórico do projeto da obra na estatal, que deveria ser tratada com “nível de prioridade nas ações de governo”.
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Ao terminar o documento de nove páginas, ela destacou: “A não efetivação de intervenções essenciais pode ocasionar eventos de consequências irreparáveis”. Quase nove meses depois, o viaduto desabou. Milagrosamente, não houve mortos nem feridos.
O próprio presidente da Novacap não sabe explicar o fato de o documento não ter chegado em suas mãos ou nas do então diretor de Edificações, Márcio Buzar, atual chefe do DER. Mesmo assim, mais de dois meses após o desabamento, ele não abriu qualquer procedimento de investigação interno na empresa. “Vamos aguardar a conclusão dos trabalhos da comissão do MPDFT”, justificou.
Relembre o momento da queda do viaduto: