Por dia, 4 mulheres denunciam descumprimento de medida protetiva no DF
Especialista comenta que a medida protetiva é um importante instrumento, mas que são necessárias mais políticas públicas em prol da vítima
atualizado
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Em fevereiro deste ano, Ana Cristina Farias de Araújo, 51, foi assassinada com golpes de facão pelo ex-genro. Marcos Fernando Domingos Pereira, de 26 anos, havia descumprido medidas protetivas e perseguia a ex-companheira e a ex-sogra com constantes ameaças, até que a violência evoluiu para o feminicídio.
Apenas nos primeiros cinco meses deste ano, foram registradas 7.017 ocorrências relacionadas à Lei Maria da Penha no Distrito Federal. Deste total, 683 (10%) tratam-se de registros de descumprimento de medida protetiva de urgência (MPU).
A reportagem obteve os dados compilados pela Polícia Civil do DF (PCDF) via Lei de Acesso à Informação (LAI). O número representa uma média de registros de 136 medidas protetivas descumpridas por mês. Ou seja, pelo menos quatro ocorrências deste tipo por dia.
No ano passado, a PCDF registrou 17.549 ocorrências relacionadas à Maria da Penha e, destas, 1.690 foram desta natureza. Já em 2020 e em 2019, os números foram menores.
Confira nas tabelas abaixo os números de feminicídios e violência contra a mulher:
Segundo dados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), a Corte concedeu, até maio deste ano, 5.216 medidas protetivas de urgência, total ou parcialmente. No ano passado, foram 11.082 MPUs. Em 2020, 9.004.
Políticas de proteção devem andar em conjunto
Maísa Campos Guimarães, pesquisadora em Saúde Mental e Gênero na Universidade de Brasília (UnB), ressalta que as medidas protetivas de urgência são instrumentos importantes para a segurança de vítimas de violência. No entanto, é necessário que sejam realizadas em conjunto mais políticas públicas de proteção às mulheres.
“A denúncia é o que abre canal para que essa mulher seja vista e acolhida pelo Estado. Um ponto a se investigar é o que está acontecendo nos processos de medida protetiva. Esta é uma medida cautelar, então é uma forma de o Estado agir de forma rápida, em até 72h. Antes da Lei Maria da Penha isso demoraria meses”, pontua Maísa.
“Também há a possibilidade de prisão preventiva no caso de descumprimento de medida protetiva. Agora, se a Justiça tem de fato decretado a prisão de quem descumpriu, é outro ponto”, completa a psicóloga e doutoranda da UnB.
Os números levantam um alerta para quais as providências tomadas pelo Estado para proteger vítimas de violência doméstica. Como diz a pesquisadora, “mulheres precisam ter mais suporte para se sentirem seguras em fazer uma denúncia e seguir com o processo”.
“O feminicídio raramente acontece de forma isolada. Os estudos mostram que geralmente tem uma história de violência antes. Com o tempo, nesse ciclo de violência, o intervalo entre as agressões começa a ficar mais curto. Um descumprimento de medida protetiva pode ser um alerta de que a situação está se agravando. Aí, é importante observar como o sistema de Justiça responde a esse descumprimento”, comenta.
“Outra coisa é a gente entender quais medidas protetivas estão sendo usadas pela Justiça. Normalmente, é a proibição de contato e comunicação, que são importantes, mas a própria lei oferece outras, como a garantia de pensão alimentícia para os filhos da vítima. Isso pode dar uma proteção especial, pois muitas vezes a mulher precisa organizar uma vida pós-separação, pós-denúncia e já é uma ajuda”, exemplifica.
Outro exemplo que a especialista dá é a suspensão de visitas aos filhos do casal, em caso de o agressor ser companheiro ou ex da vítima. “É comum que esses autores usem do vínculo com os filhos para manter uma ligação ou uma situação de ameaça às mulheres. Então, é importante um conjunto de medidas para a proteção dela”, diz.
Assim, Maísa destaca que o serviço de proteção à mulher precisa estar vinculado a outros sistemas, como o de assistência social, o de Justiça e o de saúde.
“A gente tem visto no DF uma fragilidade, uma desestruturação do serviço de atendimento às mulheres. Como é um problema complexo, a solução precisa também ser complexa e multifatorial. A Lei Maria da Penha também traz previsões de garantias de políticas públicas, inclusive de políticas habitacionais. Mulheres precisam ter mais suporte para se sentirem seguras em fazer uma denúncia e seguir com o processo”, enfatiza.
O que o Estado oferece?
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) disse que o enfrentamento ao feminicídio e à violência doméstica é prioridade da atual gestão. “Como estratégia de prevenção, a SSP/DF lançou, em março de 2021, o Mulher Mais Segura, programa que reúne medidas, iniciativas e ações de enfrentamento aos crimes de gênero e fortalecimento de mecanismos de proteção”, disse a pasta, em nota.
Entre as ações do programa está o Dispositivo Móvel de Proteção à Pessoa (DMPP), mecanismo de acompanhamento, que monitora, simultaneamente, vítima e agressor, em tempo real, estabelecendo distância segura entre eles e impedindo que o agressor se aproxime. A partir da determinação do Judiciário local, a mulher vítima de violência recebe um dispositivo que informa a ela sobre a aproximação do agressor.
“Já o agressor recebe uma tornozeleira eletrônica. Ambos são monitorados de forma simultânea, diretamente do Centro Integrado de Operações de Brasília (Ciob). Até o momento, 69 vítimas foram acompanhadas pela Diretoria de Monitoramento de Pessoas Protegidas (DMPP)”, acrescenta a SSP.
Ainda conforme a pasta, a Mulher Mais Segura também coordena a ação Viva Flor, que dispõe de um aparelho similar a um smartphone, direcionado para mulheres vítimas de violência. A ferramenta tem como função o acionamento prioritário de emergência e, quando acionada, disponibiliza a localização da vítima em tempo real para que uma viatura da Polícia Militar vá até ela.
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Dados
Estudo realizado pela Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF) da pasta aponta que, desde março de 2015, quando entrou em vigor a Lei do Feminicídio, até abril de 2022, 75,2% dos casos ocorreram dentro de residências. Em 84,9% dos casos, os autores eram maridos ou companheiros das vítimas.
Os dados revelam ainda que em 86,1% dos casos a motivação foi o sentimento de posse ou ciúme. Em 99,3% dos casos, os crimes foram elucidados com identificação do autor. De março de 2015 a março de 2022, 69,8% das vítimas não haviam registrado ocorrências anteriores de violência doméstica.
Canais de denúncia
Polícia Civil do DF (PCDF):
- Denúncia on-line: https://is.gd/obhveF;
- Telefone: 197, opção zero;
- E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br;
- WhatsApp: (61) 98626-1197.
Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF):
- Telefone: 190.