Uma vaia de 72 mil vozes aos larápios do Mané
A ação que levou Arruda, Agnelo e Filippelli para cadeia dá voz à população: é preciso expulsar de campo quem não honra o valor do ingresso
atualizado
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Oito anos passados desde a Caixa de Pandora, o Distrito Federal voltou ao centro das atenções com um escândalo de números superlativos e aspectos extravagantes, dando mais uma demonstração de que o tamanho do quadrado não é proporcional à dimensão das crises que os políticos candangos são capazes de produzir.
Nessa terça-feira (23/5), a Polícia Federal prendeu dois ex-governadores, um ex-vice-governador e jogou suspeição sobre um quarto político que ocupou o Palácio do Buriti.
Em campo político, José Roberto Arruda (PR), Agnelo Queiroz (PT), Tadeu Filippelli (PMDB) e Rogério Rosso (PSD) já jogaram uns contra os outros, mas toparam vestir a mesma camisa em torno de um mesmo objetivo: a construção do Estádio Mané Garrincha, com capacidade para 72 mil torcedores. Uma causa nobre, não fossem as gravíssimas suspeitas de superfaturamento na construção da mais cara arena erguida sob o pretexto da Copa do Mundo.A operação da Polícia Federal é fase inicial do processo que, a depender das investigações, pode exibir um show de horrores ao país: a participação de quatro gestores públicos que ocuparam o mais alto cargo do Poder Executivo local em um esquema de corrupção para assaltar os cofres públicos.
O apito inicial da manhã de terça (23) soou por meio dos agentes da Polícia Federal espalhados pelas ruas de Brasília para realizar a Operação Panatenaico, que acabou com a prisão temporária de 10 pessoas. Entre elas, Arruda, Agnelo e Filippelli.
Rogério Rosso não foi alvo da ação, mas, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF), “há indícios” de que o ex-governador-tampão tenha recebido dinheiro desviado da obra. Por ser deputado federal, o parlamentar tem foro privilegiado. Dessa forma, as apurações envolvendo Rosso foram encaminhadas à Procuradoria-Geral da República (PGR) e caberá ao procurador-geral, Rodrigo Janot, avaliar se pede ou não ao Supremo Tribunal Federal (STF) para investigá-lo.
Empreiteiras
Já os investigados na Panatenaico não gozam das prerrogativas de quem tem mandato e foram para o chuveiro mais cedo, como diz o jargão futebolístico nos casos de jogadores expulsos do gramado. Desta vez, na carceragem da PF. Todos são acusados de articular o recebimento de propina em troca de benefícios para as construtoras Andrade Gutierrez e Via Engenharia em licitações de grandes obras da capital, principalmente a reforma do Estádio Nacional Mané Garrincha.
A operação é fruto de acordos de delação premiada feitos por executivos da Andrade Gutierrez. Segundo a Polícia Federal, os acusados cometeram crimes de lavagem de dinheiro, associação criminosa, corrupção ativa e passiva e fraude em licitação. Além dos mandados de prisão, foram cumpridos 13 de busca e apreensão e três de condução coercitiva. Ainda, a Justiça bloqueou mais de R$ 155 milhões dos acusados de participação no esquema.
De acordo com as investigações, o ex-governador José Roberto Arruda era o “mentor” da propina. A apuração aponta que ele “articulou” a saída de outras empreiteiras da licitação que remodelou o Mané Garrincha e “determinou” a Andrade Gutierrez e a Via Engenharia como as vencedoras do certame, mediante recebimento de propina.
O dinheiro não teria sido integralmente pago ao ex-governador por conta de sua prisão, em 2010, no âmbito da Operação Caixa de Pandora. Três anos depois, Arruda teria pressionado as construtoras a pagarem o resto do dinheiro e conseguido o objetivo parcialmente. A Polícia Federal afirma que o repasse foi feito por meio do empresário Sérgio Lúcio Silva de Andrade, apontado como operador do ex-governador e um dos presos de terça-feira (23).
O PT entra em campo
Sucessor de Arruda, Agnelo Queiroz era o chefe do Executivo local durante a obra. Segundo as investigações, o petista “retirou obstáculos” para as empreiteiras durante a reforma do Mané Garrincha em troca de repasses milionários. Indicado como o principal operador de Agnelo e detido na terça, o engenheiro Jorge Luiz Salomão chegou a receber dinheiro ilícito dentro dos canteiros da obra, segundo os investigadores.
Veja frases da decisão assinada pelo juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal, que autorizou as prisões desta terça-feira (23)
Companheiro de chapa de Agnelo, Filippelli também é apontado como beneficiário no esquema. Ele teria feito diversos pedidos de propina à Andrade Gutierrez e recebido valores ilícitos também da Via Engenharia. De acordo com a Polícia Federal, entre 2013 e 2014, o peemedebista embolsou propina para seu partido. O operador dos repasses seria o empresário e ex-secretário do GDF Afrânio Souza Filho, também preso.
Atualmente, Filippelli era o único entre os investigados pela Panatenaico com livre circulação pelos corredores do poder, e há meses vinha alimentando o sonho de concorrer ao Palácio do Buriti em 2018. Até a hora do almoço de terça (23), desfrutava do status de assessor especial do presidente Michel Temer. Mas horas após a prisão, foi exonerado e dificilmente terá condições de fazer um gol a seu favor nas eleições do próximo ano.
Outros envolvidos
Além dos ex-chefes do Buriti, outros servidores do Executivo são apontados como beneficiários do esquema ilícito. Os ex-presidentes Maruska Lima, da Terracap, e Nilson Martorelli, da Novacap, teriam recebido R$ 500 mil cada, segundo delatores da Andrade Gutierrez. Já o ex-secretário da Copa, Francisco Cláudio Monteiro, teria embolsado R$ 250 mil.
Veja quem é quem na Panatenaico e as acusações que pesam sobre cada personagem.
O empreiteiro de Brasília
A fonte de parte dos repasses era Fernando Queiroz, proprietário da Via Engenharia, outro dos detidos na manhã de terça (23). De acordo com o pedido de prisão de Queiroz, “para dar continuidade à participação da Via Engenharia, esse investigado teve que continuar pagando a propina para que pudesse construir, com o evidente hiperfaturamento, a reforma do Estádio Nacional”. O objetivo, destaca o juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, era “obter vantagens pessoais e financeiras de uma licitação fraudada e obra bilionária por meio de pagamento ao ex-governador Agnelo e seu grupo”.
Orçado inicialmente em R$ 600 milhões, o Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha acabou custando R$ 1,6 bilhão. Segundo as investigações, há indícios de irregularidades também em outras obras executadas durante os governo Arruda, como o Centro Administrativo do DF; e Agnelo Queiroz, como o BRT Sul, que liga o Gama ao Plano Piloto.
Desta vez, a partida que levou os ex-gestores à cadeia teve como palco a suntuosa arena desportiva erguida às margens do Eixo Monumental. Mas, ao se considerar o volume de suspeitas que se acumula em outros empreendimentos erguidos nos últimos anos, a bola da Panatenaico vai rolar DF afora.