“Tudo me abalou muito”, diz mãe de santo xingada por presidente da Palmares
Em áudio vazado, Sérgio Camargo chama Mãe Baiana de “macumbeira” e “filha da puta”. Referência negra e religiosa no DF, ela prestou queixa
atualizado
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“Sempre lutei contra a discriminação, trabalhei quase quatro anos na Fundação Palmares. Tudo me abalou muito psicologicamente e mexeu com minha saúde mental, mas preciso me levantar e lutar.” A declaração, em tom de desabafo, é de uma das mães de santo mais respeitadas do Distrito Federal, a candomblecista Adna dos Santos (fotos em destaque e abaixo), conhecida como Mãe Baiana.
A frase foi dita ao Metrópoles assim que a líder religiosa deixou a Delegacia Especializada em Crimes por Discriminação Racial e Religiosa, a Decrin, na tarde desta quarta-feira (03/06). Ali, ela registrou um boletim de ocorrência contra o atual presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo. Áudios gravados durante uma reunião e vazados revelam que o gestor da entidade chamou a Mãe Baiana de “uma filha da puta de uma macumbeira”.
Conforme conta Adna, ela só soube do ataque na noite dessa terça (02/06). Após um dia de trabalho, alguns amigos começaram a avisá-la de que teria sido citada nas reclamações de Camargo. “Quando soube, tomei um susto muito grande. Receber essas palavras de uma pessoa que nunca vi e não conheço foi surpreendente”, comenta.
Sentindo-se atacada como mulher negra e líder de religião de matriz africana, a mãe de santo decidiu denunciar o homem que proferiu os xingamentos. Apesar de ter sido alvo de ofensas, Adna prefere não responder a Camargo e apenas lamenta o ocorrido.
“É muito difícil isso, me sinto muito mal. Foi uma fala infeliz e espero que Deus ilumine a mente dele para pensar no que disse”, finaliza.
Terreiros sem verba
No áudio, após se referir à mãe de santo como macumbeira, Camargo avisou que não daria verba para terreiros, numa alusão aos locais onde ocorrem os rituais de candomblé e outras religiões de matriz africana. “Tem gente vazando informação aqui para a mídia, vazando para uma mãe de santo, uma filha da puta de uma macumbeira, uma tal de Mãe Baiana, que ficava aqui infernizando a vida de todo mundo”, disse.
“Não vai ter nada para terreiro na Palmares enquanto eu estiver aqui dentro. Nada. Zero. Macumbeiro não vai ter nem um centavo”, garantiu Camargo.
Em outro trecho da gravação, ele trata com desdém a cultura afrodescendente. “Eu não vou querer emenda dessa gente aqui. Para promover capoeira? Vai se ferrar”, esbravejou.
Ouça:
Câmara Legislativa aciona o MPDFT
A Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) acionará, até está quinta-feira (04/06), o Ministério Púbico do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) para que tome providências contra o presidente da Fundação Zumbi dos Palmares.
Segundo o presidente da CDH, Fábio Felix (PSol), a comissão foi provocada por entidades e pela população a entrar com pedido de abertura de processo contra Camargo.
“Nós estamos preparando um documento para ser entregue entre hoje e amanhã ao Ministério Público do DF para que tome providências. Nosso foco será o de intolerância religiosa, mas também o de racismo. É um absurdo essa atitude do presidente”, afirmou Fábio Felix. “Vamos buscar todos os órgãos para que sejam tomadas as medidas cabíveis”, assegurou o presidente da CDH.
Entenda o caso
O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, classificou o movimento negro como “escória maldita”, que abriga “vagabundos”, e chamou Zumbi de “filho da puta que escravizava pretos”. A portas fechadas, Camargo também manifestou desprezo pela agenda da Consciência Negra, xingou Mãe Baiana e prometeu botar na rua diretores da autarquia que não tiverem como “meta” a demissão de um “esquerdista”.
As afirmações do presidente da Fundação Palmares foram feitas durante reunião com dois servidores da entidade, no dia 30 de abril. O Estadão teve acesso ao áudio da conversa (ouça abaixo) e apurou que o encontro ocorreu, na tarde daquele dia, para tratar do desaparecimento do celular corporativo de Camargo.
Ao ser cobrado pelo ressarcimento do telefone, ele ficou irritado e alegou que o aparelho sumiu no período em que estava afastado do cargo, por decisão judicial.