Sem controle, distritais usam brechas para faltar sessões na CLDF
Regimento da Casa dá margens para que deputados em exercício recebam salário integral, mesmo sem presença em plenário
atualizado
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A falta de controle da presença de deputados distritais nas sessões deliberativas engrossou a lista de críticas da população à Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Após o caso de Robério Negreiros (PSD) vir à tona, os parlamentares passaram a correr contra o tempo a fim de estancar o constrangimento causado pelas denúncias de suposta fraude nas folhas de frequência. A ideia é acelerar a implantação de um sistema mais moderno para comprovar a assiduidade na Casa e afastar a crise de credibilidade que assombra o trabalho dos distritais. O episódio também revela prática corriqueira entre os deputados, que assinam presença e deixam o plenário em seguida.
A postura não pode ser classificada como uma irregularidade, mesmo porque o próprio regimento interno da CLDF não especifica que o mandatário precisa estar fisicamente nas sessões. Aliado à falta de modernização e transparência do Legislativo, o estatuto interno abre brechas que acabam resultando, por exemplo, em facilitações para burlar regras não fiscalizadas, como a folha de frequência.
O Metrópoles acompanhou várias sessões ordinárias e deliberativas da CLDF no primeiro semestre deste ano e o que se percebe é que grande parte dos deputados apenas visita o plenário para assinar manualmente a folha de presença. Cumprido o rito necessário para o recebimento do salário, a maioria deixa os debates e parte para atividades realizadas nos gabinetes e nas bases eleitorais. A justificativa é de que o trabalho de um distrital não se resume às votações. Quando há falta de quórum, com menos de 13 distritais em plenário, as votações não podem ocorrer, o que afeta diretamente a aprovação ou rejeição de propostas.
A fragilidade das normas estipuladas pelo regimento interno, consolidado em 2005, também incentiva integrantes da Casa a não seguirem à risca o que consta no texto que conduz as atividades dos distritais. No caso de falta, quando não há o registro da presença, diferentemente de um servidor público comum, os deputados têm ampla possibilidade de justificar a ausência e não ter o dia de trabalho descontado no contracheque.
De acordo com o regimento da CLDF, “no prazo de 48 horas após a realização da sessão, o deputado poderá apresentar justificativa por escrito de sua ausência, junto à Presidência, versando exclusivamente sobre: motivos de saúde, participação em assembleias e atos públicos, entrevistas de rádio ou televisão, participação em solenidades oficiais, atendimento ao clamor público vinculado a questões emergenciais, atividade parlamentar de reunião, seminário, congresso, movimento social e de missão de caráter diplomático ou cultural, representação da Câmara Legislativa em eventos oficiais, participação em eventos fora do Distrito Federal, mediante prévia comunicação à Mesa Diretora”.
Corte de salário
Embora seja específico o limite – até dois dias – para a justificativa da falta, internamente há uma prática não prevista no regimento para evitar o corte de salário no fim do mês. A reportagem teve acesso a documento emitido pelo diretor Legislativo da Casa, Arlécio Garzal, solicitando ao chefe de gabinete do distrital Robério Negreiros a justificativa da ausência do parlamentar em pelo menos quatro sessões ocorridas em maio: nos dias 16, 21, 22 e 23. O memorando de número 039 é assinado no dia 27 de maio, portanto extrapolado o prazo determinado pelas regras vigentes. Pelo regimento, a iniciativa deveria partir do deputado.
Responsável pelas folhas de ponto dos distritais, Garzal recebeu no dia seguinte memorando do gabinete do pessedista informando que, em todos os referidos dias de sessão, Negreiros estaria “em reuniões parlamentares externas, em secretarias de Estado e na área rural do Paranoá”. Não houve, contudo, nenhum tipo de documentação anexa que comprovasse tais compromissos. Mesmo com o prazo estourado, considerando o regimento, a Câmara Legislativa chancelou como “justificada” as faltas do político.
Em nota encaminhada pela assessoria de imprensa, o distrital Robério Negreiros explicou que “as justificativas são apresentadas imediatamente após o efetivo recebimento dos memorandos encaminhados pela Diretoria Legislativa, conforme praxe da Casa”. O Núcleo de Relações com a Imprensa da CLDF comunicou, por meio de texto, que o órgão “vai avaliar as novas informações a respeito do deputado Robério Negreiros para saber quais os procedimentos a serem adotados”.
Veja os documentos:
Tempo dividido
Não que sejam os únicos episódios, mas, para efeito de ilustração, a reportagem apurou que diversos deputados assinaram o ponto e deixaram o plenário sem participar das sessões. Internamente, a prática é muito comum e aderida pela maioria dos distritais. Responsável pelo comando da Casa, o presidente Rafael Prudente (MDB) também se vê divido entre a necessidade de tocar questões administrativas e a presença nas sessões ordinárias. De acordo com o levantamento, em pelo menos quatro sessões do semestre, o nome do emedebista constava na folha de frequência, mas os áudios revelavam a ausência dele no plenário.
“Tenho minhas responsabilidades como presidente e nem sempre consigo conciliá-las com as sessões, mas sempre estou no gabinete da Presidência para qualquer necessidade. É isso que precisamos alertar: mesmo não estando nas sessões, muitos estão trabalhando da mesma forma nos gabinetes. Por isso, tenho defendido a instalação do painel eletrônico, porque com ele vamos saber exatamente quem está ou não na Câmara Legislativa e distinguir as duas situações”, disse ao Metrópoles.
Prudente reconhece a fragilidade de questões específicas dentro do regimento e diz que tem trabalhado para modernizar o sistema de controle da Casa. “Muitos não lembram, mas há pouco tempo havia uma lista de frequência disponibilizada na garagem do prédio para que o deputado assinasse e já deixasse a CLDF. Isso não existe mais. Estamos trabalhando para que, em poucos dias, a gente autorize o novo sistema para dar mais acesso à população sobre as atividades de cada parlamentar em tempo real. Vamos digitalizar tudo e acabar com a folha de papel”, completou.
A reportagem também apurou três sessões ocorridas no semestre em que, embora o nome do distrital Agaciel Maia (PL) estivesse registrado, a presença física dele não é registrada nas notas taquigráficas, tampouco nos vídeos da TV Web CLDF. Presidente da Comissão de Economia, Orçamento e Finanças (Ceof), o deputado também justificou as ausências por ser “responsável pelo exame de todas as matérias que impactam a economia do Distrito Federal, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)”, exemplificou. “Portanto, a presença em plenário é dividida com o trabalho especializado nas comissões técnicas”, salientou.
Descontrole compromete votações
Não é arriscado dizer que, em média, a Câmara Legislativa realiza uma sessão deliberativa por semana. Em casos isolados, votações ocorreram às terças e também nas quartas, mas não há tradição na prática. Nos outros dias, o costume é que o parlamento, muitas vezes sem quórum, conceda a tribuna apenas para discursos acalorados sobre assuntos do momento. Para que uma sessão seja oficialmente aberta, a Casa estabelece que ao menos um quarto dos distritais esteja em plenário até as 15h de cada dia da semana, o que representa seis dos 24 mandatários. Sem o número suficiente, o presidente dos trabalhos suspende por meia hora para aguardar a chegada de outros colegas – sem sucesso, tem de encerrar as atividades.
Com o aumento das cobranças sobre o melhor desempenho do controle de frequência, cresceu internamente o apoio de distritais à proposta da instalação de painel eletrônico de presença parlamentar. A ideia é que, nos moldes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a CLDF saiba quais dos mandatários estão realmente no local. Segundo Prudente, o processo já está em fase avançada. O vice-presidente da Casa, Rodrigo Delmasso (PRB), também defende a instalação rápida da tecnologia. “Em setembro, vamos inaugurar o painel eletrônico de votações e o registro de presença biométrico de todos os deputados e deputadas, dando transparência e, acima de tudo, trazendo a Câmara Legislativa não para o futuro e sim para a atualidade”, garantiu.
Integrantes do Observatório Social de Brasília (OSB) criticam a falta de controle dos pontos de distritais e endossam a iniciativa de se avançar na transparência das informações oficiais do Legislativo local. “Um deputado que viaja e frauda as listas de presença da Casa prejudica o cidadão de várias formas. Primeiro, a sociedade paga caro por um serviço que nunca foi prestado, a atuação legislativa. Também prejudica a própria Câmara Legislativa, pois um deputado ausente atrasa o andamento dos trabalhos e até impede algumas votações. Por fim, o eleitor desse deputado fica sem representação enquanto o parlamentar viaja, custeado pela Casa. Sem dúvida, é uma acusação que deveria ser investigada e punida de forma exemplar”, opinou Guilherme Brandão, diretor da Organização Não Governamental (ONG).
Para Rodrigo Chia, também coordenador da entidade, a população precisa acompanhar e cobrar postura do parlamentar que recebeu seu voto. “É mais produtivo pensar no que pode ser mudado para evitar que novos casos aconteçam. Acho positivo que a Casa invista no sistema eletrônico e que tenhamos acesso em tempo real sobre quais são os parlamentares que estão realmente presentes na Câmara Legislativa. Já passou do momento de se estabelecer esses controles e que sejam compartilhados de forma transparente para que a população possa saber o que, de verdade, seus deputados estão fazendo”, destacou.