Delator da Andrade detalha a gênese da propina no Mané
Na narrativa de Clóvis Primo, acerto contou com reunião na Residência Oficial de Águas Claras e edital feito por empreiteiras com o GDF
atualizado
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A Polícia Federal se baseou nos termos de delações premiadas de cinco executivos da Andrade Gutierrez para lançar, na manhã desta terça-feira (23/5), a Operação Panatenaico, que prendeu os ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT); o ex-vice-governador da gestão Agnelo, Tadeu Filippelli (PMDB), e ex-gestores do DF que participaram da reconstrução do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha.
Após os ex-diretores da empreiteira Clóvis Peixoto Primo e Rogério Nora de Sá revelarem, ainda em junho de 2016, que obras de arenas para a Copa do Mundo 2014 foram alicerçadas sobre a distribuição de propina, a força-tarefa da Lava Jato decidiu aprofundar a apuração e ampliar o rol de “colaboradores” da empresa. Nesse contexto, também tornaram-se delatores os igualmente ex-diretores Flávio Gomes Machado Filho, Rodrigo Leite Vieira e Carlos José de Souza, que contribuíram para a ação coordenada pela PF nesta terça.
O Metrópoles teve acesso aos depoimentos que originaram a Operação Panatenaico. O mais completo, de Clóvis Primo, expõe detalhes do conchavo que resultou, segundo a Polícia Federal, em desvios de recursos públicos durante a construção do novo Mané Garrincha. A arena foi a mais cara dentre as erguidas para a Copa do Mundo 2014. Tanto o depoimento de Clóvis Primo quanto o do seu superior na Andrade, Rogério de Sá, deixaram claro aos promotores da Lava Jato que o conluio começou no ano pré-eleitoral de 2009.Segundo Clóvis Primo, a Andrade Gutierrez havia estudado a realização de uma Parceria Público-Privada (PPP) com o então governador José Roberto Arruda para erguer o Mané Garrincha. Como essa proposta não foi à frente, a opção passou a ser uma obra pública e, por isso, a empreiteira acabou se vinculando à brasiliense Via Engenharia para execução do projeto. Isso mesmo antes de haver licitação ou proposta de formação de consórcio.
Conchavo de Águas Claras
Para acertar os detalhes, Primo diz ter vindo a Brasília em 2009. Durante um encontro promovido por Arruda na Residência Oficial de Águas Claras, estiveram presentes, além do delator, o superintendente comercial da empreiteira no Centro-Oeste, Rodrigo Lopes, e o gerente comercial da Andrade Gutierrez para o Governo do Distrito Federal, Carlos José.
Clóvis Primo abriu os trabalhos informando haver conflito de interesse entre a empreiteira que representava e a OAS: ambas queriam trabalhar no Mané Garrincha, sendo que a Andrade Gutierrez já estava em parceria com a Via. Diante do impasse, Arruda se prontificou a resolver de imediato: passou a mão no telefone e ligou para o diretor da OAS José Lunguinho Filho, pedindo que ele recebesse os representantes das concorrentes.
Lunguinho atendeu o pedido. No mesmo dia, diz Clóvis Primo, ele e um representante da OAS participaram de reunião na sede da Via Engenharia em Brasília, na qual foi pactuado que a OAS estava fora do projeto Mané Garrincha. Via e Andrade teriam o negócio: um acerto fechado em 2009, sendo que o projeto só foi licitado em 2010, durante o governo-tampão de Rogério Rosso (PSD), que substituiu o cassado José Roberto Arruda.
No acerto com as supostas concorrentes, afirmou Primo, OAS e Odebrecht apresentariam apenas proposta de cobertura na licitação do Mané: ou seja, um projeto fajuto, com menor preço, para garantir a vitória das outras empreiteiras. Em contrapartida, as vencidas nesse certame sagrariam-se vencedoras em um projeto futuro, de qualquer outra obra de relevância no Distrito Federal. Todos de acordo, o então governador do DF foi comunicado do encaminhamento da questão. No depoimento a seis investigadores da Lava Jato, Clóvis Primo destacou que a ideia dessa composição entre as empreiteiras foi do próprio Arruda, que teria dito: “Procure a OAS, que juntos vocês são mais fortes”.
Empreiteiras fizeram o edital
Os primeiros depoimentos dos diretores da Andrade Gutierrez evidenciam que as portas da Residência Oficial de Águas Claras estavam abertas à barganha do poder econômico. Também mostram que as empresas ficavam à vontade nas rodas do governo e tiveram importante participação em decisões da gestão. Segundo o delator Clóvis Primo, Andrade Gutierrez e Via Engenharia montaram junto com o GDF o edital que as duas empresas consorciadas venceram para a construção do Mané Garrincha. As empreiteiras também contribuíram na elaboração dos projetos que embasaram o certame.
Nas palavras do delator, a concessão dessas benesses aos futuros construtores da arena teve um preço. Segundo ele, antes da formação do consórcio, havia um acerto com a Via Engenharia para pagamento de 1% do valor do projeto ao então governador Arruda. Aos promotores, Clóvis Primo afirmou que ele e o gerente comercial da Andrade Gutierrez para o GDF, Carlos José, foram informados sobre esse percentual pelo próprio dono da empreiteira brasiliense, Fernando Queiroz, preso na manhã desta terça durante a Operação Panatenaico.
Cobrança retroativa
Clóvis Primo encerra os relatos sobre o Mané Garrincha aos promotores da Lava Jato informando que o processo licitatório seguiu seu trâmite normal na gestão-tampão de Rogério Rosso. A partir de 2015, quando o petista Agnelo Queiroz assumiu o Governo do Distrito Federal, ele passou a cobrar pagamentos eventuais do consórcio vencedor, não tendo sido estabelecido um percentual fixo para a propina a ser paga pelos empreiteiros. Carlos José, então subordinado ao superintendente no Centro-Oeste da Andrade, Rodrigo Lopes, teria seguido como interlocutor do esquema junto ao governo de Agnelo Queiroz. Dentre os pagamentos pedidos pelo novo governador, alguns recursos teriam sido direcionados ao PT, de acordo com o relato de Clóvis Primo à Lava Jato.
Mesmo após ter sido cassado e ter passado dois meses, em 2010, preso na superintendência da Polícia Federal em Brasília, José Roberto Arruda teria cobrado do presidente da Via Engenharia, Fernando Queiroz, pagamentos acertados ainda em 2009. Segundo Primo, Fernando Queiroz afirmou que não queria pagar, mas não deixou claro se chegou a honrar a dívida assumida com Arruda: o delator também não soube informar aos procuradores se a Andrade Gutierrez passou recursos a Arruda após ele ser apeado do Palácio do Buriti.
O que Clóvis Primo afirmou com segurança foi que o vice-governador na gestão petista, o peemedebista Tadeu Filippelli, teria passado a cobrar também 1% da Andrade e da Via para irrigar os cofres de seu partido: à época, Filippelli era presidente regional da sigla no DF. De acordo com o ex-diretor da Andrade Gutierrez, seu superior hierárquico, Rogério Nora de Sá, tinha conhecimento de todo esse conchavo, mas não em detalhes. Foi Clóvis Primo quem sugeriu aos promotores falar com Flávio Machado, que, em sua opinião, estaria mais inteirado dos acertos em torno da obra do Mané Garrincha por ser diretor de Relações Institucionais da companhia.
Nesta terça, veio a público que Flávio, Carlos José e Rodrigo Lopes foram fundamentais a mais um capítulo da Lava Jato, que acabou tirando de circulação ex-gestores do Governo do Distrito Federal e seus colaboradores mais próximos que atuaram no projeto de reconstrução, dia a dia da obra, inauguração e primeiros anos de operação do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha.
As defesas de Agnelo Queiroz, José Roberto Arruda e Tadeu Filippelli tentam reverter as prisões de seus clientes, que negam as acusações e seguem presos temporariamente na superintendência da PF em Brasília.