Pré-candidatos com deficiência driblam limitações e sonham com votos
O caminho até as urnas é longo. Antes de chegar lá, eles precisam convencer o partido de que têm, no mínimo, chance de conquistar eleitores
atualizado
Compartilhar notícia
O sonho de tornar-se parlamentar é especialmente mais difícil de virar realidade para as pessoas com deficiência, e os números provam isso: a capital da República nunca elegeu um representante portador de deficiência para a Câmara dos Deputados e, na Câmara Legislativa (CLDF), só um candidato alcançou tal façanha. Foi Benício Tavares (MDB), cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2011, por abuso de poder econômico.
O caminho até as urnas é árduo e longo. Antes de chegar lá, eles precisam convencer o partido de que têm, no mínimo, chance de angariar votos para eleger correligionários. No entanto, para os postulantes cegos, surdos e cadeirantes, o objetivo não é só vencer, mas aproveitar o espaço e pôr a inclusão em debate.
“Lutar pela causa de pessoas com deficiência é brigar por toda a população”, defende o servidor público e presidente do Instituto Blind Brasil, Charles Jatobá Queiroz Santana, 46 anos, pré-candidato a distrital pelo PTB. Quando tinha 2 anos, ele teve sarampo e perdeu parte da visão. Aos 21, ficou cego em decorrência de um glaucoma. Hoje, quer ser eleito para trabalhar por medidas inclusivas.
Se, em uma calçada, há espaço garantido de acessibilidade, ali passa todo mundo. O que é bom para as pessoas com deficiência é bom para todos
Charles Jatobá (PTB), pré-candidato a distrital
A acessibilidade insuficiente ou a ausência dela ainda é uma realidade em Brasília. Isso está bem debaixo do nariz do brasiliense: enquanto conversava com a equipe de reportagem, na Rodoviária do Plano Piloto, Charles Jatobá se deparou com escadas rolantes quebradas, com a estrutura de metal à mostra, falta de piso tátil e ausência do itinerário em braile. “É impossível andar sozinho aqui”, lamentou.
Em nota, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) disse que as escadas paradas e quebradas são resultado de vandalismo e a Administração do Plano Piloto já interditou o local até que o reparo seja feito pela empresa responsável pela rodoviária. Informou, ainda, que a reforma está em andamento e, ao fim, os equipamentos de acessibilidade estarão presentes em toda edificação. Até o momento, 25% do serviço foi concluído.
O professor sem audição
Após perder a audição por conta de complicações de meningite, Waldimar Carvalho da Silva (foto em destaque), 42 anos, enfrentou os desafios e tornou-se professor. Agora, almeja uma cadeira na Câmara dos Deputados, pelo PSB. Para o docente, embora haja apoio atualmente, não é suficiente para defender os pleitos da comunidade.
Waldimar tentará uma dobradinha com Sueide Miranda, pré-candidato a deputado distrital conhecido como Sueide do Icep (PSB), em referência à instituição a qual fundou e foi presidente, o Instituto Cultural, Educacional e Profissionalizante de Pessoas com Deficiência do Brasil.
Cadeiras de rodas
O pastor e pré-candidato a deputado federal Luciomar Ventura da Silva, o Mazinho (PTB), 50 anos, acredita que não é preciso grandes projetos para mudar a realidade das pessoas com deficiência: pode-se iniciar com pequenas ações, como assegurar espaço suficiente para cadeira de rodas em restaurantes e similares.
Mazinho revela ter perdido o movimento das pernas em decorrência de um tumor na coluna durante a juventude. Para ele, só alguém que passa pelas mesmas situações consegue representar verdadeiramente um portador de deficiência.
Uma das poucas a chegar lá, a deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP) reforça que uma pessoa com deficiência conhece a realidade de outras que não seja a dele.
Se ele tiver deficiência, ele vai enfrentar obstáculo a cada minuto da vida. Isso dá a esse indivíduo a sensibilidade para saber o que tantos outros precisam
Mara Gabrilli, deputada federal
Confira relatos:
Leis existem, mas eficácia é colocada em xeque
A passos de tartaruga, houve avanço na garantia de direitos para as pessoas com deficiência nos últimos anos. A Lei Brasileira de Inclusão, de 6 de julho de 2015, por exemplo, instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Na Câmara dos Deputados, Mara Gabrilli, deputada tetraplégica, foi a relatora da matéria. Ela é uma das seis parlamentares com deficiência da Casa.
Entre as determinações da norma, está a garantia de que os pronunciamentos oficiais, a propaganda eleitoral obrigatória e os debates transmitidos pelas emissoras de televisão possuam pelo menos legenda, janela com intérprete de Libras e audiodescrição.
O problema não é exclusivamente a falta de leis para atender as necessidades das pessoas com deficiência, mas a eficácia das que existem. A aposentada Maria do Desterro de Lima, pré-candidata a deputada distrital conhecida como Telva Lima (PSDB), 48 anos, cita a Lei n° 13.362/2016, a qual prevê a garantia de condições e equipamentos adequados para assegurar o atendimento de prevenção e tratamento do câncer do colo do útero e de mama para mulheres com deficiência.
Segundo Telva Lima, na realidade, o serviço não funciona. “Não tem equipamento específico na rede pública de saúde. A mulher com deficiência que usa cadeira de rodas ou tem mobilidade ou não faz os exames”, declarou. Telva Lima foi acometida por paralisia quando tinha 2 anos, o que a levou à cadeira de rodas.
Preconceito
A pouca quantidade de pessoas com deficiência no Poder Legislativo reflete o preconceito da sociedade. Professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Débora Messenberg esclarece que – além da resistência da população em votar em mulheres, transexuais e cadeirantes, por exemplo, por acreditar que aquele lugar não é para eles – a política enquanto instituição está desgastada no Brasil e no resto do mundo. Dessa forma, a representatividade e a democracia são ameaçadas.
É desestimulante pensar que a juventude não acredita mais na mobilização social. E, por outro lado, há uma decadência das instituições políticas de não darem uma resposta
Potencial de voto
Oficialmente, não há dados sobre candidatos com deficiência, ao contrário de eleitores. Enquanto existem normas para votantes, como a Resolução nº 21.008 do TSE, a qual determinou a criação de seções eleitorais especiais, não há qualquer espécie de benefício ou vantagem aos candidatos com deficiência, ressaltou o especialista em direito eleitoral Bruno Beleza.
Na capital da República, há 2.085.513 pessoas aptas a votarem, conforme divulgou o Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF). Destas, 9.402 têm uma ou mais deficiências. O número, porém, pode ser maior, pois os registros de deficiência dependem de autodeclaração do eleitor, ponderou o órgão.
Segundo o TSE, a única cota assegurada para as eleições é a de gênero: cada partido ou coligação deve lançar candidatas respeitando o percentual mínimo de 30%.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 34, de 2016, de autoria do senador Romário (PSB-RJ), prevê mudança: o projeto trata da criação de cota para pessoas com deficiência no Legislativo nas quatro legislaturas subsequentes. Porém, há dois anos está estacionada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) à espera de um relator.