Praça Capital (SIA) foi usado para alavancar propinas no BRB, diz MPF
Empreendimento associado entre Brasal e Odebrecht teria movimentado R$ 1,5 milhão para beneficiar dirigentes do Banco de Brasília
atualizado
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Um dos três alvos da Operação Circus Maximus, deflagrada pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia Federal no dia 29 de janeiro, o centro comercial Praça Capital — localizado no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), às margens da EPTG — é apontado pelos investigadores como uma espécie de cortina de fumaça para atuação de uma organização criminosa que, segundo a denúncia, teria criado um forte esquema de distribuição de propinas.
Entre os beneficiários, estariam ex-dirigentes do Banco de Brasília (BRB), encarregados justamente pela liberação de investimentos para financiar o empreendimento que nasceu de uma parceira entre a construtora Odebrecht e a brasiliense Brasal. O valor movimentado no mercado negro pode ter chegado a R$ 1,5 milhão. De acordo com o MPF, a propina “estimularia” os dirigentes da instituição a repassar os recursos destinados ao centro comercial. Embora seja um braço da investigação, os procuradores responsáveis pela operação não citam o(s) suposto(s) operador(es) da Brasal.
As suspeitas sobre o Praça Capital foram reveladas nas delações de executivos e ex-executivos da Odebrecht. Além do empreendimento, O MPF apura transações suspeitas no BRB com o LSH Lifestyle Hotel — antigo Trump Hotel —, no bairro da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e ainda a reestruturação da dívida do jornal Correio Braziliense, que tem sede no Setor de Indústrias Gráficas (SIG).
Em agosto do ano passado, o Metrópoles noticiou que a procuradora da República Sara Moreira de Souza Leite, do Ministério Público Federal do Distrito Federal (MPF-1ª Região), havia remetido o caso à força-tarefa da Operação Greenfield para a apuração de possíveis irregularidades na constituição do Fundo de Investimento Imobiliário (FII) referente ao empreendimento associado entre Brasal e Odebrecht. O FII é um conjunto de recursos voltados à aplicação em ativos voltados ao mercado imobiliário.
Para que a construção do Praça Capital saísse do papel, um dos braços do BRB — a BRB Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (BRB-DTVM) — teria passado a ser administradora do Sia Corporate. Foi dessa empresa a responsabilidade de criar um fundo financeiro destinado a viabilizar exclusivamente as obras do centro comercial. No caso, a suspeita paira sobre o fato de o fundo ser construído, em sua maioria, por institutos de Previdência.
De uso exclusivo para a obra, o FII SIA — referente ao prédio — foi preenchido por 13 cotistas, entre eles, os fundos de pensão e Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) de estados e municípios; institutos de Previdência dos Servidores do DF (Iprev), do Rio Grande do Sul (IPE), de Rondônia (Iperon), do Município de Suzano (IPMS), do Município de Canoas (Canoasprev); além do Instituto de Gestão Previdenciária do Tocantins (Igeprev-TO) — alvo de operações da Polícia Federal que investigam supostas fraudes em aplicações de fundos de pensão.
Inquérito do MPF da Operaçã… by on Scribd
Além deles, três fundos eram administrados também pela própria BRB-DTVM: Fundo de Investimento em Renda Fixa Crédito Privado BRB Corportativo, BRB Premium Fundo de Investimento Multimercado Crédito Privado e BRB Fundo de Investimento em Renda Fixa Crédito Privado Longo. Todas as empresas são coligadas do Banco de Brasília. Os pagamentos de propina apontados pelos colaboradores coincidem com aportes de diversos fundos administrados pelo BRB no FII SIA.
“Pelo seu insucesso, [o Praça Capital] causou notável prejuízo aos investidores e beneficiários dos fundos de investimento, tanto mais pela irresponsabilidade de dirigentes e gestores que investem milhões em negócios aparentemente fadados a dar prejuízo”, afirma o MPF. Segundo os investigadores, a organização teria incluído o valor da propina no custo final do investimento a fim de conseguir dividir as perdas do caixa dois com os cotistas dos fundos.
Pulverização da propina
Em delação premiada, o ex-executivo da Odebrecht Paul Altit diz ter repassado o valor de R$ 1,5 milhão, via caixa 2, no âmbito do empreendimento para a empresa BI Asset Management (Biam), de propriedade de Henrique Leite Domingues. A companhia deveria realizar o serviço de distribuição das cotas do fundo com o objetivo de adquirir os imóveis do empreendimento e distribuí-los, de forma pulverizada, para investidores qualificados.
A oferta teria sido feita pelo sócio da Biam em 2014 e, devido a problemas de caixa, a Odebrecht teria concordado com os termos do negócio. Também delator na Lava Jato, Paulo Ricardo Baqueiro de Melo mencionou um possível repasse do valor a gestores dos fundos cotistas. O caso foi revelado com exclusividade pelo Metrópoles em abril de 2017.
De acordo com o inquérito, Henrique Leite Domingues teria recebido a cifra milionária em vantagens indevidas, mas o dinheiro teria sido distribuído a outras pessoas com influência na liberação de recursos. A partir de 2015, a negociação ganha outro nome: o operador Ricardo Leal teria começado a participar do esquema.
“Tudo levava a crer que [Henrique Leite Domingues] utilizara a estrutura da empresa que é sócio para cobrar propina a fim de determinar o investimento de fundos de pensão, RPPS e fundos administrados pelo BRB para favorecer a Odebrecht. Além disso, a forma de pagamento, mediante um complexo sistema de doleiros, indica que não se tratava de mero pagamento de serviços”, explicam os procuradores da força-tarefa da Operação Greenfield.
Com base nas diligências, tabelas encontradas em poder da Odebrecht fariam referências a repasses de dinheiro vivo, entregues no endereço da Biam, no shopping Pátio Brasil.
O pagamento, segundo o ex-executivo da empreiteira, ficou a cargo da equipe liderada por Hilberto Silva, do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, o chamado Departamento de Propina. Em delação, o ex-diretor da Odebrecht Paulo Ricardo Baqueiro de Melo confirmou a negociação, mas alertou: “Chama atenção que parte dos cotistas desse fundo são RPPSs, que são fundos de pensão de funcionários, de prefeituras ou de governo de estados. Então, existe o risco de ter havido algum repasse para algum gestor desses fundos”.
De acordo com o MPF, as irregularidades envolvendo o BRB começaram em 2014. No caso do fundo que financiou o projeto Praça Capital, no SIA, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, frisou que o empreendimento, “pelo seu insucesso, causou notável prejuízo aos investidores e beneficiários dos fundos de investimentos, tanto mais pela irresponsabilidade de dirigentes dos fundos de investimentos e gestores que investem milhões em negócios aparentemente fadados a dar prejuízo”.
“As provas indicam que se formou uma estruturada e verdadeira organização criminosa ainda hoje em atuação no Banco de Brasília e nas Instituições de Regime de Previdência (RPPS), que, aliada a empresários que sobreprecificam e multiplicam seus investimentos, são deletérios ao sistema financeiro nacional e a ética nos negócios bancários, em especial bancos públicos”, acrescentou o magistrado, na decisão em que determinou a prisão de 14 acusados.
Prisões e solturas
A Operação Circus Maximus apura transações suspeitas no BRB em três negociações diferentes. O MPF indicou, com base na diligência da força-tarefa da Greenfield, suposto esquema criminoso instalado na cúpula do BRB, que teria movimentado, segundo investigadores, R$ 400 milhões da instituição financeira – que tem 96,85% das ações ordinárias controladas pelo Governo do Distrito Federal. O titular da 10ª Vara Federal em Brasília, juiz Vallisney de Souza Oliveira, expediu 14 mandados de prisão contra investigados na operação.
Os procuradores estimam que atividades fraudulentas movimentaram mais de R$ 40 milhões só em propinas. De acordo com o MPF, os suspeitos “organizaram uma indústria de propinas e favorecimentos para investimentos em detrimento do procedimento técnico e da boa gestão que se espera das instituições financeiras”.
No sábado (2/2), contudo, o desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, determinou a soltura de seis pessoas que foram detidas na última terça-feira (29/1) no âmbito da Operação Circus Maximus.
O magistrado deferiu liminar de revogação da prisão preventiva de Nilban de Melo Júnior, ex-diretor Financeiro e de Relações com Investidores do banco; Marco Aurélio Monteiro de Castro; Andreia Moreira Lopes; Carlos Vinícius Raposo Machado Costa; Dilton Castro Junqueira Barbosa; e Diogo Cuoco, todos investigados pela operação do MPF e da Polícia Federal.
O juiz estabeleceu medida cautelar de proibição de contato entre eles e outros investigados pela operação. Em sua decisão, Ney Bello justificou que os diretores da instituição foram destituídos do cargo que ocupavam e, por isso, não representavam mais ameaça à diligência, conforme relatou o Ministério Público Federal (MPF).
“Demais, a autoridade apontada coatora deixou de demonstrar quais seriam os elementos concretos que a levaram a entender que, soltos, os pacientes continuarão cometendo crimes. Há apenas suposições nesse sentido, nenhum indício sequer foi apontado na decisão”, destaca o texto.
Prisões mantidas
Ao todo, foram expedidos 14 mandados de prisão. Entre os que continuam detidos, estão ex-integrantes da cúpula do BRB, na gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB), como o ex-presidente Vasco Cunha Gonçalves e o ex-conselheiro da instituição Ricardo Luiz Peixoto Leal.
Ricardo Leal é apontado, pelos 11 procuradores da República que assinam peça do Ministério Público Federal (MPF), como o líder da organização criminosa que dilapidou o BRB. Ele assumiu a função em 2015 e deixou o cargo no dia 11 de fevereiro de 2017, logo após vir a público disposição do operador Lúcio Funaro em fazer delação, já que estava preso preventivamente desde julho de 2016.
O outro lado
O advogado Marcelo Bessa, do Grupo Brasal, uma das empreiteiras responsáveis pelo Praça Capital, reforçou que o grupo encontra-se em dia com todas as obrigações junto aos clientes e investidores. Salientou ainda que o prédio foi concluído, o “Habite-se” emitido e as unidades foram entregues.
Em relação ao Fundo de Investimento Imobiliário SIA/Praça Capital, vinculado ao empreendimento, “afirmamos que os rendimentos estão sendo garantidos nos termos do contrato, não havendo prejuízos aos cotistas que têm recebido regularmente os resultados de seus investimentos”, frisou a defesa do Grupo Brasal. Segundo o advogado, não houve qualquer ato ilícito praticado pela empresa ou por seus executivos.
Os advogados de Henrique Domingues disseram que “os decretos de prisão são manifestamente ilegais, feitos com base em delações cujas mentiras e desvios de finalidade foram escancaradamente comprovados”. “A decisão causa ainda mais perplexidade visto que os investigados já se colocaram à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos”, acrescentaram os defensores Pedro Ivo Velloso e Ticiano Figueiredo.
As defesas dos demais citados não haviam sido localizadas até a última atualização desta reportagem.
Praça Capital
O empreendimento é fruto de uma associação entre a Odebrecht e a construtora Brasal. De acordo com o site da incorporadora, o centro comercial é posicionado de forma estratégica no SIA. “Um complexo de salas e lojas pensado para as pessoas que traz conveniência e, ao mesmo tempo, qualidade de vida. Um ambiente corporativo vinculado a espaços de convivência, com paisagismo, espelhos d’água e mais de 2.700 m² de praça central.”
Entre lojas, salas comerciais de até 70 m² e andares empresariais, o centro comercial oferece espaços corporativos de até 1,2 mil m², praça de alimentação, shopping e estacionamento. O local escolhido para a construção do prédio foi numa das áreas mais valorizadas do setor: às margens da EPTG, via que liga o Plano Piloto a cidades como Guará, Águas Claras, Taguatinga e Samambaia.