Parentes e colaboradores de distritais têm crachás restritos da CLDF
Distritais chancelaram acesso a dependências e documentos da Casa a apoiadores, lideranças e até a mães, cônjuges e filhos. MPs investigam
atualizado
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Sessenta e três pessoas sem qualquer tipo de vínculo com o Poder Legislativo receberam autorização de deputados distritais em 2017 para circular livremente pelas dependências da Câmara Legislativa, ter acesso a documentos restritos e, em alguns casos, até estacionar na garagem privativa e dar “expediente” em gabinetes parlamentares.
Na lista dos que ganharam passe livre dos deputados – à qual o Metrópoles teve acesso com exclusividade –, há lideranças partidárias e comunitárias, prestadores de serviços e apoiadores. No entanto, o que mais chama atenção é o número de parentes de distritais na relação dos credenciados: são pelo menos 14, incluindo mães, cônjuges e filhos de deputados.
Após pressão dos ministérios públicos locais de Contas (MPC) e do Trabalho (MPT), a Presidência da Câmara informou aos órgãos de fiscalização que só neste ano, até 21 de julho, 63 pessoas tiveram o acesso especial chancelado por 19 parlamentares. Desse total, 10 já estão com os cadastros expirados e devolveram ou precisam devolver os crachás fornecidos pelo Legislativo. Dos 53 com credenciamento ativo, ao menos 14 têm algum grau de parentesco com os deputados que solicitaram sua inclusão na listagem de “autorizados” ou “credenciados”.
Confira a lista completa:
Na listagem fornecida pela Câmara aos órgãos de fiscalização, o gabinete com maior número de credenciados é o de Celina Leão (PPS). São nove pessoas, sendo três parentes. Um dos crachás está com a mãe da deputada, Maria Célia Leão Neto, que participa ativamente do mandato da filha. Os irmãos de Celina, Bruno Leão Hizin e Antônio Abrão Hizin, também têm o passe livre.
Cinco dos credenciados seriam prestadores de serviço e o sexto, Osni Bueno de Freitas, é “funcionário” ativo da equipe da distrital desde o primeiro mandato, mas ele não foi nomeado na atual legislatura por ser tio de Kalincka de Gramont Freitas, servidora do gabinete de Celina até janeiro deste ano. Até a última atualização desta matéria, a deputada e sua equipe não tinham retornado os contatos do Metrópoles.
Juarezão (PSB) tem seis crachás ativos. Em memorando enviado à Presidência da Casa, o distrital explicou ter pedido o descredenciamento de dois documentos, mas manteve autorizados a circular pelo Legislativo a esposa, Rosângela Gomes de Araújo Oliveira; os filhos Julio Cesar de Araújo Oliveira e Juarez Carlos de Lima Oliveira Júnior, além do cinegrafista Johny Martins Azeredo, responsável por captar imagens do deputado.
No gabinete de Sandra Faraj (SD), há cinco credenciados. Quatro deles são irmãos da deputada: Kaled, Samir, Youssef e Fadi Fayez Faraj. Líder da igreja Ministério da Fé, Fadi é investigado junto com a distrital pela Polícia Civil e o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) por extorsão. Procurada pela reportagem, a assessoria de Sandra Faraj preferiu não se manifestar.
A deputada Telma Rufino (Pros) solicitou crachás para seis pessoas. Segundo sua equipe, todas são lideranças comunitárias de áreas passíveis de regularização do DF, que colaboravam na elaboração de propostas sobre questões fundiárias. Com o fim parcial dos trabalhos, o gabinete afirma ter entregue à segurança da Casa um pedido para o descredenciamento de todos.
Esposas
A mulher de Juarezão não é a única com crachá da Câmara. Com quatro pedidos apresentados à Polícia Legislativa, Rodrigo Delmasso (Podemos) incluiu a esposa, Danielle Vidal Rola Delmasso. Julio Cesar (PRB) também autorizou a mulher, Sônia Helena Duarte Ribeiro, além de dois prestadores de serviço. Wellington Luiz (PMDB) credenciou quatro pessoas, inclusive sua esposa e presidente do PMDB Mulher, Kilze Beatriz Montes Silva. Agaciel Maia (PR) tem três credenciados, entre eles, a esposa Sanzia Erinalva do Lago Cruz Maia.
O deputado Wellington Luiz, vice-presidente da CLDF, afirmou que o credenciamento tem previsão no regimento interno da Casa. Destacou que Kilze Beatriz Montes Silva, além de sua esposa, é membro do PMDB Mulher, “sendo muito ativa nas atividades partidárias”. “O credenciamento, por si só, não caracteriza qualquer ato reprovável, seja de natureza legal ou ética”, completou.
Na relação entregue ao MPC e MPT pelo comando da Câmara, constam ainda os pedidos de liberação de crachás feitos pelos deputados Wasny de Roure e Chico Vigilante (ambos do PT) e Reginaldo Veras (PDT), cada um com três credenciados. Para Lira (PHS), Liliane Roriz (PRTB), Bispo Renato Andrade (PR) e Luzia de Paula (PSB), foram dois nomes por parlamentar. Chico Leite (Rede), Cláudio Abrantes (sem partido) e Cristiano Araújo (PSD) solicitaram, individualmente, o credenciamento de uma pessoa.
Nesses casos, não foi identificado parentesco entre parlamentares e credenciados, que seriam consultores e prestadores de serviços.
O presidente da Câmara Legislativa, Joe Valle (PDT), Rafael Prudente (PMDB), professor Israel Batista, Robério Negreiros (PSDB), Raimundo Ribeiro (PPS) e Ricardo Vale (PT) não possuem na lista nomes de pessoas credenciadas por seus gabinetes. Também é o caso de Robério Negreiros (PSDB). No entanto, quando assumiu a segunda secretaria da Câmara, no começo deste ano, ele nomeou como secretária-executiva Jane Marrocos, que era apoiada pela amiga Pollyanna Costa na organização do setor.
De acordo com servidores da CLDF, embora não tivesse vínculo formal com a Casa nem sequer crachá funcional, Pollyanna tinha acesso a documentos restritos da segunda secretaria e os despachava na Secretaria Geral da Câmara. Negreiros nega conhecer Pollyanna e diz que jamais pediu o credenciamento de qualquer pessoa sem vínculo formal com o Legislativo. Para ele, o caso é de puro “denuncismo’.
Regras desiguais
Para entrar na “Casa do Povo”, qualquer cidadão precisa fornecer à Polícia Legislativa o endereço, o número da identidade e do CPF, além de dizer qual setor/gabinete deseja visitar. Assim, o público, em geral, tem acesso restrito às dependências da CLDF. No caso dos servidores, tanto efetivos quanto comissionados, a circulação é parcial, autorizada de acordo com as informações que constam em seus crachás funcionais.
Já as 63 pessoas chanceladas pelos deputados distritais têm até mais liberdade de movimentação do que os servidores do Legislativo. Embora tenham crachás similares aos dos funcionários, só constam o nome e a foto do portador – a identificação omite dados complementares, como lotação (gabinete e/ou setor), função e cargo exercido, com o devido símbolo. Para os ministérios públicos do Trabalho e de Contas, uma situação grave, que merece apuração rigorosa. Os procuradores dos dois órgãos, no entanto, ainda não se pronunciaram quanto à listagem detalhada das pessoas credenciadas neste ano a pedido dos próprios distritais.
Atualmente, apenas a garagem da Câmara Legislativa possui controle de quem entra e quem sai com crachá. As entradas de pedestres possuem catracas que estão desativadas, assim como detectores de metais que também não funcionam.
O presidente da Câmara Legislativa, Joe Valle (PDT), diz que não há irregularidades nos credenciamentos, mas que estuda ativar as catracas que existem nas entradas da Casa para que tanto credenciados quanto servidores sejam registrados quando adentrarem o prédio. A demora na adoção da medida ocorre por haver ação judicial relacionada ao funcionamento dos equipamentos.