Odebrecht cedeu obra do Mané Garrincha em troca da Arena Pernambuco
Em deleção, ex-executivos contam como ajudaram construtora concorrente e depois cobraram apoio para erguer o estádio do Nordeste
atualizado
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Um acordo firmado entre as construtoras Noberto Odebrecht e Andrade Gutierrez definiu quem tocaria a obra do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha para a Copa do Mundo de 2014. A informação foi confirmada nas delações feitas pelos ex-executivos da Odebrecht e divulgadas nesta quarta-feira (12/4) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) entre os casos remetidos às esferas inferiores da Justiça.
Durante depoimento, o ex-executivo da Odebrecht Ricardo Roth Ferraz de Oliveira contou que o acordo começou na fase de licitação do estádio candango em 2009, na gestão de José Roberto Arruda (PR), à frente do Governo do Distrito Federal.
A proposta de cobertura, mencionada por Ferraz, consiste na apresentação de um projeto fictício, com preços acima dos cobrados pelo mercado e dos oferecidos pelas outras concorrentes participantes do conluio. Dessa forma, mesmo a proposta mais barata, ainda é superfaturada. Nesse caso, a Odebrecht se candidatou com um valor maior do que o proposto pela Andrade Gutierrez, que venceu a licitação. Segundo Ferraz, o preço apresentado por seu grupo teria sido determinado por Rodrigo Lopes, ex-executivo da Andrade. “Eles que informaram qual era o preço que deveríamos oferecer na licitação”, afirmou João Antônio Pacífico Ferreira, também ex-diretor da Odebrecht e superior de Ferraz, em sua deleção.A Odebrecht só tinha intenção de participar de obras que passassem pela construção até a operação das arenas. No caso do Mané Garrincha, não era assim e, como não tínhamos interesse e tivemos notícia de que a Andrade Gutierrez tinha, o diretor deles procurou o João Pacífico, meu superior, solicitando que nós ofertássemos uma proposta de cobertura para esse estádio. O João me orientou nesse sentido e assim foi feito
Ricardo Roth Ferraz de Oliveira, sobre o suposto conluio entre Odebrecht e Andrade Gutierrez para construção de arenas da Copa
Veja vídeo com o depoimento de Ricardo Ferraz:
No Diário Oficial do Distrito Federal de 8 de julho de 2010, a Andrade Gutierrez aparece como vencedora da licitação para a obra do Estádio Mané Garrincha ao oferecer R$ 696.648.486,09 para a execução dos trabalhos, enquanto a Noberto Odebrecht ofereceu R$ 701.132.842,56. A construtora OAS foi a segunda colocada no certame, com preço de R$ 699.273298,16.
Toma lá, dá cá
Meses depois, foi a vez da Odebrecht cobrar o favor da Andrade Gutierrez. A empreiteira pediu a ajuda da Andrade para garantir a construção da Arena Pernambuco.
“O Ministério Público (do Pernambuco) achou que o edital do estádio estava pouco competitivo. Quando chegou próximo à (data de apresentar a) proposta, o governador (à época Eduardo Campos, do PSB) me falou que estava preocupado porque poucas empresas tiveram interesse na arena, e que se não aparecesse nenhuma proposta o MP poderia cancelar tudo. Aí eu me lembrei da Andrade Gutierrez e liguei. ‘Lembra que uns meses atrás eu ajudei vocês lá em Brasília? Eu quero que você faça a contrapartida aqui.’ E deu certo”, completou João Pacífico em seu depoimento.
Veja vídeo com o depoimento de João Pacífico sobre o conluio entre Odebrecht e Andrade Gutierrez:
Propinas do Mané
Depois do “acordo comercial” com a Odebrecht, a Andrade Guttierrez, ao lado da Via Engenharia, reformou o Mané Garrincha, arena considerada a mais cara da Copa do Mundo de 2014, com investimento total de quase R$ 2 bilhões. Em sua delação, o ex-presidente da Andrade, Otávio Azevedo, afirmou que os ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT) “embolsaram comissões” para favorecer a empresa na obra. O estádio foi licitado na gestão Arruda e construído durante o governo de Agnelo.
Em depoimento, Clóvis Primo, que também dirigiu a empreiteira, contou sobre o acerto para o pagamento de 1% do valor total da obra em propinas ao então governador Arruda. Segundo ele, a combinação ocorreu em 2009, antes da formação do consórcio que tocou o projeto. Mesmo após a prisão de Arruda, em 2010, o acordo teria sido mantido. Rogério Sá, outro executivo da construtora, delatou que Agnelo Queiroz, sucessor de Arruda no comando do DF, também teria recebido propina de diretores da empreiteira.
Ex-vice-governador do DF na gestão Agnelo, ex-presidente do PMDB-DF e hoje assessor do presidente Michel Temer, Tadeu Filippelli (PMDB) também teria cobrado recursos irregulares referentes às obras do Mané Garrincha. “O então vice de Agnelo, Tadeu Filippelli, também solicitou à Andrade Gutierrez pagamento de propina via doações de campanha em favor do PMDB, na ordem de 1% do valor do estádio”, teria dito Clóvis Primo.