Instituto que recebeu R$ 1,9 mi de Israel Batista não tem experiência
Entidade de projetos culturais, Terra Utópica não conta sequer com página na internet. Verba foi destinada por meio de emendas parlamentares
atualizado
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Suspeito de irregularidades na execução e no desvio de duas emendas do deputado distrital Professor Israel Batista (PV) que somam R$ 1,9 milhão, o Instituto Terra Utópica não possuía experiência para o desenvolvimento do projeto paradidático Sara e Sua Turma nas escolas públicas do Distrito Federal. Presidida pelo bancário aposentado e músico Robson Assis, a entidade é voltada para políticas culturais de várias áreas, mas não para a educacional, como previa o convênio com a Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude (Secriança).
De acordo com o próprio Robson Assis, o instituto, criado há cinco anos, sempre foi presidido por ele. Entre as atribuições, a partir de consulta ao CNPJ, estão atividades relacionadas a artes plásticas, música, artes cênicas e produção dos mais variados segmentos culturais, mas não o educacional.
Outro dado reforça que a entidade não possuía a qualificação necessária: não tem site ou página em redes sociais que comprovem as atividades. Assis disse que “não tem uma página no ar com as atividades do instituto por problemas técnicos”, mas estaria “providenciando o restabelecimento do site”.Questionado sobre a experiência do Instituto Terra Utópica, Robson Assis enviou à reportagem um portfólio. O documento é o mesmo que foi apresentado pelo próprio Robson Assis e pelo empresário e lobista Romero Pimentel ao gabinete do deputado Israel Batista. Eles foram levados por intermédio de Deoclécio Luiz Alves de Souza, o Didi. Até a semana passada, quando foi exonerado, Didi era um dos homens de confiança do distrital.
Mesmo sem comprovar experiência, a entidade foi aprovada pela Secriança, e o gabinete do parlamentar “carimbou as emendas”, dando destinação exclusiva para que elas só pudessem ser usadas pelo Instituto Terra Utópica. Assim, uma entidade desconhecida e sem atuação anterior na área de educação no DF abocanhou R$ 1,9 milhão dos cofres públicos.
Os recursos foram pagos, de acordo com a Secriança, antecipadamente para a entidade. Somente após a execução, o instituto teria de prestar contas de como os valores foram utilizados – mas isso não foi feito, segundo fontes da própria pasta. De acordo com a secretaria, o processo está em análise há pouco mais de um ano após a execução do projeto.
Sara e Sua Turma
O dinheiro era destinado ao projeto Sara e Sua Turma, uma iniciativa paradidática em escolas da rede pública. Porém, segundo a acusação, do montante destinado a pagamentos para a Editora Phoco – R$ 1,29 milhão –, cerca de R$ 690 mil teriam evaporado.
Criado para trabalhar a inclusão de crianças vítimas de preconceito dentro e fora de sala de aula, o projeto Sara e Sua Turma serve como preparatório para a Prova Brasil, que integra a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar, criada com o objetivo de aferir a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro.
A iniciativa bancada com a emenda do deputado Israel Batista (foto em destaque) inclui livros paradidáticos – materiais que, embora não sejam propriamente relativos ao ensino, são utilizados para tal fim. Mas, parte deles não chegou às mãos dos alunos. Segundo a denúncia protocolada no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), a razão seria o desvio de recursos públicos.
Outro lado
Por meio de sua assessoria, o deputado Israel Batista assegura que “pediu informações sobre a prestação de contas do projeto e da execução das emendas”.
Responsável pela análise do desenvolvimento da iniciativa, a Secriança informou que, caso a prestação de contas possua erro, “serão tomadas as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos”.
A denúncia
De acordo com a acusação, em setembro de 2016, o empresário Romero Pimentel, do ramo de eventos, teria atuado como lobista ao procurar a dona da Editora Phoco, Gisele Gama Andrade. Ela é a criadora dos personagens da Sara e Sua Turma. Na ocasião, Pimentel propôs que a escritora e empresária apresentasse a obra ao deputado Israel Batista.
Após conhecer a proposta, o parlamentar gostou da ideia e decidiu destinar uma emenda para que o projeto fosse implementado em escolas públicas do Distrito Federal por meio da Secretaria da Criança, Adolescente e Juventude. Israel Batista tem grande influência no órgão, pois boa parte dos cargos de chefia da pasta são indicações do deputado.
A responsabilidade sobre a forma como a emenda seria repassada ficou por conta de Deoclécio Luiz Alves de Souza. Assessor especial de gabinete que recebia R$ 5.589,42 mensais na Câmara Legislativa, Didi tinha a função de acompanhar a execução de todos os recursos oriundos de emendas de autoria de Israel Batista.
Do convênio ao instituto
Ainda em setembro de 2016, o projeto não pôde ser implementado, porque Didi e Romero Pimentel tinham a intenção de fechar o contrato mediante convênio. Três meses depois, a dupla encontrou uma solução. Em dezembro daquele ano, Gisele Gama foi novamente procurada para que o Sara e Sua Turma chegasse às escolas públicas por meio do Instituto Terra Utópica.
Na semana passada, três dias após o Metrópoles entrar em contato com o deputado Israel Batista para que ele comentasse a denúncia, Deoclécio Luiz Alves de Souza foi exonerado. De acordo com a justificativa dada pela assessoria do parlamentar, Didi, responsável pela escolha do projeto Sara e Sua Turma e pela indicação do Instituto Terra Utópica, “não seguiu as normas de fiscalização das emendas propostas pelo mandato”.