Grampos: Luiz Estevão diz que contará quem são os bandidos da capital
Em conversa gravada secretamente pela deputada distrital Liliane Roriz, o ex-senador Luiz Estevão fala sobre as arrecadações de Gim Argello para a campanha de 2014, diz que, de cada 100 caras na cidade, 90 são bandidos, e promete revelar a identidade deles
atualizado
Compartilhar notícia
O mais novo capítulo da série de grampos confeccionados e vazados pela deputada distrital Liliane Roriz (PTB) expõe novos personagens em um enredo já conhecido dos investigadores da Operação Lava Jato: o de que o ex-senador Gim Argello teria abastecido campanhas eleitorais no DF com dinheiro supostamente extorquido de empreiteiras ligadas à Petrobras.
Em abril do ano passado, o ex-senador Luiz Estevão foi gravado durante um encontro com a deputada distrital que, até aquela época, integrava os quadros do PRTB, partido liderado pelo empresário atualmente preso na Papuda. Eles conversaram por quase três horas, duas das quais foram registradas em áudio clandestino preparado pela própria parlamentar.
Os dois falaram sobre financiamento de campanha, política partidária, aliados, desafetos, escândalo envolvendo empreiteiras e sobre veículos de comunicação. Em determinado trecho da conversa, ao desenhar o cenário eleitoral de 2018, Luiz Estevão disse que Liliane teria mais dificuldades de conseguir recursos no futuro, do que teve no passado. Ao explicar o motivo, citou Gim Argello, dando a entender que o ex-senador cobrava doações de campanha de empreiteiros em troca de protegê-los na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras, da qual Argello era vice-presidente.
“Você, por exemplo, nessas eleições, você não precisou tirar dinheiro do seu bolso, tá? Foi uma situação que não se repete. Você não terá um Gim Argello, vice-presidente de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a Petrobras, em que as empreiteiras… até então, não tinha começado a Lava Jato… pagariam qualquer preço ao Gim para que ele evitasse que elas fossem convocadas para depor na CPI. Verdade isso ou não é? Por que você acha que aquelas doações aconteceram?”, questiona Luiz Estevão na gravação de Liliane. Na ocasião do encontro, a Lava Jato já estava em andamento e seus alvos, sendo investigados.
Neste momento da conversa, entrou em cena um segundo personagem grampeado por Liliane dentro de sua casa no Lago Sul: o ex-secretário-geral da Câmara Legislativa Valério Neves. Depois da explanação de Luiz Estevão sobre o papel de Gim Argello na última campanha, Valério afirma: “Parte do negócio”.
E Luiz Estevão confirma: “Parte do negócio”.
As gravações foram divulgadas pela TV Globo e fazem parte de um material entregue por Liliane Roriz aos procuradores da Operação Lava Jato em Curitiba que apuram a participação de Gim Argello em um suposto esquema de cobrança de propina para evitar que empreiteiros fossem convocados pela CPI da Petrobras no Senado. Argello foi preso em abril deste ano, na 28a fase da Lava Jato, batizada de Vitória de Pirro. Valério Neves acabou sendo detido temporariamente também na mesma operação, mas hoje responde às investigações em liberdade.
Os grampos feitos por Liliane Roriz foram entregues ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que recentemente deflagrou a Operação Drácon. Essa, para apurar a participação de deputados distritais no desvio de emendas da Saúde.
“Quem são os bandidos de Brasília”
No mesmo diálogo grampeado por Liliane Roriz, Luiz Estevão falou de sua determinação em mostrar “quem são os bandidos de Brasília e do Brasil”. No trecho, ele dirigiu-se à distrital com a seguinte provocação: “Nesta cidade, de cada 100 caras, tá certo, 90 são bandidos e vivem de bandidagem, putaria e sacanagem. Vivem roubando, tomando dinheiro, cobrando comissão, entendeu? Fazendo negócio fajuto com o governo local, com o governo federal.”
Luiz Estevão seguiu o seu raciocínio, em tom de ironia. “Agora, o que acontece? Todo mundo é santo, a cidade só tem um bandido que é conhecido, com diploma pregado na parede. Quem é o único bandido diplomado de Brasília? Diga, pode falar o que o seu sorriso está dizendo. Pô, Valério, o sorriso dela tá escrito aqui e ela não fala. Pode dizer quem é. É o Luiz Estevão.”
Segundo ele próprio definiu: “bandido condenado, preso, o caralho a quatro.” E disse: “O que eu quero? Eu vou mostrar pra essa cidade quantos bandidos o Brasil tem e quem são. Quem são.” Luiz Estevão cumpre pena de 26 anos na Papuda desde 8 de março de 2016 pelos crimes de peculato, corrupção ativa e estelionato no caso do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.“O que quer de mim politicamente? Nada”
Aliados no passado, Liliane Roriz foi eleita pelo PRTB de Luiz Estevão em 2014, mas acabou se desentendendo com o ex-senador durante seu mandato. No dia em que a deputada gravou Estevão, eles ensaiavam uma reaproximação.
Em determinado momento do diálogo, depois do empresário falar sobre os investimentos que fez para eleger Liliane como deputada distrital, ela perguntou ao ex-senador: “O que você quer de mim, politicamente?”. Luiz Estevão respondeu: “Nada”.
Em seguida, o empresário disse não precisar da Câmara Legislativa para defender seus projetos e afirmou ter interlocução com o governo, que “independe do pagamento de propina”. “Eu não preciso da Câmara Legislativa para defender meus projetos. Se você me perguntar que projeto que eu quero que você apresente na Câmara, eu digo: nenhum. Que posição que eu quero que você defenda? Nenhuma”. E o ex-senador prossegue: “Primeiro, porque eu tenho uma boa interlocução com o governo. Eu falo diretamente com o Rodrigo (Rollemberg) e com o Hélio (Doyle) a hora que eu quero e da maneira que eu quero”.
Luiz Estevão já cumpria pena no regime semiaberto quando participou ativamente das negociações políticas que levaram Celina Leão (PPS) à presidência da Câmara. Na época, Rollemberg apoiava o nome dela, até então filiada ao PDT, para o comando da Casa e pediu a Hélio Doyle (coordenador de sua campanha e chefe da Casa Civil no primeiro ano de seu governo) que articulasse com Luiz Estevão os dois votos do PRTB.
No dia 30 de dezembro de 2014, Hélio Doyle esteve com Luiz Estevão em um café do edifício Barão de Mauá, no SIG, onde o ex-senador mantinha um escritório. Naquele dia, Doyle obteve de Luiz Estevão a garantia de que Liliane Roriz e Juarezão (ambos filiados ao PRTB naquele período) votariam em Celina. “O Rodrigo me pediu que fosse até Luiz Estevão. Mas àquela altura, a decisão de Luiz já estava tomada, apenas levei a confirmação dos dois votos em favor de Celina ao governador”, disse Doyle ao Metrópoles.
A participação de Luiz Estevão para eleger Celina à presidência e Liliane na vice foi tão escancarada na época, que virou alvo do petista Chico Vigilante, para quem aquela composição da Mesa teria sido “articulada na Papuda”, numa referência à condenação de Estevão.
Embora tenha sido eleita pelo PRTB, Liliane acabou migrando em fevereiro de 2015 para o PTB de Gim Argello, justamente o financiador de sua campanha a partir do dinheiro vindo, apura-se agora, das extorsões de empreiteiras. Embora os trechos gravados por Liliane revelem um contexto e um linguajar usado entre pessoas próximas, àquela altura Liliane Roriz já tinha planos de montar um dossiê contra todos aqueles a quem ela julgou terem lhe prejudicado.
Enfraquecida politicamente depois de eleger-se na 11ª colocação entre os 24 distritais, sem o apoio do pai muito adoentado, brigada com a irmã Jaqueline Roriz, isolada pelos pares na Câmara Legislativa e prestes a ser julgada em segunda instância na ação que lhe condenou por lavagem de dinheiro e improbidade administrativa, a deputada resolveu abrir recentemente sua caixinha de Pandora, cheia de áudios colecionados ao longo de quase dois anos de grampos.
Veja trechos das conversas de Luiz Estevão, Liliane Roriz e Valério Neves
Papel de Gim
Luiz Estevão: Você, por exemplo, nessas eleições, você não precisou tirar dinheiro do seu bolso, tá? Foi uma situação que não se repete. Você não terá um Gim Argello, vice-presidente de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a Petrobras, em que as empreiteiras… até então, não tinha começado a Lava Jato… pagariam qualquer preço ao Gim para que ele evitasse que elas fossem convocadas para depor na CPI. Verdade isso ou não é? Por que que você acha que aquelas doações aconteceram?
Valério Neves: Parte do negócio.
Luiz Estevão: Faz parte do negócio.
Bandidos da capital
Luiz Estevão: Nesta cidade, de cada 100 caras, tá certo, 90 são bandidos e vivem de bandidagem, putaria e sacanagem. Vivem roubando, tomando dinheiro, cobrando comissão, entendeu? Fazendo negócio fajuto com o governo local, com o governo federal. Agora, o que que acontece? Todo mundo é santo, a cidade só tem um bandido que é conhecido, com diploma pregado na parede. Quem é o único bandido diplomado de Brasília? Diga, pode falar o que o seu sorriso tá dizendo. Pô, Valério, o sorriso dela tá escrito aqui e ela não fala.
Liliane Roriz: [ínaudível]
Luiz Estevão: Quem é o único bandido diplomado de Brasília? Pode dizer, quem é? Luiz Estevão.
Liliane Roriz: Não fala, né?
Luiz Estevão: Bandido condenado, preso, o caralho a quatro. O que eu quero? Eu vou mostrar pra essa cidade quantos bandidos o Brasil tem e quem são. Quem são.
Influência política
Liliane Roriz: O que você quer de mim politicamente?
Luiz Estevão: Nada. Eu não preciso da Câmara Legislativa para defender meus projetos. Se você me perguntar que projeto que eu quero que você apresente na Câmara, eu digo: nenhum. Que posição que eu quero que você defenda? Nenhuma. Primeiro, porque eu tenho uma boa interlocução com o governo. Eu falo diretamente com o Rodrigo (Rollemberg) e com o Hélio (Doyle) a hora que eu quero e da maneira que eu quero.
PRTB
Luiz Estevão: O PRTB foi o terceiro partido mais bem votado. Não fosse esse monte de gente que eu paguei, a gente não teria feito coeficiente eleitoral. É óbvio. Que presidente de partido tira dinheiro do bolso para eleger deputados? Que presidente de partido não está preocupado com as eleições de governador, nem de vice, nem de senador, nem de deputado federal, só de distrital? Em qual outro partido o candidato vai encontrar essa situação? Até as doações legais que as empresas envolvidas na Lava Jato fizeram, hoje, estão sendo consideradas suspeitas. Acho que não haverá outros presidentes de partidos dispostos a tirar dinheiro do bolso para eleger deputados.
Liliane Roriz: Estava muito assustada com essa história de gente atrás de mim pedindo emprego.