Secretário de Infraestrutura do DF paga empresa de amigo antes de a Justiça autorizar liberação da verba
Liminar determinava o pagamento de uma parcela de R$ 1,1 milhão à Serterra, responsável pela nova ciclovia do Parque da Cidade. Mas Júlio Peres liberou outros R$ 980 mil sem que a Justiça tivesse analisado o mérito do mandado de segurança impetrado pela empreiteira
atualizado
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O secretário de Infraestrutura e Serviços Públicos, Júlio Peres, não é de virar as costas aos amigos e pegou carona em uma decisão judicial para beneficiar um colega. Peres aproveitou a liminar que determinava o pagamento de uma nota fiscal da empresa de um antigo conhecido e “dobrou a meta”. Pagou — além de R$ 1,1 milhão — outra parcela, de R$ 980 mil, que também estava bloqueada devido à empreiteira ter dívidas trabalhistas e restrição na Receita Federal.
A dona da conta jurídica é a Serterra Transportes, Escavações, Terraplenagem e Pavimentação Ltda., que pertence ao empresário Roberto Bianchi Juliano. “Robertinho”, como é conhecido na secretaria, vai com frequência ao órgão e se gaba, nos corredores da pasta, de ser amigo de Júlio Peres há 40 anos.
Antes mesmo de Peres assumir a secretaria, Robertinho já tinha relações com o Governo do Distrito Federal. Em 24 de março de 2014, a empresa dele venceu a licitação para construir a nova ciclovia do Parque da Cidade, de 5km de comprimento, a um custo total de R$ 5,2 milhões.
Na época em que venceu o certame, a Serterra estava regularizada, mas, ao longo da obra, se atolou em dívidas trabalhistas e fiscais. As pendências fizeram com que a empresa de Robertinho não tivesse condições de emitir certidões de nada consta, conforme exigência da Lei 8.666/1993 — a Lei de Licitações — para o recebimento de dinheiro do erário.
A legislação local também aborda o tema. O Artigo 63 do Decreto 32.598 de 2010 estabelece que “fica vedada a emissão de Previsão de Pagamento (PP) e de Ordem Bancária (OB) quando verificado que o fornecedor ou contratante do serviço ou obra é devedor da Fazenda Pública do Distrito Federal, do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e da Fazenda Pública Federal”.
Em 20 de outubro de 2015, o empresário conseguiu uma limiar na Sétima Vara de Fazenda Pública determinando o desbloqueio do repasse sob o argumento de que “reter o pagamento de serviço devidamente prestado, por irregularidade fiscal ou trabalhista, viola o Princípio da Vedação do Enriquecimento Sem Causa, adaptado no regime jurídico administrativo ao Princípio da Moralidade”.
Mas a decisão em caráter liminar do juiz de direito José Eustáquio de Castro Teixeira aplicava-se somente à Nota Fiscal nº 75, no valor de R$ 1.124,524,62. Porém, o secretário estendeu a prerrogativa à parcela seguinte.
Em 26 de janeiro deste ano, Peres mandou que fosse paga a Nota Fiscal n° 85, referente à parcela de 17 de dezembro de 2015, no valor de R$ 980.825,06, de um dos trechos da ciclovia construída pela empresa de Robertinho.
De acordo com a Secretaria de Infraestrutura e Serviços, o pagamento foi feito com base em decisão judicial da 7ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal.
Mas o mérito da liminar, que estendeu a liberação do pagamento de outras parcelas, só foi julgado em 1º de fevereiro deste ano — 46 dias após o secretário ordenar o pagamento à empresa que não poderia receber recursos públicos.
O magistrado argumenta que, “como entendimento reiterado da jurisprudência, quando a empresa vencedora do procedimento licitatório já houver prestado os serviços contratados, a Administração não poderá, sob pena de enriquecimento ilícito, reter o pagamento devido, ainda que, no decorrer da execução do contrato, não seja mantida a situação de regularidade fiscal presente no momento da habilitação”.
Na decisão, o magistrado determina ainda que “não mais se impeça o recebimento de valores devidos em razão da prestação de serviços, caso o único óbice seja a falta de regularidade fiscal ou trabalhista da impetrante”.
O que diz a secretaria
Por meio de nota, a Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos alega que a Serterra estava com a situação regularizada no momento em que participou da licitação, em 24 de março de 2014. As irregularidades, segundo a pasta, surgiram durante a execução contratual, e o pagamento chegou a ser suspenso. Mas “a Justiça desbloqueou o recurso, e o dinheiro foi creditado em 26 de janeiro”, disse.
A pasta afirma ainda que os pagamentos efetuados não feriram os princípios da “impessoalidade e da legalidade, tendo sido feitos com base em decisões judiciais proferidas em favor da empresa”.
A secretaria, no entanto, não havia se pronunciado sobre o pagamento da Nota Fiscal n° 85 quando a Justiça havia autorizado quitar apenas o débito referente à de número 75.