Bastidores da Operação Drácon: do grego durão à Igreja do Apocalipse
Durante as buscas feitas na casa de deputados distritais, servidores e ex-servidores da Câmara Legislativa, foram apreendidos cofres, joias, dinheiro e celulares dos investigados na crise dos grampos
atualizado
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O enredo que envolve a investigação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e da Polícia Civil sobre os supostos pagamentos de propina em repasses para empresas ligadas à saúde pública do Distrito Federal é recheado de intrigas, reviravoltas, ciúmes, cobiça e vingança.
A devassa feita por promotores e delegados em gabinetes e residências de deputados distritais e servidores lembra o maior escândalo de corrupção já visto no Distrito Federal, a Caixa de Pandora, desarticulado em 2009. A ação resultou na prisão do então governador José Roberto Arruda.Durante as buscas feitas na manhã de terça-feira (23/8), foram apreendidos cofres, joias, dinheiro, computadores, documentos, mídias e celulares dos investigados na crise dos grampos. Documentos e objetos já foram enviados para o MPDFT.
Embora nenhum político tenha sido preso atualmente no âmbito da Operação Drácon, o estrago foi imenso e resultou na destituição da Mesa Diretora da Câmara Legislativa. A presidente da Casa, Celina Leão (PPS); o 1° secretário, Raimundo Ribeiro (PPS); o 2° secretário, Júlio César (PRB); e o 3º secretário, Bispo Renato Andrade (PR) foram afastados do órgão por força de decisão judicial, mas se mantêm na atividade parlamentar.
Os quatro — além da ex-vice-presidente da CLDF Liliane Roriz (PTB) e de Cristiano Araújo (PSD) — têm os nomes vinculados ao suposto esquema de cobrança de suborno.
Confira os bastidores sobre a investigação que começa a descortinar um megaesquema de desvio de recursos públicos no DF.
1) Drácon, um legislador severo e sanguinário
O nome que batiza a operação do MPDFT e da Polícia Civil se refere a um personagem histórico: Drácon, legislador que revolucionou as normas em Atenas, na Grécia Antiga. Famoso por ser excessivamente severo, quando não sanguinário. É atribuída a ele a elaboração de um rígido código que impedia os nobres da época de interpretarem as leis conforme a conveniência de cada um. Esse compêndio se tornou a primeira constituição da cidade grega. O termo “draconiano”, geralmente utilizado para caracterizar normas com grande rigor punitivo, até mesmo desumanas, é popular até hoje.
2) A Igreja do Apocalipse
Entre os personagens do escândalo, cinco apresentam uma característica comum: a forte ligação com igrejas evangélicas. Entre os distritais investigados, Celina Leão (PPS) é da Comunidade das Nações; Julio César (PRB) é pastor da Igreja Universal do Reino de Deus e Bispo Renato Andrade (PR) fundou uma instituição religiosa, curiosamente chamada de Igreja Episcopal Apocalipse. Além deles, dois servidores que podem ter relação com o esquema mantêm negócios religiosos. São eles: o secretário executivo da Terceira Secretaria da Casa, Alexandre Braga Cerqueira, que já foi sócio de uma instituição, a Igreja Batista Vida, fechada em maio deste ano; e o chefe de gabinete da 3ª Secretaria, Donizete dos Santos, sócio da Igreja Ministério da Vida. Ambos são suspeitos de integrarem o “bonde da propina” e terem encontrado ao menos um empresário para pedir “ajuda”.
3) O cofrinho do ex-secretário-geral. Joias valiosas ou bijuteria?
Na ação de terça-feira (24), um detalhe chamou a atenção: um cofre que foi carregado pelos policiais civis. O compartimento, apreendido por agentes da Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos (DRF), pertence ao ex-secretário-geral da CLDF Valério Neves, e estava em um dos imóveis dele, em Taguatinga. A perícia fará uma análise nos anéis, cordões e pulseiras para identificar se são de alto valor ou apenas bijuterias. Neves aparece nos áudios gravados por Liliane Roriz comentando o suposto esquema de pagamento de propinas que envolveria distritais. O ex-secretário-geral chegou a ser preso na Operação Lava Jato, por ser apontado como operador do ex-senador Gim Argello (PTB-DF).
4) Vou depositar R$ 16 mil no banco. No banco dianteiro do meu carro
Entre as apreensões da Operação Drácon, está uma quantia de R$ 16 mil em espécie. O dinheiro vivo pertence ao deputado Cristiano Araújo. O valor foi encontrado embaixo do banco do Ford Fusion (carro oficial da Câmara) a serviço do parlamentar. Segundo o distrital disse em depoimento ao Ministério Público, “o montante havia sido recebido a título de subsídio do presente mês”. Cristiano explicou às autoridades que tem o costume de sacar o seu salário em função de processos trabalhistas a que responde referentes à empresa da qual já foi sócio, a Vipasa. Segundo o deputado, ele teme que “uma eventual medida judicial pudesse incidir sobre sua conta bancária”. O parlamentar se comprometeu a apresentar o extrato provando o saque de seu salário.
5) Nada de arrombamento na CLDF. Chama o síndico. Ou o chaveiro
Policiais e promotores que foram à Câmara Legislativa para cumprir os mandados de busca e apreensão tomaram um chá de cadeira de pelo menos uma hora no início da manhã de terça (23). Isso porque os promotores não queriam que a polícia arrombasse as portas dos gabinetes. Na Câmara, não há claviculários com as chaves, por isso, foi chamado um chaveiro, que só chegou às 7h20. Ainda na manhã de terça, foi levantada a suspeita de que as fechaduras teriam sido trocadas esta semana pela presidência da Casa. O caso será investigado ao lado de uma denúncia do deputado Chico Vigilante (PT). Ele afirma ter sido procurado por um servidor que fez um relato grave. Segundo o homem, que não teve a identidade revelada, Sandro de Morais Vieira, um assessor de Celina, foi visto colocando computadores no porta-malas de um carro particular estacionado na garagem da Casa, por volta das 14h de segunda (22). Sandro e a Polícia Legislativa negam que equipamentos tenham sido levados das dependências do órgão.
6) Um advogado, dois megaescândalos
O conceituado escritório de advocacia do criminalista Eduardo Toledo foi contratado para defender Bispo Renato, Celina Leão, Júlio César e Cristiano Araújo. Toledo atuou em um dos casos de maior repercussão em Brasília. Defendeu o ex-secretário José Geraldo Maciel e o ex-assessor de imprensa do governo Omézio Pontes no caso da Caixa de Pandora. Toledo também conseguiu livrar do Tribunal do Júri o servidor público Paulo César Timponi, acusado pela morte de três mulheres após provocar um acidente na Ponte JK, em outubro de 2007. No carro de Timponi foram encontradas uma lata de cerveja, uma garrafa de uísque e vestígios de cocaína.