Deputados do DF usam cota parlamentar para pagar manobrista e bacalhau
Por mês, representantes do Distrito Federal têm direito à verba extra de R$ 33,7 mil. Gastos devem estar ligados à atividade política
atualizado
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Serviço de manobrista em shopping, bacalhau, carpaccio, hospedagem, carro abastecido diariamente e até gorjeta de garçom. Em pouco mais de um mês de mandato, os congressistas da bancada do Distrito Federal registraram gastos curiosos com a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap).
Todos os meses, cada um dos 513 deputados da Casa tem direito a uma verba extra, além do salário mensal, de R$ 33.763,00 mil. No caso dos oito eleitos pelo DF, o valor da Ceap é de R$ 33.788,66. O próprio texto que criou o penduricalho – o Ato da Mesa nº 43/2009 – estabelece que o recurso deve custear despesas como passagens áreas, telefone celular, combustível e alimentação, desde que estritamente vinculadas ao trabalho dos representantes da população na Câmara.
Entretanto, em fevereiro, alguns parlamentares do DF recorreram ao dinheiro público para bancar gastos que parecem distantes do trabalho de um político. Debutante no Congresso Nacional, Julio Cesar Ribeiro (PRB) apresentou duas notas de R$ 25 referentes a serviços de manobrista no ParkShopping.
O pastor e ex-distrital também pediu ressarcimento da cota parlamentar após pagar, em 24 de fevereiro, um domingo, prato de bacalhau de R$ 89,40 e carpaccio de R$ 37 no Bar Brasília, na 506 Sul.
No domingo anterior a esse episódio (17/2), Julio Cesar quitou a fatura do almoço e apresentou a nota à Câmara para pedir reembolso. Na ocasião, o local escolhido foi o Pecorino, restaurante especializado em gastronomia italiana. A despesa ficou em R$ 135,52, e até a gorjeta, de R$ 12, foi paga com a Ceap.
Dois abastecimentos em um dia
Outro estreante na Câmara dos Deputados, Luis Miranda (DEM-DF) aplicou R$ 2.008 em 18 dias no abastecimento de veículos. Ou seja, diariamente, em média, ele gastou R$ 111,55. Chama atenção que o parlamentar diz ter enchido o tanque em sete dias consecutivos: 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 de fevereiro, sendo que, no dia 25, foram registrados dois abastecimentos – de R$ 200 e R$ 150 – num intervalo de uma hora e seis minutos.
Julio Cesar também colocou gasolina em três dias consecutivos – 24, 25 e 26 de fevereiro – e pediu reembolso à Câmara dos Deputados.
Já o Professor Israel Batista (PV) foi modesto no dispêndio com gasolina: R$ 665,58 em 15 dias. No entanto, o ex-distrital colocou na conta da Câmara duas diárias num hotel em São Paulo que totalizaram R$ 887,78.
Mulheres
Única federal do DF reeleita no último pleito, Erika Kokay (PT) lançou mão de R$ 20 mil para bancar “consultorias, pesquisas e trabalhos técnicos”. Bia Kicis (PSL), até o momento, entregou notas referentes à compra de material para o gabinete com valor de R$ 317.
Celina Leão (PP), Flávia Arruda (PR) e Paula Belmonte (PPS) não apresentaram desembolso no mês passado.
Nos próximos dias, é possível que as despesas relacionadas a fevereiro aumentem e que mais deputados do DF integrem a lista de usuários da cota parlamentar. Isso porque eles têm até 90 dias para apresentar à Câmara as notas fiscais do mês em que o gasto foi efetivado. O prazo vence em maio.
Senadores
Entre os senadores, os gastos com a cota parlamentar estão zerados. As despesas que constam no site do Senado Federal são referentes ao consumo de material. Izalci Lucas (PSDB) usou R$ 876,37 em compras de materiais para o seu gabinete. O mesmo fez Leila Barros (PSB), a Leila do Vôlei, que recorreu à verba para adquirir resmas, canetas, grampeadores, pastas e outros itens de escritório – a soma final ficou em R$ 209,44.
No caso de Reguffe (sem partido), os únicos produtos constantes são garrafões de água mineral – o gasto total foi de R$ 14,76.
Falta de controle
Para o fundador e secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, muitos políticos enxergam a cota parlamentar como uma complementação do salário. “O que é um equívoco. Temos presenciado uma mera formalidade na apresentação das notas, sem que haja qualquer controle por parte da Câmara. Essa verba, que nem deveria existir hoje, não pode ser entendida pelo deputado como um penduricalho em seus vencimentos”, criticou.
No entendimento dele, a ausência de critério no emprego do dinheiro público faz a sociedade desacreditar ainda mais no parlamento brasileiro. “Pesquisas indicam que mais de 80% da população não confia nos deputados e senadores. É por esse tipo de comportamento. O gasto com cota parlamentar tem de estar necessariamente associado ao interesse público. É preciso ter clareza se esse gasto é discutível do ponto de vista do interesse da sociedade. Se não for, ele tem de devolver o dinheiro, que é público”, opinou.
Já o professor de Governança e Custos Aplicados ao Setor Público da Universidade de Brasília (UnB) Marilson Dantas diz que a falta de critério no uso da cota gera desgaste na imagem do parlamentar difícil de ser revertido.
“Vai justamente contra aquilo o que quase todos pregam, que é fazer um mandato austero. Fora isso, é preciso que a Câmara organize e revise seu sistema de governança e fiscalização a fim de minimizar essa bagunça com o dinheiro que é de toda a sociedade”, ressaltou.
Parlamentares se justificam
O deputado Luis Miranda explicou que o valor de R$ 2.008 usado com combustível em fevereiro foi devido ao fato de ele ter se comprometido a voltar em todos os seus redutos eleitorais para agradecer os 65.107 votos recebidos.
“Revisitei todos os colégios eleitorais, porque o que acontece muito é de o deputado ser eleito e virar as costas para quem o elegeu. Teve dia que rodei mais de 500 quilômetros, justamente para saber quais os anseios da população do DF”, disse Miranda, ressaltando ter aberto mão do auxílio-moradia durante o mandato.
“Esses dias, precisei trocar o pneu e paguei do meu bolso. Nem de alimentação, a qual tenho direito, pedi reembolso, porque acho que meu salário é suficiente para eu me comer no dia a dia”, complementou.
Julio Cesar argumentou que todas as despesas são justificáveis em função da “intensa agenda”. “Tem notas de restaurantes aos domingos porque trabalho todos os dias, incluindo fins de semana e feriados”, alegou.
A respeito dos gastos com combustível e serviço de manobristas, disse estar amparado por lei. “De segunda a segunda, rodo várias cidades satélites, porque é isso que um representante do povo deve fazer. Sobre o manobrista em shopping, está permitido por lei”, salientou.
Erika Kokay pontuou que o montante de R$ 20 mil refere-se à contratação de uma consultoria em comunicação, que “inclui manutenção de equipamentos de informática, banco de dados, agenda eletrônica” e aperfeiçoamento da divulgação do seu trabalho parlamentar nas redes sociais.
Professor Israel Batista esclareceu, em nota, que as duas diárias em São Paulo foram pagas com a cota porque participou do seminário internacional #EducaçãoJá!
“Na Câmara Federal, o parlamentar pleiteia, junto ao bloco do qual faz parte, vaga na Comissão de Educação e atua no grupo que coleta assinaturas para a criação da Frente Parlamentar da Educação”, destacou o texto enviado pela assessoria de imprensa do político.
Transparência
Em nota, a Câmara dos Deputados informou que tem adotado medidas para facilitar a fiscalização dos gastos parlamentares. “Entre elas, a reformulação do sistema de pesquisa da cota no portal, de modo a permitir buscas mais completas, além da determinação da obrigatoriedade de digitalização das imagens dos comprovantes de despesa, que passaram a ser publicadas na área de Transparência”, diz trecho do comunicado.