De Roriz a Rollemberg, conheça as preferências culinárias de quem já governou o DF
Ovo frito, pão de queijo, bacalhau. Lombo com quiabo, arroz e feijão. Receitas bastante variadas chegaram à mesa do poder local nos últimos 17 anos
atualizado
Compartilhar notícia
Fartura é a primeira palavra que vem à boca de quem se lembra das refeições servidas na mesa do ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz. Ao longo daqueles 12 anos, contam que “se amarrava cachorro com linguiça”. Fosse na residência oficial de Águas Claras ou na fazenda em Luziânia (GO), a preocupação era satisfazer o paladar e a fome dos presentes.
Até mesmo os protestos realizados em frente à casa do governador eram recheados de comida. Populismo ou jogo de cintura, opositores e aliados rorizistas são unânimes em reconhecer a fama do ex-governador como alguém que tentava conquistar pela barriga.
Sempre pelo PMDB, Roriz foi governador por quatro vezes, com algumas interrupções entre 1988 e 2006. Hoje, ele é filiado ao PRTB. Ao longo de seus governos, era ele próprio quem dava as ordens sobre o cardápio.
Pasta e formaggio
Como bom goiano, adorava um pernil, mas não dispensava um filé ao molho de mostarda. Pão de queijo também não podia faltar. Mas a grande paixão, na realidade, era uma autêntica massa italiana com molho alfredo — quanto mais parmesão e manteiga, melhor. O prato, aliás, era o ponto alto de suas idas à Itália com a família. A última viagem tem cerca de quatro anos.
A esposa, Weslian Roriz, ensinava o preparo às cozinheiras e se ocupava das sobremesas. Até hoje, a ex-primeira dama é lembrada pelo doce caseiro de cajuzinho do cerrado. Segundo a família, as opiniões do chef de cozinha só eram requisitadas em ocasiões de maior destaque, como a visita do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.
Por algumas vezes, o próprio Roriz chegou a se aventurar na cozinha. Filha do ex-governador e deputada distrital, Liliane Roriz (PRTB) lembra do episódio em que o então governador ofereceu uma paella a um grupo de advogados brasilienses, em sua fazenda, nos anos 1990.
Com a receita original de um amigo espanhol para 30 pessoas, Roriz mandou buscar vieiras diretamente de Santa Catarina para a ocasião. “Todo mundo devorou e ainda ficou com vontade. Foi um sucesso”, recorda Liliane.
Café frio
Desde então, a ostentação oficial tem diminuído, pouco a pouco, entre os governadores. Seja por um olhar mais atento da população ou por uma necessidade real de cortes no orçamento, as refeições têm sido mais econômicas.
Quando Roriz se afastou do cargo para disputar uma vaga no Senado, em 31 de março de 2006, foi sua vice-governadora, Maria de Lourdes Abadia (PSDB), quem assumiu o comando do Buriti. Ela foi a primeira governadora mulher do Distrito Federal e, na companhia de seu então marido, Nelson Pantoja, morou na residência oficial durante os nove meses que restavam de mandato.
Menos gastos e calorias
Por recomendação dos nutricionistas, a comida do casal era simples: salada, arroz, feijão e alguma carne, acompanhados de suco de laranja. De sobremesa, a preferência era por pudim. À noite, era servida alguma sopa ou lanche. Segundo Abadia, sua maior preocupação era com o desperdício.
“Era muito comum ter algum desperdício. Mas eu, como mulher e dona de casa, proibia isso. Sempre que podia, dava uma volta pela cozinha. Uma vez disse a eles ‘a melhor macarronada de São Paulo, no Bixiga, é feita com aparas de filé mignon, não joguem isso fora’, mas eles não gostavam muito de ouvir essas coisas”, relembra a ex-governadora.
A única reclamação de Abadia é acerca dos últimos meses de governo, quando José Roberto Arruda, à época filiado ao DEM, já havia sido anunciado como governador eleito.
Depois que eu perdi a eleição, a comida piorou demais. Eles já estavam preocupados com o próximo governador e não eram tão prontamente serviçais. Uma vez, fui pegar o pão do café da manhã e estava embolorado. O café vinha sempre frio. O Rollemberg que se cuide, viu, porque ainda vai tomar muito café frio.
Maria de Lourdes Abadia (PSDB), ex-governadora
Bandejão
Se o atual senador pedetista Cristovam Buarque ostenta ares de intelectual, no dia a dia ele possui hábitos relativamente modestos. À frente do governo pelo Partido dos Trabalhadores entre 1994 e 1998, Cristovam recorda que nunca se sentiu à vontade para usar a piscina da residência oficial, que era considerada por ele um mero escritório e não uma casa propriamente dita.
“Nem me lembro do que eu comia naquela época. Acho que se eu tomei dez cafés da manhã, almoços e jantares com a família, naqueles quatro anos, foi muito. O resto era sempre em reunião”, diz o ex-governador, que vivia com a esposa e os dois filhos no local.
Apesar de ter morado na França, um dos berços da gastronomia, as refeições na casa do atual senador pedetista são lembradas por sua simplicidade, por quem frequentava o local. Os relatos condizem com o dia a dia do ex-governador que, há mais de dez anos, sempre que a rotina permite, toma café da manhã da padaria do português Abel, a Favorita, na 110 Norte.
Cristovam também faz questão de contar que, no período em que foi reitor da Universidade de Brasília (UnB), de 1985 a 1989, almoçava a mesma comida servida no bandejão do Restaurante Universitário. “Uma vez teve até um ‘escandalozinho’, porque eu levei um embaixador da França e ele comeu aquela comida”, conta o pedetista, bem-humorado.
Não complica
Sempre de dieta, José Roberto Arruda e a mulher, Flávia, levavam uma rotina recheada de salmão e carnes magras. Assim como seus antecessores, entretanto, o ex-governador (no cargo entre 2007 e 2010) também fazia política com o estômago e circulava por sua casa todo tipo de autoridades nacionais e internacionais, fosse no café da manhã, almoço ou jantar.
Para o mineiro de Itajubá, simplicidade era a regra e pão de queijo, obrigação. Responsável pelas refeições da residência oficial no governo de Arruda, o chef de cozinha Aldo Alves, de 42 anos, se recorda de uma ocasião em que tentou emplacar um carneiro marroquino para alguns convidados de peso. Na mesma hora, ele diz ter recebido os pratos de volta com um bilhete assinado pelo governador.
Não complica. Arroz, feijão e bife a cavalo.
Bilhete do governador Arruda ao chef Aldo Alves
Outro pedido frequente era lombo com quiabo, tutu e chuchu. O café, sempre forte e sem açúcar — conforme as restrições da nutricionista acerca do sal e dos doces.
Em casos mais ilustres, era necessária uma pesquisa prévia sobre as preferências dos convidados. Já na presença de grandes comitivas, como a dos heróis da Copa do Mundo de 1950, a variação girava em torno de coringas elegantes, como bacalhau, camarão e filé mignon.
Entre as visitas, estavam desde celebridades como o ex-jogador de futebol Pelé até o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, hoje presidente da República.
Suco de melancia
Uma tumultuada sucessão de governadores tomou conta do GDF após a renúncia de Arruda diante dos escândalos de corrupção investigados na Operação Caixa de Pandora, em 2010. Os primeiros a assumirem o comando do governo local foram Paulo Octávio e Wilson Lima, que preferiram receber as refeições no próprio Palácio do Buriti.
Foi o governador eleito indiretamente pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), Rogério Rosso, o primeiro a voltar a ocupar de fato a residência de Águas Claras, em 2010. Mas, aos fins de semana, fazia questão de passar o máximo de tempo possível em sua fazenda, com o apoio dos funcionários. À época filiado ao PMDB, hoje ele é deputado federal pelo PSD.
Na mesa de Rosso, suco de melancia e ovo frito eram duas exigências quase constantes. Assim como no governo Arruda, a orientação na maioria das vezes era por simplicidade.
Aldo — que também comandava a cozinha na época — conta que certa vez o então presidente Lula chegou à paisana para um café da manhã. “Só deu tempo de servir cuscuz com ovo frito”, lembra o chef, em meio a risadas.
Preocupada com a saúde das crianças e do marido, à época fumante e mais sedentário, Karina Rosso orientava os garçons a colocarem sal no refrigerante para inibir o consumo da bebida.
Requinte
No governo do petista Agnelo Queiroz, era seu vice, Tadeu Filipelli (PMDB), quem chamava a atenção pelo paladar rebuscado, entre 2011 e 2014.
Baiano, Agnelo se satisfazia com uma boa pescada ou moqueca, de preferência acompanhada por um risoto. Conhecido por jantar tarde, sopas dos mais variados ingredientes ocupavam a mesa à noite. Já Filipelli é lembrado por seu conhecimento gastronômico, adquirido no exterior.
Dono de uma adega bem abastecida com recursos próprios, volta e meia o peemedebista levava uma garrafa para servir em jantares com públicos mais exigentes ou merecedores de um agrado extra.
Quando a ocasião permitia, Filipelli não dispensava o refinamento de um lombo de cordeiro em crosta, servido com arroz negro. No dia a dia, entretanto, sabia apreciar uma boa comida de boteco, como um pescoço de peru.
Vacas magras
A realidade contrasta com o atual governo, comandado por Rodrigo Rollemberg (PSB). No início do ano, o socialista anunciou que pretendia reduzir consideravelmente os custos com a residência oficial, onde optou por realizar apenas reuniões pontuais.
De R$ 1,4 milhão contratados por Agnelo em 2014, a promessa de Rollemberg é de que menos de R$ 200 mil serão gastos com alimentação. Já o vice-governador, Renato Santana (PSD), pediu para que os cálculos com alimentação de sua residência oficial fossem reduzidos de R$ 176 mil para R$ 60 mil em 2015.
O maître da vice-governadoria, Raimundo Pimentel, brinca com os cortes no orçamento.
O Renato Santana é o vice-governador do bife com feijão e ovo frito.
Raimundo Pimentel, maître na residência oficial da vice-governadoria
Acostumado à rotina elegante de badalados restaurantes da alta cozinha brasiliense, como o francês La Becasse (fechado) e o italiano Trattoria da Rosario, Pimentel conta que já teve de tirar dinheiro do próprio bolso para completar os ingredientes de um molho funghi, que pretendia preparar.