Colcha de retalhos. GDF vai rever projeto cheio de furos que prevê a venda de imóveis
Proposta que reúne temas diversos — como permitir a aquisição de terrenos públicos e passar à iniciativa privada ações de empresas estatais — tem uma série de problemas. Entraves incluem falta de documentos apontados no próprio PL, valores superestimados e redação confusa. Buriti vai desmembrar o texto em três PLs diferentes
atualizado
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O projeto de lei apontado por Rodrigo Rollemberg (PSB) como solução para ajudar a tirar o DF do vermelho se assemelha às vias de Brasília após o início das chuvas: está cheio de buracos. O polêmico PL 738/2015 — que permite ao GDF vender terrenos públicos e ainda autoriza o Executivo a promover uma espécie de “privatização” de empresas do Estado para honrar parcerias público-privadas — tem ao menos quatro problemas evidentes. Por essa razão, o texto será desmembrado em três novas propostas.
Entre as barreiras encontradas na tortuosa via do PL 738, uma se destaca: a falta dos anexos especificados no texto da proposta. O projeto de lei diz que as áreas a serem comercializadas constam nos anexos IV, V e VI, mas esses documentos simplesmente não existem. Outro detalhe inusitado: o R$ 1 bilhão que o GDF estima arrecadar com a venda dos terrenos corresponde a valores muito acima dos praticados pelo mercado.
Dos 32 terrenos previstos para venda, o Metrópoles comparou o preço de 10 com os editais de licitação mais recentes da Terracap em áreas próximas ou vizinhas, todas com a mesma destinação das originais. Em média, o valor estimado pelo GDF para os terrenos é 112% acima do cobrado pela estatal em editais de 2012, 2013 e 2014. Ou seja, ao se usar preços de mercado, a previsão de arrecadar R$ 613 milhões só com esses 10 terrenos cai para R$ 289 milhões.
Uma dessas áreas, no Setor Habitacional Taquari, no Lago Norte, por exemplo, está avaliada pelo GDF em R$ 57,6 milhões. No entanto, segundo projeções anteriores, valeria R$ 10,1 milhões. Nesse cenário, o metro quadrado previsto em R$ 3.626,75 cai para R$ 639,07 (veja tabela ao lado).
Sem licitação
Outro ponto nebuloso do projeto é a desafetação de 120 mil metros quadrados de área pública no Setor de Armazenagem e Abastecimento Norte (Saan). O artigo 2º do PL n° 738 prevê a venda direta, sem exigência de licitação, para proprietários de lotes vizinhos que se interessem em expandir o terreno. O governo espera arrecadar R$ 197 milhões com a empreitada.
Na prática, entretanto, esses terrenos que o GDF pretende vender já estão invadidos. Empresas e indústrias que atuam na região construíram prédios que ocupam toda a estreita faixa de área verde. Apenas alguns poucos respeitaram a delimitação. Além disso, parte do terreno está ocupada por barracos improvisados, feitos de madeira e lona.
Segundo o proprietário de um imóvel na região, que não quis se identificar, a associação dos empresários do Saan já liderava um movimento que pedia a venda dos terrenos pelo GDF. “Claro que nós temos interesse em comprar esses lotes. Nos é que estamos liderando essa ação”, afirma o empresário, cujo imóvel faz parte da cota que invadiu o espaço público.
Caso eles não queiram comprar a área, o GDF teria dificuldade para vender esses terrenos, pois são áreas inacessíveis por outro caminho que não seja pelos lotes hoje já ocupados.
Os percalços no texto do projeto incluem trechos confusos. É o caso do item 2, no Artigo 4º. Basicamente, ele especifica que, se o governo deve uma empresa, ela teria um crédito no valor da dívida para abater em até 80% do imóvel. O próprio GDF admitiu que o trecho é problemático e será suprimido do documento.
Desmembramento
Devido à sucessão de problemas, o PL será retirado da pauta e reencaminhado à Câmara, talvez ainda nesta sexta-feira (20/11). A ideia é desmembrar a proposta em três partes.
O parte que trata do Saan constará em um projeto de lei complementar. A questão que prevê a venda de 32 terrenos também terá projeto específico.
Uma terceira matéria vai abordar a previsão de transferir o controle acionário de empresas públicas para garantir parcerias público-privadas (PPPs). Isso quer dizer que, caso não cumpra com as obrigações previstas em contratos firmados com a iniciativa privada, o GDF poderá transferir ações de empresas como a CEB, o BRB e a Terracap para honrar os acordos. A participação acionária comporia o Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP) do DF.
Receio
Os problemas estruturais do documento provocaram desconfiança entre parlamentares que votarão a medida. O deputado distrital Rodrigo Delmasso (PTN) afirmou que o governo precisa explicar melhor por que deseja aumentar o fundo garantidor das PPPs. Disse ainda que os terrenos destinados a escolas, a centros de saúde e a creches não deveriam estar no projeto.
Esses terrenos devem ser preservados até para cumprir o que é estabelecido no Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT). Caso haja um crescimento populacional, é preciso ter os equipamentos públicos necessários
Rodrigo Delmasso (PTN), deputado distrital
Para o parlamentar, o governo deveria ainda encaminhar uma memória de cálculo de cada terreno para comprovar como chegou ao valor apresentado no projeto.