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Auxílio-moradia: conselheiros do TCDF moram muito bem, graças a você

Entre bairros nobres e condomínios luxuosos, Metrópoles descobriu endereços dos membros da Corte, que recebem R$ 4,3 mil mensais de “ajuda”

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
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1 de 1 Rafaela Felicciano/Metrópoles - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

No país marcado por contrastes sociais, sobram exemplos de como o trabalhador comum parece viver em um planeta diferente do habitado por autoridades. É o caso do auxílio-moradia, benefício recebido por integrantes do alto escalão dos Três Poderes. No Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), alvo de recente controvérsia sobre o assunto, a regalia ajuda os sete conselheiros do órgão a terem uma qualidade de vida inacessível para a maioria dos brasilienses. Todos moram em áreas nobres da capital federal, onde o preço do metro quadrado é aferido a peso de ouro.

Atualmente, os membros do TCDF ganham quase R$ 30 mil mensalmente. Além desse valor, conseguiram na Justiça, em janeiro, o direito de voltar a receber o auxílio-moradia. Dessa forma, a cada mês, os contracheques vêm com R$ 4.377,73 extras – quase cinco vezes o valor do salário mínimo, fixado em R$ 954 neste ano.

No caso de alguns dos conselheiros, o valor do benefício não é suficiente para quitar integralmente o aluguel das casas e apartamentos luxuosos em que vivem. Mas não há como negar que a cifra representa um belo aporte para complementar a fatura paga aos locadores.

Confira onde moram os conselheiros do TCDF
Nas quadras que beiram o Lago Paranoá, fica a residência da presidente do TCDF, Anilcéia Machado. Numa das conhecidas QLs do Lago Norte, a casa da conselheira possui dois pavimentos. Além do espaço interno, o endereço oferece área de lazer, com churrasqueira, piscina arredondada e jardim.

Nem todos os vizinhos têm conhecimento de que a comandante da Corte de Contas reside no local. Porém, a cerca elétrica instalada nas grades e a presença constante de seguranças indicam a habitação da autoridade. O aluguel de casas similares na região varia entre R$ 7 mil e R$ 9 mil por mês. De acordo com imobiliárias especializadas em imóveis de luxo, a residência não vale menos que R$ 2,5 milhões.

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A presidente da Corte, Anilcéia Machado, mora em casa de dois andares no Lago Norte

 

Longe dali mora José Roberto de Paiva Martins. O auditor de carreira nomeado conselheiro da Corte em 2013 vive no Park Way, próximo a Vargem Bonita. A casa imponente ficou conhecida por já ter abrigado uma importante mostra de decoração em seu interior. Com direito a paisagismo na entrada, a residência do conselheiro é famosa na região.

Google Street View/Reprodução
Entrada do conjunto no qual mora o conselheiro Paiva Martins no Park Way

 

Um pouco mais perto do Tribunal de Contas do DF, na 209 Norte, mora Inácio Magalhães. No bloco, os apartamentos são de quatro dormitórios e quatro banheiros, dispostos em 188m². Anúncios na internet sugerem que um imóvel no mesmo local pode custar quase R$ 2,4 milhões.

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Conselheiro Inácio Magalhães mora na 209 Norte: apartamentos no bloco são avaliados em R$ 2,4 milhões

 

“Moro em Jaçanã”
Durante bom tempo, o conselheiro Manoel de Andrade morou em apartamento funcional do GDF com 242,52m², localizado no bloco G da 315 Sul. No entanto, com decisão do governo local de vender as propriedades, o ex-presidente do Sindicato dos Taxistas – eleito deputado distrital em 1994 e em 1998 e, dois anos depois, foi empossado conselheiro do TCDF – mudou-se para um flat localizado na Quadra 1 do Setor Hoteleiro Norte, área nobre de Brasília.

De acordo com o condomínio Vision, os imóveis do local “possuem área útil de 20m² a 137m² e podem ter um dormitório”. O prédio possui requintado espaço de lazer na cobertura e oferece ainda serviços de pay per use (pague se usar), como ocorre em hotéis de luxo.

Reprodução internet
Cobertura do flat onde Manoelzinho reside: piscina e área de lazer com vista privilegiada

 

Embora resida no flat, o conselheiro possui, há anos, uma propriedade no Setor de Chácaras do Gama, cidade a 33km de Brasília. O local já foi palco para lançamento de candidaturas, como a do ex-distrital Pedro Passos (MDB). Batizada de Jaçanã, a chácara possui cerca de 30 mil m², onde estão uma casa térrea de telhado colonial, salão de festas e um campo de futebol.

Reprodução
Chácara Jaçanã: fim de semana com direito a campo de futebol

 

Às margens do Paranoá
Já o condomínio escolhido pelo conselheiro Márcio Michel é o Life Resort, complexo residencial e hoteleiro com apartamentos de até dois quartos. O local também é conhecido pelas grandes piscinas e pelo restaurante Liv Lounge, que atrai lanchas em seu píer nos fins de semana.

Considerado pequeno, o imóvel geralmente é moradia de solteiros. Para comprar um flat no local, é preciso desembolsar até R$ 350 mil. O aluguel no lugar chega a R$ 2,5 mil mensais.

Reprodução
Piscina do Life Resort: qualidade de vida com vista para cartão-postal

 

Quem também escolheu um condomínio à beira do Lago Paranoá é Paulo Tadeu. Desde que era distrital – eleito em 1998 pela primeira vez, teve três mandatos na Câmara Legislativa e um na Câmara dos Deputados –, ele reside no badalado Lake Side, localizado na vizinhança do Palácio da Alvorada.

O endereço oferece spa, salão de beleza, estúdio de pilates, piscinas, sauna, academia e quadra de tênis. De acordo com o site do condomínio, o endereço “tornou-se sinônimo de bem viver por apresentar sofisticação de forma pessoal, o que faz com que seus moradores sintam-se sempre em casa”. A depender do tamanho da unidade escolhida, o valor para aquisição gira em torno de R$ 500 mil.

Divulgação
O Lake Side também é um atrativo complexo beira-lago

 

De Taguatinga para Águas Claras
Ex-deputado distrital, o conselheiro Renato Rainha sempre morou em Taguatinga, onde ficava sua base eleitoral. Recentemente, mudou-se para apartamento em Águas Claras, na Rua 31 Norte, bem próximo ao parque da região administrativa – local onde aparece com frequência para caminhadas e atividades físicas.

No valorizado endereço da cidade, um imóvel pode ultrapassar a quantia de R$ 1 milhão para a compra direta. Rainha, conhecido por ser um dos conselheiros de atuação mais austera, foi o único conselheiro a abrir mão do auxílio-moradia retroativo na época em que o TCDF decidiu agraciar seus integrantes.

Além de Rainha, a procuradora-geral junto à Corte de Contas, Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, devolveu os R$ 209 mil recebidos.

 

Reprodução
Rua 31 Norte, em Águas Claras: apartamento próximo ao parque ecológico

 

Procuradores
Os procuradores do Ministério Público junto ao TCDF também moram em endereços nobres de Brasília. Cláudia Fernanda, por exemplo, vive em um bloco da Quadra 300 do Sudoeste no qual os apartamentos ultrapassam a casa dos R$ 1,5 milhão, e o aluguel não sai por menos de R$ 5,5 mil.

O logradouro de Marcos Felipe Pinheiro Lima é a Quadra 25 do Park Way. Na região, o preço das casas gira em torno de R$ 1,8 milhão, com aluguel de R$ 6 mil.

Os valores são similares ao pago por Demóstenes Tres Albuquerque, que mora na 215 Sul. No edifício dele, o valor dos apartamentos também ultrapassa o marca de R$ 1 milhão, e os aluguéis passam dos R$ 4 mil.

Esses são os três procuradores em atividades atualmente no TCDF. Há uma quarta vaga, que até setembro do ano passado era ocupada por Márcia Ferreira Cunha Farias. Mas ela se aposentou e ainda não foi designado substituto.

Retroativo milionário
O pagamento do auxílio-moradia para conselheiros do TCDF foi envolto em uma polêmica no ano passado quando a presidente da Casa, Anilcéia Machado, autorizou um pagamento retroativo de R$ 1,6 milhão. O caso veio à tona antes mesmo de o assunto entrar na pauta da opinião pública, que passou a questionar regalias reservadas a autoridades do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público.

O benefício foi instituído pela Portaria n° 251/2008, que regulamentou, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o pagamento de auxílio-moradia e de outras benesses, como diárias. Por força da equiparação constitucional, os conselheiros dos Tribunais de Contas e os procuradores passaram a ter direito ao benefício.

Mas como o dinheiro não caía na contas dos integrante do TCDF, o órgão decidiu, em agosto do ano passado, pedir cerca de R$ 209 mil para cada um dos integrantes da cúpula do órgão, como retroativo referente ao período entre outubro de 2009 e setembro de 2013 – prazo em que conselheiros e procuradores tinham legalmente direito ao repasse.

Após repercussão negativa, o TCDF revogou, em outubro do ano passado, o ato que previa esse pagamento. No mesmo período, a regalia deixou de ser repassada mensalmente. No entanto, em janeiro de 2018, os desembargadores da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) restabeleceram o benefício, inclusive autorizando o recebimento do que não havia sido pago nos quatro meses anteriores. A questão do retroativo antigo, contudo, segue nebulosa.

Apesar de o próprio TCDF ter revogado o ato que autorizava a liberação do dinheiro, como a Justiça não viu ilegalidade no recebimento dos valores, nada impede que a cifra milionária deixe os cofres públicos. Nesse caso, toda a cúpula da Corte seria agraciada: tanto os conselheiros, que chegaram ao cargo vitalício por meio de indicação política, quanto os procuradores, servidores de carreira concursados.

Indenização polêmica
Para o fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, a verba é amoral, visto que originalmente o benefício foi criado apenas para ajudar servidores públicos deslocados de suas cidades-natais em decorrência do trabalho.

Ainda que possa existir algum fundamento legal, recorrer ao auxílio tendo imóvel na cidade onde se trabalha é, no mínimo, imoral. [A verba] tornou-se um privilégio para muitos.

Gil Castelo Branco, fundador da ONG Contas Abertas

Para o especialista, o pagamento configura “um acinte”: “Acabaram transformando o auxílio em uma mesada bancada pelo cidadão.” Em cálculos feitos pela Contas Abertas, de 2014 até os dias de hoje, o país gastou pelo menos R$ 5,4 bilhões com a polêmica regalia. Nesse montante, ressalta Castelo Branco, não estão os valores dos tribunais de contas estaduais e do DF.

“É um valor significativo sob o ponto de vista de gastos públicos. Uma excrecência. As leis, mesmo quando existem, podem e devem ser alteradas. A sociedade está farta de pagar por esses privilégios”, critica. Para sustentar a argumentação, o economista compara o valor do auxílio ao salário de outros servidores. “Há muitos professores, por exemplo, que recebem um vencimento bem menor”, sintetiza.

OAB também é contra
Outras entidades engrossam o coro dos críticos. “A gente observa, no Brasil, que o benefício tem se traduzido em espécie de aumento remuneratório, mas não é para isso que foi criado”, contesta o presidente da Comissão de Legislação Anticorrupção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do DF (OAB-DF), Antônio Rodrigo Machado.

O advogado diz que a OAB-DF tem discutido a questão e ainda não tomou alguma iniciativa porque aguarda o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que se prepara para analisar, em março, o julgamento de três ações sobre o auxílio-moradia da magistratura. O plenário da Corte vai referendar ou não decisão do ministro Luiz Fux, de 2014, que assegurou o direito ao benefício a todos os juízes em atividade no país.

Por meio da assessoria de imprensa, o Tribunal de Contas do DF informou que os integrantes da Corte de Contas não se pronunciariam oficialmente, visto que o caso está judicializado.

Colaboraram Manoela Alcântara e Isadora Teixeira

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