PMDF diz não saber quantos casos de abuso policial Corregedoria apura
Sob alegação de que o Sistema de Gestão Correcional “carece de aprimoramentos”, PMDF não consegue monitorar informações de casos de abusos
atualizado
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Nos últimos dias, casos de abuso policial chocaram a população da capital do país e instigaram uma atuação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Mas a cobrança por punições contra possíveis irregularidades cometidas por militares apresenta falhas básicas de transparência. Segundo a própria Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), a corporação nem sequer sabe quantas apurações de abusos ou outros desvios de conduta estão em aberto hoje na Corregedoria.
A informação, obtida pelo Metrópoles, surge em um cenário de crescente de casos que necessitam de investigação. Na última quinta-feira (9/11), por exemplo, policiais militares entraram, sem autorização dos donos, em uma casa do Núcleo Bandeirante, buscando por um suspeito de tráfico de drogas, e executaram o cachorro da família. Nem o indivíduo procurado nem qualquer substância ilegal foram encontrados no local.
Na mesma semana, um jovem negro, de 26 anos, levou um mata-leão de policiais da PMDF dentro de um ônibus em Planaltina, voltando do trabalho como auxiliar de serviços gerais. Os militares alegaram que receberam uma denúncia de uma pessoa armada dentro do coletivo com as características do abordado, mas nada ilícito foi encontrado com ele. A 3ª Promotoria de Justiça Militar requisitou à Corregedoria-Geral da Polícia Militar do DF a instauração de inquérito para apurar o caso.
Sistema falho da PMDF
Mesmo com esse cenário, a PMDF ainda utiliza um sistema de controle de dados de investigações que, segundo a corporação, carece de aprimoramentos. O Sistema Gestão Correcional (SGC) é usado pelo Departamento de Controle e Correição da Polícia Militar da capital para registros relativos aos processos apuratórios disciplinares.
Porém, a PMDF ainda tem, hoje em dia, “dados que se encontram em documentação física e banco de dados digitais não consolidados”, como consta em resposta de requerimento via LAI. Além disso, o sistema utilizado pela Corregedoria não dispõe de ferramentas de busca que filtrem os processos em investigação por tipo de apuração.
A corporação cita esses problemas para não conseguir responder quantos processos há em aberto contra policiais investigados por abuso ou violência, por exemplo, ou quantos militares foram punidos em determinado recorte temporal.
Mas até quem trabalha na Corregedoria vem sendo investigado. A major Cristiane Caldeira — que já chegou a assumir, temporariamente, o cargo de presidente do Conselho de Disciplina — apareceu fardada em um vídeo de pedido de Pix aos parentes dos oficiais detidos pelo 8 de Janeiro. A corporação esclareceu que o uso do fardamento é proibido em situações que não correspondam a atividades oficiais e abriu apuração.
Aumento em dados da CLDF
Com a falta de transparência da PMDF, outros órgãos de controle tentam reunir dados e cobrar a aplicação da lei. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF (CLDF), presidida pelo deputado distrital Fábio Felix (PSol), enviou um ofício à corporação nas últimas semanas solicitando informações, a exemplo do número de processos de abuso de autoridade registrados em 2023. Enquanto isso, um levantamento mais geral do grupo já mostra registros alarmantes.
A Comissão identificou, neste ano, um número de casos de violência policial quase duas vezes maior do que no ano passado. “Até o mês de novembro, foram 70 casos, dado superior ao recebido em todo o ano de 2022. Em 2022, 40 casos foram denunciados à Comissão. Em 2021, 28; em 2020, foram 11 episódios denunciados”, divulgou.
Nesses quantitativos, a maioria das denúncias é contra a PMDF, como excesso de violência no Carnaval, em fevereiro; chute no rosto de homem abordado no Guará, em março; agressões de um tenente-coronel contra um motoboy, no mesmo mês; agressão contra idoso de 73 anos em São Sebastião, em maio; abordagens truculentas na Rodoviária do Plano Piloto e mais.
Para o presidente da Comissão, o DF presencia hoje um aumento na cidade da violência policial com múltiplos motivos como responsáveis. Na opinião do distrital, eles vão desde a formação policial, que às vezes é muito ostensiva, violenta e não é direcionada para um policiamento cidadão, até a falta de acesso a atendimento em saúde mental para policiais e as falhas da atuação da corregedoria.
“A polícia como instituição tem que ser mais intolerante à violência policial, tem que punir o policial que cometeu violência, abuso e excesso. A gente não consegue ter resposta da corregedoria, que é uma instituição ainda muito distante dos órgãos de controle, que não manda as informações necessárias para a gente. O que a gente precisaria, na verdade, era uma ouvidoria externa à Polícia Militar para resolver o problema”, avalia.
Felix defende que não sejam os próprios policiais militares a fazer o procedimento de investigação sobre eles. “A gente sabe que isso faz parte da lógica do processo administrativo, mas, no caso de uma atividade que lida com violência, com conflito social, talvez a gente precise de um outro modelo. Eu acho que o modelo da ouvidoria externa é um projeto importante.”
Câmeras corporais
Outro instrumento de transparência e controle patina na PMDF. Em junho deste ano, o Governo do Distrito Federal (GDF) anunciou que havia iniciado o processo para contratação do sistema de monitoramento com câmeras nos uniformes dos policiais militares. Naquela data, o então sub e atual comandante-geral da PMDF, Adão Teixeira de Macedo, informou que a corporação iria instalar 1.978 bodycams nos uniformes ainda em 2023.
O uso dos equipamentos seria como nos moldes dos protocolos da Polícia Militar de São Paulo (PMESP), em que as equipes usam câmeras fixadas ao peito com um sistema que grava ininterruptamente imagens e sons captados durante o trabalho dos PMs nas ruas.
O próprio presidente da Comissão de Direitos Humanos da CLDF destinou R$ 500 mil em emenda orçamentária para a implementação. Porém, em 20 de outubro, a PMDF suspendeu, por tempo indeterminado, a licitação no valor de R$ 21 milhões referente à compra de câmeras corporais.
A corporação justificou dizendo que suspendeu após as empresas interessadas na licitação enviarem um “significativo volume de solicitações de esclarecimentos e impugnações”, com “curto prazo disponível para a realização do processo licitatório”. Na nota, a Polícia Militar ainda afirmou que a suspensão era “uma demonstração do compromisso com a busca da máxima transparência”.
“Após a revisão e atualização do edital, será divulgada uma nova publicação que refletirá de forma mais precisa os requisitos e critérios da licitação”, concluiu a PMDF. Em São Paulo, a letalidade policial caiu 72% após a instalação das câmeras nos uniformes, segundo dados Secretaria de Segurança Pública (SSP) do estado.
Em nota, a PMDF negou que o Departamento de Controle e Correição desconheça o número de investigações em aberto, mas continuou sem informar o dado.
“Para fornecer dados exatos, a especificidade dos questionamentos é imprescindível, conforme previsto pela Lei de Acesso à Informação. É fundamental que os pedidos sejam formulados de maneira detalhada, especialmente em relação aos tipos penais envolvidos, para que possamos oferecer respostas adequadas”, afirma.
A corporação acrescentou que as limitações na parametrização de dados no SGC restringem a capacidade de responder a “perguntas genéricas com o nível de precisão necessário”. “Estamos comprometidos em aprimorar essa capacidade, visando aprimorar a eficiência e transparência nas respostas às solicitações. Ressaltamos que todas as notícias ou denúncias recebidas pela Corregedoria são rigorosamente analisadas e apuradas, sujeitas à fiscalização e ao controle externos. A PMDF prioriza a integridade e a responsabilidade em todas as suas ações.”