PM agredido: Justiça manda afastar comandante e suspender curso no DF
Decisão judicial ocorre após denúncia de agressão e tortura contra um soldado no curso do Batalhão de Choque da PMDF
atualizado
Compartilhar notícia
Após denúncia de suposta agressão e tortura em um curso de formação da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), o Tribunal de Justiça (TJDFT) determinou, além da prisão de PMs, a suspensão do curso do Batalhão de Choque (Patamo). A juíza responsável pelo caso também ordenou que o comandante do batalhão, Calebe Teixeira, fosse afastado do curso até o fim das investigações sobre o caso.
As determinações judiciais atendem ao pedido da 3ª Promotoria de Justiça Militar do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O MP recebeu a denúncia do soldado Danilo Martins, 34 anos.
O aspirante ao grupo Patamo afirmou que foi agredido na última segunda-feira (22/4) por um grupo de soldados da PMDF. O participante do curso afirmou que as agressões tiveram início após ele se recusar a desistir da formação.
Na decisão, a juíza Catarina de Macedo afirma que, segundo o depoimento de Danilo, o tenente Marco Teixeira, coordenador do curso de formação “afirmou que o Comandante da unidade militar [Calebe Teixeira das Nevez] estava no local, e que este teria dado a missão de afastar Danilo do curso de formação para a Patamo”.
“Tal fato indica a ruptura do necessário vínculo de confiança que deveria existir entre a sociedade e um agente público responsável pelo manejo do monopólio do uso legítimo da força. Assim, embora a liberdade plena de Calebe Teixeira das Neves represente risco concreto para a preservação da instrução criminal, esse risco pode ser evitado, por ora, por medida cautelar menos gravosa que a prisão preventiva, no caso, o seu afastamento do comando do BPChoque e a proibição de acesso à referida unidade militar, bem como de contato com qualquer dos investigados”, escreveu a magistrada.
O que diz a PMDF
Procurada, a PMDF informou, por meio de nota, que durante as atividades do curso de Patrulhamento Tático Móvel, no dia 22 de abril, um aluno solicitou desligamento após passar pela etapa inicial da formação e exercícios físicos previstos.
“Apesar de sair do batalhão alegando que estava bem, o referido aluno procurou atendimento hospitalar apresentando quadro compatível com rabdomiólise e alegando ter sido agredido.”
A Corregedoria da PMDF já instaurou Inquérito Policial Militar para apurar o caso, que já está sendo acompanhado pelo Ministério Público. “O coordenador do curso solicitou o seu desligamento voluntário para que as apurações transcorram da forma mais transparente possível. Continuamos à disposição para esclarecimentos posteriores”, completa a nota.
A PMDF não informou se já cumpriu a decisão judicial e afastou o comandante do cargo.
Defesa dos PMs
Em nota, o advogado Marcelo Almeida, responsável pela defesa de 12 dos PMs, disse que “em nenhum momento os referidos policiais militares foram notificados para prestarem quaisquer tipos de esclarecimentos sobre os fatos objeto desta operação, seja pelo Departamento de Controle e Correição da PMDF ou mesmo pelo MPDFT”.
O advogado acrescenta que seus clientes foram “apenas surpreendidos nesta manhã com suas respectivas prisões, razão pela qual a defesa técnica buscará trazer aos autos suas versões, para que então o Poder Judiciário possa aplicar o direito da melhor forma”.
Relatos da vítima
Segundo depoimento prestado pela vítima à Corregedoria da PMDF e à Promotoria de Justiça Militar do DF, por volta das 8h15, o coordenador do curso de Patamo o retirou no momento da apresentação dos uniformes e itens do curso. O superior teria dito que o soldado “não formaria no curso e que ele não mediria esforços para fazer com que ele desistisse, nem que fosse na base da ‘trairagem’”.
“Ainda falou ao declarante que o desligaria do curso por deficiência técnica ou lesionado”, completa o depoimento. Danilo diz que se recusou a desistir. Com isso, o tenente responsável pelo curso teria dito aos outros praças: “Estão vendo esse merda aqui? Ele não vai formar e quem ousar ajudá-lo também será desligado do curso”.
Depois disso, tiveram início as torturas e agressões. O tenente mandou Danilo ir para uma espécie de caixote de concreto onde o depoente foi obrigado a ficar em pé por cerca de 1h30 e o proibiu de participar das atividades do dia.
“O tenente voltou ao local trazendo uma ficha de desistência, um capacete e um fuzil. O ordenou a empunhar o fuzil e ficar na posição de pronto-arma [fuzil cruzado no peito, sem encostar] durante aproximadamente 30-40 minutos sob a supervisão de dois soldados.”
Ainda de acordo com o depoimento, os soldados e o tenente responsável pelo curso teriam xingado e jogado gás lacrimogênio nos olhos de Danilo. “[…] Ato contínuo o depoente foi molhado, enquanto segurava a tora de madeira sobre a cabeça com os braços esticados, sendo que o tenente disse que, quando o depoente secasse ele voltaria e queria as fichas assinadas.”
Após as agressões e humilhações, Danilo optou por desistir do curso. Nesse momento, ele saiu do meio dos colegas e foi ao banheiro se trocar. “Após desistir, o tenente afirmou “Danilo, era minha missão te desligar do curso. Muita gente me pediu para te desligar. Volta ano que vem que você não vai receber essa carga’”, completa o documento.
Soldado foi para a UTI
De acordo com familiares do soldado, as agressões teriam durado cerca de oito horas. “Ele apanhou nos joelhos, nas costas, na cabeça, no estômago, no rosto, nos braços. Quando a gente chegou no hospital, ele estava com um quadro de rabdomiólise grave, que é quando a fibra muscular rompe e ela solta uma toxina que intoxica o rim. Por conta do quadro de rabdomiólise, ele estava com insuficiência renal e precisou ser internado imediatamente na UTI”, diz uma familiar de Danilo.
Os exames mostram que Danilo ficou com uma lesão cerebral que afeta visão e audição. “Ele não enxerga 100%. A imagem vai sumindo, ele está com fotofobia, está com lesão na medula da lombar e sente muita dor na lombar, fora todos os hematomas”, completa a parente.
Danilo já saiu do hospital e está em casa com a família. Em nota, Marcos Barrozo, advogado de Danilo, reforça que o soldado foi “submetido a atos de extrema crueldade que resultaram em
sérias lesões físicas e traumas psicológicos, os quais deixarão marcas profundas em sua vida”.
“O curso de formação, que deveria ser um espaço de aprendizado e preparação para o exercício da
função pública, transformou-se em um cenário de horror e violência inaceitável. A tortura, além de ser crime inafiançável e equiparado a hediondo, causa traumas físicos e psicológicos irreversíveis à vítima, violando seus direitos fundamentais e deixando marcas indeléveis em sua vida. Exigimos das autoridades competentes uma investigação rigorosa e imparcial sobre o ocorrido, bem como a responsabilização dos envolvidos, sejam eles quem forem”, completa a nota do advogado de Danilo.