Plano de Saúde da PMDF suspende atendimento para dependentes autistas
Corporação interrompeu a emissão de guias de atendimento psicoterápico para dependentes e pensionistas de policiais militares do DF
atualizado
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O plano de saúde da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) suspendeu a cobertura de atendimento psicoterápico para dependentes e pensionistas. A decisão interrompeu o tratamento de familiares diagnosticados com deficiência ou problemas psicológicos, incluindo crianças com transtorno do espectro autista.
A corporação anunciou a suspensão da emissão de guias de atendimento em uma circular divulgada na segunda-feira (6/6). Segundo o documento, para não perder o tratamento, as famílias podem buscar a rede conveniada e, depois, solicitar reembolso. Mas, na prática, grande parte delas não tem dinheiro para consultas particulares.
Casada com um policial militar, a dona de casa Juliana Ribeiro Gonçalves Santana, 30 anos, contava com o plano para manter o tratamento do filho do casal, Matheus Rafael, 6, diagnosticado com autismo. Sem esse apoio, o atendimento será suspenso.
“Estou desesperada. Um dia a menos de tratamento significa a regressão do meu filho”, desabafou a mãe. Segundo Juliana, o atendimento do autismo é progressivo. “Cada dia conta. Só quem é mãe de um filho especial sabe que cada progresso da criança é uma grande felicidade. É como ganhar na Mega-Sena”, completou.
A família de Juliana paga R$ 800 por mês para o plano de saúde da PMDF. Antes da suspensão da cobertura para dependentes, Matheus tinha acesso a oito sessões por mês com uma psicóloga. “Se formos pagar, cada consulta custa pelo menos R$ 100”, contou a dona de casa.
Com a assistência psicológica, a criança deixou de andar na ponta dos pés e ficou mais sociável e comunicativa. “Sem o tratamento, ele vai regredir. É uma revolta muito grande. O policial sai de casa, dá a vida pela população e, quando chega o momento em que precisa de assistência para ele e para a família, não tem”, reclamou.
Revolta
A suspensão também abalou a família da funcionária pública Mírian da Silva, 53. Ela é mãe de Gabriel Ian, 17. O adolescente também tem diagnóstico de transtorno do espectro autista e depende do plano para manter o tratamento. “O autista precisa da rotina. Quando você quebra, ele corre o risco de surtar”, alertou.
Confira a circular da PMDF:
“Suspenderam o tratamento sem aviso e sem levar em conta que nós temos policiais que estão com problemas psiquiátricos e psicológicos, o que respiga nas famílias. Nós temos várias famílias que têm pessoas com deficiência em tratamento. Simplesmente cancelaram todo mundo”, criticou Mírian.
Outra mãe, que pediu para ter a identidade preservada, relatou o drama da família com as falhas na cobertura do plano de assistência à saúde da PMDF. Segundo ela, a qualidade do serviço vem caindo, especialmente após a chegada da pandemia da Covid-19. Além disso, de acordo com o depoimento, não há continuidade nos tratamentos.
Veja o depoimento:
Ela enfrenta dificuldades para conseguir o tratamento dos filhos, que são autistas, e para ela mesma, que tem sentido necessidade de iniciar a assistência psicoterapêutica. “Quando somos atendidos em uma boa clínica credenciada, as crianças pegam confiança, mas o consultório logo é descredenciado. Aí, não dá para dar continuidade ao tratamento, porque vai quebrando o ciclo de confiança exigido na psicoterapia”, lamenta.
A mãe também encontra problemas para marcar consultas com neuropsicólogos e neuropediatras. “Está bem difícil para a gente que é beneficiária (do plano de saúde). Quando se consegue consulta, não tem as guias para exames. Quando tem exames, não tem retorno, porque a demanda de médicos é muito pequena para o tanto de usuários”, desabafa.
Em 3 de junho, o GDF ampliou o plano de saúde do governo, o GDF Saúde, para policiais e bombeiros militares, funcionários do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do DF (Iges-DF) e do Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB). Servidores ativos e aposentados da Câmara Legislativa do DF (CLDF) e do Tribunal de Contas do DF (TCDF) também podem aderir.
Diagnóstico preocupante
Segundo o psiquiatra e professor da Universidade de Brasília (UnB) Leonardo Sodré, o tratamento psicoterápico, quando bem indicado, é fundamental no processo de recuperação de vários transtornos mentais.
“Quando interrompido ou não fornecido, pode acarretar piora da resposta a eventuais tratamentos farmacológicos, risco maior de recaída, de cronificação do quadro, piora da funcionalidade do sujeito, inclusive com perdas econômicas diretas e indiretas”, explicou.
De acordo com o especialista, a suspensão do atendimento pode culminar em mais gastos com tratamentos médicos, internações, resposta parcial aos tratamentos, diminuição da capacidade laboral, sobrecarga de familiares, entre outros problemas.
Para Sodré, atualmente, as evidências apontam que o tratamento mais adequado para os pacientes diagnosticados com transtorno do espectro autista é a prática de Applied Behavior Analysis (ABA), ou Análise do Comportamento Aplicada, em tradução livre. Quando disponibilizado no período correto da vida, este método proporciona desenvolvimento fundamental para a aquisição de habilidades, contribuindo para a autonomia do indivíduo no futuro.
O psiquiatra alerta que, sem o tratamento correto no período adequado, pacientes com transtorno do espectro autista correm risco de sofrer enormes prejuízos, inclusive com comprometimento futuro da saúde mental dos familiares.
O especialista listou os impactos negativos ocasionados pela suspensão do tratamento de pacientes diagnosticados com depressão e ansiedade: cronificação dos quadros; uso de mais medicamentos; refratariedade; piora da qualidade de vida e/ou da funcionalidade; e risco de abuso de substâncias, de autoagressões, de agressões a terceiros, de internações e de suicídio.
No caso dos policiais, a rotina é marcada por pressão, violência e diversos problemas contemporâneos. Por isso, muitos desenvolvem doenças psicológicas, afetando as próprias famílias. “A sobrecarga mental, principalmente quando continuada e sem capacidade de lidar positiva, pode levar ao adoecimento mental. E a doença mental é um fator de burden (sobrecarga) dos familiares. Todos podemos passar por situações difíceis, e o sofrimento mental de um familiar, definitivamente, é um deles. E a psicoterapia pode ser fundamental nesses casos”, destacou Leonardo Sodré.
Versão da PMDF
Ao Metrópoles a PMDF informou, em nota, que a emissão de guias para tratamento psicoterápico a titulares, policiais militares da ativa e da reserva remunerada permanece autorizada.
“Caso dependentes e pensionistas da PMDF necessitem do atendimento, poderão buscar/continuar o atendimento na rede credenciada e solicitar o ressarcimento das despesas junto à corporação”, resume o comunicado.
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