Desdobramentos: planejamento do 8/1 não pediu apoio da polícia do STF
Planejamento de Protocolo Ações Integradas, elaborado para proteção de Brasília no 8 de Janeiro, não solicitou ação da polícia judiciária
atualizado
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O Protocolo de Ações Integradas (PAI) elaborado para a proteção de Brasília no dia 8 de janeiro de 2023 não teria solicitado emprego de efetivo da polícia judiciária do Supremo Tribunal Federal. A atuação das forças foi debatida dias antes durante o planejamento de ação para a “manifestação”, em reunião liderada pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF). A informação consta em ofício, obtido pelo Metrópoles, que foi assinado pela chefia de segurança do STF.
O protocolo foi fruto de um encontro ocorrido na SSP em 6 de janeiro, pela manhã, quando integrantes das forças de segurança avaliaram, com as informações que tinham, a possibilidade de uma manifestação pacífica, de pouca adesão e baixo risco. O então secretário Anderson Torres assinou o documento pela tarde e embarcou à noite para os Estados Unidos, com a família.
Em um dos momentos da reunião, dois dias antes dos atos golpistas, o coordenador de Segurança Institucional do STF deixou registrado a sua preocupação com ações contra o Tribunal. O sentimento de desassossego sobre o cumprimento do plano de proteção da Corte foi reforçado posteriormente. Integrantes da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) tentaram tranquilizar informando, na ocasião, que fechariam a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes em caso de necessidade.
A operação de cada um dos órgãos envolvidos foi debatido nesse encontro, capitaneado pela Secretaria de Segurança Pública do DF. Cada instituição participante tinha delineado, no protocolo, as ações a serem desenvolvidas. Para a segurança do STF, foi atribuído apenas o cercamento com gradis, circundando o prédio da Corte; disponibilizar vinte gradis, ao lado do Ministério da Justiça; e liberar espaço no estacionamento para ambulâncias.
O planejamento para o 8 de Janeiro ainda deixava diversas lacunas em informações consideradas cruciais para garantir a segurança da capital federal, como a estimativa de público e detalhes sobre o local de ocorrência das “manifestações”. Sendo assim, o documento não acionou efetivo adicional de agentes e só 17 policiais judiciais do STF estariam trabalhando no dia das invasões, além de outros vigilantes.
O emprego da polícia judiciária era costumeiramente solicitado para eventos de grandes proporções no centro de Brasília. Na posse presidencial de 2023, por exemplo, a ação de segurança estabelecia que o Supremo Tribunal Federal deveria empregar seu efetivo de agentes.
O ofício com as informações citadas faz parte da Ação Penal Nº 2417, que investiga os crimes ocorridos durante a tentativa de golpe.
Procurada pelo Metrópoles, a SSP-DF informou que não tem competência e nem interfere no planejamento de órgãos externos federais. “Destacamos ainda que a instalação dos gradis, e outros materiais de apoio, assim como é feito em eventos do tipo, são oferecidos pelos próprios órgãos e, sendo assim, constam nos protocolos ‘conjuntos’ elaborados pela pasta”, concluiu o órgão.
A Secretaria de Segurança Pública foi questionada, ainda, se era a responsável pelo desenvolvimento do Protocolo de Ações Integradas Nº 02/2023, referente aos atos de janeiro de 2023. A pasta respondeu que “os protocolos de ações integradas para a realização de eventos e manifestações no DF são elaborações conjuntas, que visam reunir ações específicas de órgão, instituição ou organização envolvida, respeitando a autonomia, as possibilidades e a competência de cada um”.
Torres defendeu planejamento
Antes de viajar, o ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), Anderson Torres, assinou o Protocolo de Ações Integradas (PAI), pensado para “promover ações de segurança” e “assegurar o direito constitucional à livre manifestação”, como traz o documento. Esse planejamento sempre é feito pela pasta antes de protestos.
Em agosto do ano passado, durante depoimentos aos parlamentares do Congresso e da Câmara Legislativa do DF, Torres disse que, se o protocolo tivesse sido cumprido, “os atos de vandalismo não teriam sido consumados”. Porém, uma série de acontecimentos entre a confecção do PAI e a invasão aos prédios da Praça dos Três Poderes foram solenemente ignorados.
Alertas
Na manhã de 6 de janeiro, o cenário avaliado por inteligências de forças de segurança ainda era de incerteza. As convocações de bolsonaristas em redes sociais já estavam alarmantes, mas muitas vezes traziam exageros que não se concretizavam na prática, como na chamada para a “maior mobilização da história do Brasil”, em 1º de novembro de 2022, que contou apenas com 10 pessoas na Esplanada dos Ministérios.
A própria responsável pela concretização do PAI, a coronel Cíntia Queiroz, subsecretária de Operações Integradas da SSP, comentou, na CPI do DF, sobre essa falta de dados concretos na manhã do dia 6. “Naquele momento, a gente não tinha informações assertivas do que realmente iria acontecer”, disse, antes de defender que o protocolo “foi construído considerando todos os cenários possíveis”.
Um deles veio no mesmo dia, pelo Relatório de Inteligência nº 6 da SSP-DF, elaborado pela Subsecretaria de Inteligência da pasta. Ele cita as convocações para os atos, ressaltando que estavam previstas ações como “invasão a órgãos públicos e bloqueio de refinarias e distribuidoras de combustíveis”.
“As divulgações apresentam-se de forma alarmante, dada a afirmação de que a ‘tomada de Poder’ ocorreria, principalmente, com a invasão ao Congresso Nacional. […] Houve destaque para manifestações a partir do dia 7 de janeiro, com participação de milhares de pessoas e vinda de caravanas. […] Integrantes seriam pessoas conhecidas por CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores), com postagens sobre sitiar Brasília, que denotam a intenção de praticar atos de violência no dia 8 de janeiro.”
Efetivo da PMDF
Outro indicativo de que o perigo dos ataques contra a democracia foi subestimado veio do direcionamento da tropa da PMDF. Três dias antes da manifestação, o coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, responsável pelo 1º Comando de Policiamento Regional (CPR), fez um “pedido de apoio” para o Departamento de Operações (DOP), em ofício detalhando as tropas que julgava necessárias para conter os protestos.
Naquele documento, não havia pedido para contar com o Batalhão de Choque ou o Batalhão de Policiamento com Cães (BPCães), por exemplo, fundamentais em grandes atos. Casimiro estava de folga no dia 8 e disse ter escalado, verbalmente, o major Flávio Alencar, que disse, também na CPI, nunca ter sido “escalado verbalmente para atuar numa operação ou manifestação”, em 17 anos de serviço.
Flávio aparece em imagens ordenando um movimento que fez a tropa se mobilizar e facilitou a descida de manifestantes ao STF, que defendeu dizendo ser uma ação para resgatar o então comandante da PM, ferido. Também foi o major que disse, em mensagem de dezembro de 2022, “na primeira manifestação, é só deixar invadir o Congresso kkk”. Segundo ele, a afirmação foi uma brincadeira infeliz, sobre os perigos de perder o Fundo Constitucional do DF.
Em denúncia enviada ao STF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apontou que a Polícia Militar do Distrito Federal escalou 200 homens com a “pior formação” e “a menor experiência” para atuar no dia 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes golpistas invadiram e depredaram prédios federais em Brasília.
Mensagens do alto comando da PMDF na véspera dos atos antidemocráticos mostram que foram escalados 200 praças em formação – militares recém-ingressados na corporação – para conter os golpistas. Sobre a convocação desses policiais novatos, a PGR afirma que se tratava de um efetivo “sem qualquer experiência policial, postos de maneira covarde pelos mais altos oficiais da PMDF para conter milhares de insurgentes dispostos a confrontos físicos”.
A acusação da procuradoria baseou-se em uma conversa entre os principais líderes da PMDF na época: coronel Klepter Rosa Gonçalves, subcomandante, e o coronel Fábio Augusto Vieira, comandante-geral da corporação durante o 8 de Janeiro. Os homens trocavam informações sobre o contingente militar que seria utilizado.
Veja a conversa:
Além dos 200 praças, houve um efetivo militar especializado que foi mantido na Praça dos Três Poderes. No entanto, segundo a PGR, a Polícia Militar do DF deveria impedir que os “manifestantes” chegassem ao local, conforme compromisso assumido em documentos. O restante do efetivo da PMDF ficou em regime de sobreaviso.
“Os policiais com aptidão para obstar o avanço dos insurgentes, portanto, deveriam estar prontos para confronto na retaguarda das linhas de contenção, inviabilizando qualquer acesso à Praça dos Três Poderes”, indicou a denúncia. Na mesma conversa em que decide escalar os praças em formação, Klepter também reforça a possibilidade de um confronto.
Para a Procuradoria-Geral da República, o regime de sobreaviso era insuficiente para garantir “a salvaguarda dos bens jurídicos postos em perigo”, dada a perspectiva de invasão de prédios públicos e a necessidade de efetivo para impedir os planos golpistas e repelir eventuais depredações materializadas por eles.