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“PL do Estupro”: DF teve 27 abortos ilegais e 388 legais em cinco anos

Projeto equipara casos de aborto ilegal com homicídio, incluindo casos de estupro. Por isso, proposta foi apelidada de “PL do Estupro”

atualizado

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1 de 1 Imagem colorida de barriga de pessoa durante gravidez bebê - Metrópoles - parto dengue mães - Foto: Ian Waldie/Getty Images

Dados da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), obtidos pelo Metrópoles, revelam que houve 27 ocorrências criminais relativas aos atos de aborto desde 2019. No mesmo período, de acordo com o Ministério da Saúde, foram 388 abortos por razões médicas em Brasília, sendo casos provocados em hospitais com previsão legal.

As ações de interrupção de gravidez consideradas ilegais estão previstas nos artigos 124, 125 e 126 do Código Penal Brasileiro (CPB), que podem ser alterados pelo Projeto de Lei 1904/2024. O texto, analisado pela Câmara dos Deputados, busca equiparar o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio, incluindo casos de estupro. A proposta gerou imensa polêmica e foi apelidada de “PL do Estupro” por grupos contrários aos procedimentos defendidos pelo projeto.

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Manifestação no Terminal Integrado Central, em Florianópolis (SC)
Em São Paulo, concentração ocorreu na Avenida Paulista
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Manifestação contra PL

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Reprodução / redes sociais
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Em São Paulo, concentração ocorreu na Avenida Paulista

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Atualmente, o artigo 124 estipula detenção de um a três anos para a gestante que provocar aborto em si mesma ou consentir que outra pessoa o faça. A SSP-DF aponta que existiram 11 ocorrências desde 2019. Há, ainda, crimes baseados na interrupção de gestação provocado por terceiros, com e sem o consentimento da grávida, sendo contabilizados 16 delitos do tipo em Brasília durante o período analisado.

Hoje, o aborto é permitido apenas em casos de estupro, risco de vida materna ou quando o feto possui anencefalia. No entanto, a proposta dos deputados prevê a criminalização da interrupção acima de 22 semanas de gestação, independentemente dos casos já previstos na legislação.

A proposta de lei para alterar o código penal é de autoria do Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) junto com outros deputados do Partido Liberal. Na justificativa, o parlamentar argumenta que as normas para a interrupção da gestação devem ser interpretadas de acordo com as leis. Caso seja aprovado, a mulher que realizar aborto acima de 22 semanas pode ser condenada de 6 a 20 anos de reclusão. O crime de estupro, no entanto, é punível de 6 a 10 anos.

Segundo os próprios registros da Secretaria de Segurança Pública, considerando os últimos cinco anos, o Distrito Federal teve 4.180 ocorrências de estupro e 1.681 homicídios. Foram 120 feminicídios confirmados e outros 7 ainda estão sob análise. Além disso, o crime de tentativa de homicídio ocorreu 3.789 vezes na capital do Brasil.

Dados sobre aborto legal no DF

Dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), organizados pelo Ministério da Saúde, mostram que aconteceram 388 abortos por razões médicas no Distrito Federal. São casos provocados em hospitais com previsão legal.

Veja comparação por ano:

O DF registrou recorde de abortos legais em 2023, quando houve o maior número da série histórica, com 123 procedimentos. O dado representa um aumento de 310% em comparação com o ano de 2021, crescimento esse que segue uma tendência nacional e vem acompanhado de polêmicas envolvendo desinformação, projetos de lei e debates intensos.

No Brasil, 2.555 abortos legais foram realizados no ano passado. Em São Paulo, 646 mulheres solicitaram o procedimento e, no Rio de Janeiro, 313. Os números são absolutos e não refletem a proporção populacional de cada unidade federativa.

No ano em que o aborto vem sendo um dos temas de maior discussão na Congresso Nacional, 21 crianças de até 14 anos precisaram recorrer aos procedimentos legais no Brasil. Em 2023, 154 meninas nesta faixa etária passaram por aborto dentro dos casos autorizados pela lei.

Em fevereiro, Rebeca Mendes, 36 anos, relatou ao Metrópoles que ficou desesperada quando soube que estava grávida. Há sete anos, ela estava em processo de separação e em uma longa jornada para conseguir colocar o DIU pela rede pública. Ela já tinha dois filhos e fazia faculdade pelo ProUni.

Ela não se encaixava em nenhum dos casos previstos em lei que autorizam uma mulher a fazer o aborto legal, mesmo assim entrou com um processo no Supremo Tribunal Federal para conseguir uma liminar permitindo interromper a gravidez, que foi negada pela juíza Rosa Webber.

O caso de Rebeca teve repercussão no país e destaque internacional. Uma ONG internacional, então, providenciou uma viagem para que Rebeca fosse à Colômbia. Em Bogotá, Rebeca conseguiu realizar o procedimento ainda com nove semanas. Ela era estudante de direito à época e, atualmente, formada, ajuda mulheres a conseguir o acesso à cirurgia, com orientação para o aborto legal no país e auxiliando pessoas possam viajar para o exterior.

Dos países que conquistaram a legalização do aborto na América do Sul, apenas a Argentina e a Colômbia permitem o aborto para mulheres que não sejam residentes do país. No Uruguai, é autorizado para mulheres que vivem há pelo menos dois anos no país.

“Isso mostra também como quem tem acesso vai conseguir fazer o procedimento”, destacou Rebeca. “Mulheres com dinheiro conseguem viajar para outro país, já mulheres sem nenhum recurso vão tentar de qualquer jeito”, completou.

Operações policiais contra o aborto ilegal

Nos últimos anos, as forças de segurança da capital federal dedicaram boa parte dos seus esforços para realizar operações contra a prática dos crimes de aborto ilegal. Em 2021, por exemplo, policiais militares e civis prenderam três homens com drogas, munição e medicamentos abortivos, no Gama.

As equipes receberam informações de que alguns endereços serviam de clínica abortiva e, após investigação, comprovaram o envolvimento dos criminosos na venda irregular de medicamentos abortivos. Meses antes, a Polícia Civil do DF (PCDF) deflagrou a Operação Sexto Dia, que terminou com uma estudante de medicina veterinária, de 24 anos, detida.

Diversos casos chegam até as cortes judiciais do DF. O Tribunal do Júri de Ceilândia condenou um homem a oito anos e dois meses de prisão, em regime inicialmente fechado, por ter provocado aborto em uma adolescente e cometido o crime de violação sexual contra a menor. A decisão foi proferida há dois anos.

O réu era líder religioso em uma tenda espírita de Águas Lindas. Após o estupro, a vítima descobriu a gravidez. Nesse contexto, o réu, dizendo-se incorporado, convenceu a vítima a praticar o aborto. O Metrópoles apurou que, desde 2020, seis pessoas foram condenadas pelos crimes no TJDFT, sendo uma mulher e cinco homens. Todos responderam por aborto provocado por terceiro junto a outros delitos.

PL do Estupro

Uma enquete popular no site da Câmara dos Deputados mostra que 88% “discordam totalmente” do Projeto de Lei (PL) nº 1.904/24. São 12% os que dizem “concordar totalmente” com a proposta, representando 122 mil votos. Os números foram contabilizados pelo Metrópoles até às 21h29 (horário de Brasília) dessa quarta-feira (19/6). A votação segue disponível.

Na quarta da semana passada (12/6), a Câmara dos Deputados aprovou, “às escuras”, o requerimento de urgência do texto. A votação ocorreu de forma simbólica, ou seja: sem identificar os votos. A deliberação também não foi anunciada em plenário. Com isso, o projeto poderá ser votado diretamente no plenário da Câmara, sem precisar passar pelas comissões.

A repercussão imediatamente tomou as redes sociais. Na quinta (13/6), a reação ganhou as ruas. Os protestos também foi marcado por gritos contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), responsável por pautar a urgência do texto. Após as polêmicas, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), um dos autores do projeto, disse que também vai propor o aumento da pena para estupradores.

As reações contrárias ao PL vieram, inclusive, de líderes do governo Lula. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que o governo não vai atuar para mudar a legislação que trata de aborto no país: “O governo do presidente Lula, até atendendo solicitações de lideranças religiosas, de parte da sociedade, sempre disse que nunca ia fazer nada para mudar a legislação atual do aborto no país”.

A ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, também comentou o tema: “Eu, pessoalmente, sou contra o aborto, mas eu acho que é uma atitude altamente desrespeitosa e desumana com as mulheres achar que o estuprador deve ter pena menor do que a mulher estuprada e que não teve condição de ter acesso dentro do tempo para fazer uso da lei que lhe assegura o direito ao aborto legal”.

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